Na temporada 2022/23, um belga de apenas 30 anos de idade começou a chamar atenção pelo seu bom desempenho no futebol francês e bateu recordes. Mas não, não estamos falando de um jogador. Você vai conhecer a história de Will Still, o técnico novinho que surpreendeu a Europa e viralizou nas redes sociais.
Quem é Will Still?
Para começar a falar sobre o Will, primeiro precisamos falar sobre o que ele fazia antes de se tornar treinador principal de futebol. Naturalmente, com apenas 30 anos de idade, Still teoricamente ainda estava longe de se tornar um treinador efetivado.
Will já havia sido treinador de time juvenil, vídeoanalista, observador e treinador auxiliar, sendo esta última a função que o levou a ser contratado por um dos clubes das top 5 ligas europeias: o Stade Reims, da Ligue 1.
“Eu tinha percorrido um longo caminho desde a adolescência na Bélgica, quando me dei conta de que nunca iria triunfar como jogador.”
Aos 18 anos, ele resolveu fazer universidade e foi para a Inglaterra. E lá ele percebeu que o futebol era muito mais que só jogar. Will foi introduzido ao mundo dos bastidores, onde além dos jogadores existem profissionais de diferentes áreas trabalhando: olheiros, analistas, fisioterapeutas, preparadores físicos e por aí vai.
Foi aí que estalou algo na cabeça dele: vou ser treinador. Era o mais próximo que ele teria de estar dentro de campo.
“Era totalmente surreal que o Reims soubesse quem eu era, e mais ainda que tivessem monitorado meus passos como treinador. Eu não era um cara conhecido fora da Bélgica, onde nasci e cresci, e onde tinha passado toda a minha carreira até então. Não pensei duas vezes e aceitei a proposta”.
Will Still veio para o Reims com a função de ser treinador auxiliar do espanhol Óscar García, que estava no clube francês desde a temporada 2021/22. Nessa primeira temporada, o trabalho de García foi apenas o bastante pra manter o clube na primeira divisão, ficando em 12º lugar. Ainda assim, a diretoria do Reims decidiu dar o voto de confiança e ir com ele para mais uma temporada, só que aí as coisas saíram do rumo.
Na 9ª rodada da Ligue 1 2022/23, o Reims empatou em 2×2 com o Troyes e terminou a rodada em 17º na tabela na ocasião, dentro da zona de rebaixamento. A diretoria não quis pagar pra ver qual seria a continuação disso. O que dizem é que García tinha ido a Barcelona resolver umas questões pessoais – e deixado o tal do Will Still no comando. Só que o Will no seu primeiro jogo, ainda como auxiliar técnico, conseguiu arrancar um 0-0 com o poderoso PSG. O primeiro time a conseguir não tomar gol do Paris na temporada.
Aí quando Óscar García voltou todo disposto pra dar o próximo treino, o Reims agiu e demitiu o treinaodr, que estava fazendo um mau trabalho. Mas achar um substituto não era tarefa simples e rápida. Por esse motivo, eles adotaram uma prática bastante comum no meio do futebol mundial, que é colocar um auxiliar ou um treinador de juvenis como treinador interino durante um curto período de tempo, apenas enquanto eles iam ao mercado para contratar um novo professor.
Esse abacaxi caiu no colo do homem que havia comandado o Reims no empate em 0-0 contra o PSG: o justamente o auxiliar Will Still. Vai ver eles pensaram: poxa, empatar com o PSG aqui não é mole não, então vai que esse cara consegue ao menos segurar as pontas por enquanto, né? Deram 6 jogos até a Copa do Catar pra ele, e foi aí que começou uma das histórias mais impressionantes da temporada 2022/23.
O promissor treinador
E pra dar continuidade nela, é bom falarmos sobre uma das paixões que levou Will até esse ponto.
Antes de assumir o comando de um clube da Ligue 1, antes até se tornar um profissional do futebol relevante na Bélgica, Will Still tinha uma paixão: o Football Manager, que é basicamente um jogo de simulação de gerenciamento do futebol. Um jogo onde você é o treinador. Will já contou que era obcecado pelo game quando era garoto, e que isso pode ter acendido sua chama para ser o técnico que é hoje.
“Nunca havia pensado que o Football Manager tivesse tido alguma influência na minha carreira na vida real, mas refletindo sobre isso agora, fica claro que teve.
Como ele foi ficando cada vez mais atarefado conforme sua carreira avançava, Will contou que foi tendo cada vez menos tempo para jogar Football Manager, especialmente agora nesse período como técnico do Reims ele teria que fazer tudo o que fazia no game só que comandando jogadores de verdade, em um clube real. Mas é realmente incrível como esse jogo foi capaz de influenciar um dos treinadores de destaque no futebol europeu atual. Agora era a hora de colocar essa paixão por ser técnico a prova.
Importante salientar qual era a situação do Reims quando Will assumiu oficialmente como treinador:
O clube estava em 15º depois daquele jogo contra o PSG, com apenas 8 pontos conquistados, 1 vitória, 5 empates e 4 derrotas. Eram apenas 12 gols marcados e 19 gols sofridos. Outro detalhe importante de ser destacado eram os números do atacante inglês Folarin Balogun. Até a rodada 10, o jovem emprestado do Arsenal já havia anotado 6 gols no campeonato francês, um indício de como ele seria uma peça fundamental desse time do Will Still.
Na época, a mensagem do Reims para Will era bem clara, como contou ele mesmo:
“‘Will, é preciso tirar o clube dessa situação’. Nós devíamos nos distanciar da zona de rebaixamento, porque esse é o primeiro ano com quatro rebaixados. Eu sempre disse: ‘Vamos tentar fazer o melhor e ver onde podemos chegar. Quanto mais alto estivermos na tabela, melhor será para o clube’. Eu acredito que queremos ser ambiciosos. Queremos ser competitivos, jogar um futebol enérgico e agradável de assistir”.
E o homem não falava da boca pra fora. Mas no meio disso, havia um problema que o clube precisava lidar, que era uma questãozinha de 25 mil euros. Acontece que Will Still não possuía uma licença Pro da UEFA, que é basicamente um certificado de que você concluiu os cursos de treinador profissional e está apto a ser treinador de um clube dos campeonatos europeus. Bem, natural eu diria, afinal ele tem só 30 anos de idade, o mais provável é que o Will nem considerasse a possibilidade de se tornar treinador efetivo de um clube tão cedo. Então, por esse motivo, a cada partida em que Still comanda o Reims, o clube precisa pagar uma multa de 25 mil euros. E como as coisas foram dando certo, eu diria que eles pagaram essa multa sorrindo.
Os bons resultados
Em seu primeiro jogo como treinador interino após a demissão de Óscar García, Will comandou a equipe em um empate sem gols contra o Lorient, equipe que na ocasião estava em 2º lugar na tabela da Ligue 1. Era mais um bom resultado contra uma equipe das cabeças, então embora não tenha saído nenhum gol nos últimos dois jogos, ele já fazia o essencial para ajudar o time a respirar no campeonato, que era não perder.
O primeiro triunfo veio na rodada seguinte, contra o Auxerre, jogando no Stade Auguste-Delaune, casa do Reims. Eles venceram por 2×1, com gols de Balogun e de Junya Ito, com este segundo sendo aos 87 minutos. Depois disso, o Reims engatou mais 3 jogos sem perder, empatando contra o Brest, vencendo o Nantes e depois sofrendo um empate amargo contra o Montpellier, tomando gol nos acréscimos. O importante era que Will estava cumprindo seu trabalho, pois ao fim da rodada 15 o Reims estava em 11º lugar, 4 posições à frente de quando ele assumiu de vez.
As coisas iam dando certo, e ao passo que Will ia fazendo seus estudos no Centro de Futebol Nacional em Bruxelas, na Bélgica, para se ganhar sua licença profissional, a diretoria do Reims ia aos poucos vendo uma coisa: dá pra seguir com esse cara.
O Reims seguiu sem perder e mostrando ser muito competitivo nas mãos de Will Still, até que na rodada 20 veio o desafio. O Reims ia enfrentar o Paris Saint-Germain, e lá no Parc des Princes. O PSG que ia pro jogo com Messi, Neymar e Mbappé no trio de ataque. Com 30 anos, lá estava ele comandando um time para enfrentar o ataque mais badalado do mundo, e o próprio não escondeu o choque quando falou sobre isso:
“Em qualquer momento da minha vida, se alguém tivesse me dito que eu seria treinador de uma equipe da Ligue 1 aos 30 anos, eu teria pedido para me dar um soco na cara.
A ideia de que eu, aos 30 anos, comandaria uma equipe que duelasse com Neymar, Mbappé, Sergio Ramos e Verratti, treinada por Galtier, era inverossímil”.
O desafio era enorme, mas o Reims se saiu muitíssimo bem. Foi apenas no segundo tempo que Neymar abriu o placar, driblando o goleiro e jogando a bola pro gol aos 51 minutos. O Reims estava sendo derrotado, mas jogava com muita organização e comprometimento. O PSG não conseguia marcar mais gols para matar a partida, mas ainda assim, tudo caminhava para a primeira derrota de Will Still como treinador do Stade de Reims.
É aí que literalmente no último lance do jogo, a mágica aconteceu: Kamory Doumbia achou um passe perfeito pra Folarin Balogun sair na cara do gol. O garoto driblou Donnarumma com facilidade e fuzilou pra empatar o jogo. O Reims arrancou um ponto do PSG em Paris e a invencibilidade de Will ainda seguia firme.
E o futuro?
Naturalmente, o trabalho de Will começava a chamar cada vez mais atenção conforme sua invencibilidade no campeonato ia crescendo. Segundo o Opta, ele se tornou apenas o 2º técnico deste século a alcançar 17 jogos de invencibilidade em seus 17 primeiros jogos de uma das top 5 ligas europeias, depois do saudoso Tito Vilanova, que conseguiu o feito comandando o gigante Barcelona.
Conforme seu nome era falado, alguns boatos começaram a se espalhar de que Will era o cara que aprendeu a ser treinador de futebol no Football Manager, e metade dos posts que se via nas redes sociais era falando dele e do FM, Will Still o cara do FM. Isso acaba sendo uma grande distorção dos fatos, como o mesmo contou:
“Não sou apenas um nerd que jogou Football Manager. Não cheguei ao Reims por trás do meu computador. Na verdade, não toco nesse computador há anos. É um mito que precisa acabar”.
Certamente a influência do jogo existiu, como ele mesmo já disse. Mas ninguém se torna técnico de um clube das principais ligas europeias aos 30 anos apenas pelo que aprendeu em um videogame. A história do Will Still é realmente mágica, mas construída através de muito estudo e trabalho duro, não apenas pelo acaso.
Com esse trabalho brilhante, Will levou o Stade de Reims a alcançar 18 jogos de invencibilidade na Ligue 1 sob o seu comando, contando desde o jogo contra o PSG que ele comandou com Óscar García viajando. Foram 9 vitórias e 9 empates. A primeira derrota dele no campeonato veio apenas em 19 de março, contra o Olympique Marseille.
Detalhe: ele assumiu em outubro do ano passado. Foram longos meses sem sofrer uma derrota sequer. O Reims terminou a temporada em 11º lugar, com 16 pontos de distância da zona do rebaixamento. Quando ele assumiu, o clube estava empatado em pontos com o primeiro time da zona. O principal atacante de Still, Folarin Balogun, terminou com 21 gols na Ligue 1, apenas atrás de Jonathan David, Lacazette e Mbappé. Uma temporada que tinha tudo pra ser desastrosa, agora é uma história das mais notáveis de 2022/23.
Quanto ao futuro de Will Still? A imprensa já até o especula na Premier League, com um possível interesse do West Ham, clube que o próprio técnico já disse que é fã desde sempre, mas o jovem renovou com o Reims e continua comandando o clube na próxima temporada.