O caminho do Napoli para o TRI da Série A italiana!

A cidade de Nápoles está em êxtase depois da conquista do título da Série A do time que representa a cidade. Mas essa história nem sempre foi feliz, e tem um caminho muito tortuoso até chegar lá: do começo ruim, ao auge com Maradona, e para o fundo do poço novamente, esse é O Caminho do Napoli até ao Tricampeonato do Scudetto.

il Napoli

Foto por Andreas SOLARO / AFP

Para falar dessa conquista, a gente tem que contar um pouco da história e da jornada do clube ao longo dos anos, o que só vai realçar a importância do título.

A Società Sportiva Calcio Napoli foi fundada em 1926, da junção de dois clubes mais antigos da cidade de Nápoles. 

O clube nunca foi um dos grandes do país, muito também pela maneira como a liga era dividida antigamente: entre a região norte – mais rica e com as melhores equipes – e a sul, onde fica a cidade napolitana.

Com a unificação da Série A, o domínio dos clubes da região norte – Juventus, Torino, Inter de Milão e Milan como os principais – se mostrou imperativo, e o Napoli era mais um dos clubes sulistas com desempenho sempre medíocre ou ruim, sendo rebaixado para a segunda divisão algumas vezes. 

Até por isso, seu primeiro título nacional de relevância veio apenas em 1962, uma Copa da Itália, demorando depois mais de uma década para ganhar a taça outra vez. Mesmo as vezes terminando alto na tabela e disputando até competições europeias, como as extintas Taça das Feiras e a Copa dos Campeões de Copas, ainda era, somente, um clube mediano na Itália, no máximo.

Tudo isso mudaria no ano de 1984, quando o Napoli pega um empréstimo, faz uma gambiarra administrativa e quebra o recorde de transferências, contratatando por 12 milhões de euros um craque argentino do Barcelona: Diego Armando Maradona.

Don Diego

Foto: Bob Thomas/Getty

Na antecipação para a contratação, rumores circulavam sobre a vinda do argentino para Nápoles. Antes das redes sociais, as conversas ecoavam nos locais de trabalho, nas casas e nos bares napolitanos. Mas muitos custavam à acreditar: “Por que um dos grandes craques do futebol viria para nosso humilde clube?”.

Mas ele chegou, pro êxtase total na cidade e Estádio San Paolo lotado para recepcionar o gênio. E o motivo ficou aparente, já que Nápoles e Maradona, afinal, combinavam perfeitamente.

Isso porque, mesmo sendo craque, Diego era visto com maus olhos por muitos na Europa. Sua carreira foi marcada por polêmicas – dentro de campo e fora -, e no Barcelona não foi diferente: contra o Athletic Bilbao, o argentino sofreu uma entrada horrorosa de Andoni Goikoetxea, que o tirou dos gramados por alguns meses. Quando o enfrentou novamente um tempo depois, Maradona revidou, dando uma joelhada brutal pra cima de um jogador do Bilbao, culminando numa das maiores brigas que o campeonato já viu. 

Mas isso não foi visto como uma revanche, e sim como um sul-americano briguento que não sabia se comportar. Assim, sua hora em Barcelona chegou ao fim, e sem mais clima ele comprou a briga e foi para o pequeno Napoli, que tem uma história parecida.

A diferença norte e sul na Itália vai além daquela antiga divisão do campeonato, e marca um longo preconceito que existe entre os nortenhos – de maneira geral uma região mais desenvolvida – com os sulistas, historicamente mais precários. Assim, não é incomum você ouvir os torcedores rivais menosprezando e sendo preconceituosos com Nápoles e seu time, que é a grande representação do sul do país no futebol. Do mesmo jeito que o Napoli escutava e ainda escuta gritos de preconceito vindo das arquibancadas, com Maradona era a mesma coisa.

A identificação com o craque – que sofria dos mesmos problemas – não demorou a acontecer, e o resto foi mágico. Ou, no caso, Mágica.

A era Mágica

Foto: Tiziani Fabi

Essa era do futebol italiano foi pautada por um campeonato extremamente disputado. Antes da Lei Bosman e dos times mais ricos colecionando os melhores jogadores do mundo, era mais comum que diversos clubes tivessem ali o seu craque e tudo fosse um pouco mais equilibrado.

Então naquela década a Juventus teve o Platini, a Inter o Rummenigge, a Roma tinha Paulo Roberto Falcão, a Fiorentina tinha o Baggio e por aí vai. Até times mais fracos, como por exemplo a Udinese, teve o Zico por alguns anos.

Com Maradona, o Napoli trocou de patamar e agora brigava então com os demais, e a glória maior veio na temporada 1986/87: com o gênio dando show, o time napolitano voa no campeonato e consegue a dobradinha, vencendo mais uma vez a Copa da Itália e agora a Série A Italiana pela primeira vez em sua história.

Isso basicamente logo na temporada após Diego vencer a Copa do Mundo pela Argentina, então não tinha como não dizer que Napoli tinha o melhor do mundo em seu elenco.

E lá ele não jogou sozinho não, fazendo parte de um trio que foi mágica: Maradona, Bruno Giordano e Careca: literalmente o trio MaGiCa.

Na temporada 1988/89 veio a primeira conquista internacional do clube: a Copa UEFA, hoje considerada a Europa League, derrotando gigantes como a Juventus e o Bayern de Munique para se sagrar campeão, sempre claro com performances de gênio do craque argentino.

E foi em 1990 que veio o último título napolitano de Maradona: mais uma vez sendo artilheiro da equipe, levou o Napoli à conquista da Série A Italiana por outra vez. Se antes já estava muito claro que Diego era o maior ídolo da história do clube, agora era diferente: era o Rei de Nápoles. 

A despedida e o marasmo

Foto: Marco Cantille

Mas nem tudo são flores, e isso é especialmente verdade quando se fala do camisa 10. Seu final no clube foi extremamente decepcionante: pego no doping por uso de cocaína, Maradona acabou suspenso do futebol por quinze meses, sem voltar para o clube após esse período e se despedindo sem festa ou louros.

Mesmo assim, não deixou de ser o ídolo máximo do clube e da cidade, com estátuas e murais por toda Nápoles, fazendo muitos napolitanos virarem torcedores da Argentina, tendo diversos bebês nascendo com o nome de Diego, e tendo o estádio San Paolo, o mesmo que um dia ele lotou em sua apresentação, ser renomeado em sua homenagem.  

Assim como o sorvete, a história napolitana de hoje tem três camadas, mas a do meio não é nada doce.

O Napoli não conseguiu substituir o seu melhor jogador, o período acirrado da Série A acabou, e agora a liga italiana passou a viver um momento de domínios: o Milan dos Holandesesvan Basten, Gullit e Rijkaard – venceu a liga três vezes seguidas, ao todo ganhando cinco vezes na década de 90, enquanto a Juventus venceu três vezes nesse mesmo período. E o Napoli, nada.

Começou um século novo, e depois de uma pequena disputa a Internazionale engrena cinco títulos seguidos, no que depois vira a vez da Juventus fazer o mesmo e ganhar um atrás do outro. E o Napoli, nada.

Quanto mais o tempo passava e mais o time aumentava seu jejum, mais o Maradona se tornava uma figura monumental para a cidade por aquelas conquistas. A seca pós-Maradona fez o seu legado ficar ainda maior. E esse começo de século foi de mal a horrível para o Napoli, até a chegada de um cineasta que resolveu transformar o clube em história de cinema.

De Laurentiis

Foto por Marco Cantille

Isso porque a gente falou do período no marasmo, mas não vencer títulos foi o menor dos problemas napolitanos: além do jejum, o clube foi rebaixado no final dos anos 90, e começou o século XX amargando na segunda divisão.

E fica pior: além de estar mal dentro do campo, fora também acumulava dívidas e demais problemas financeiros, e assim teve que declarar falência e acabou caindo para a Série C do Calcio.

O que poderia ser uma tragédia se transformou com a chegada do produtor de cinema Aurelio De Laurentiis. Ele conta que estava gravando um filme com alguns astros como a Gwyneth Paltrow, Jude Law e Angelina Jolie, quando foi passar férias na Itália, soube da situação do Napoli e resolveu comprar o clube em 2004.

Quando eu perguntei, ‘cadê os jogadores?’ Eles me responderam: Senhor De Laurentiis, os jogadores não existem.

Ele foi do céu ao inferno, de gravar com a Angelina Jolie para comandar um time da terceira divisão italiana sem jogadores, e assim mesmo começou a reconstruir o time, o levando novamente à primeira divisão e voltando ao patamar anterior: brigando com os gigantes. 

Sarriball

Foto: Marco Canoniero

O clube napolitano viveu momentos agridoces depois disso. Quando achava um novo craque, quem sabe um sucessor do Maradona depois de tanto tempo, ele não durava muito no clube: o Cavani por exemplo brilhou mas ficou pouco tempo e saiu para o PSG. Depois veio o Higuaín, contratação badalada por vir do Real Madrid e que chegou a meter 36 gols na liga em sua última temporada, até sair para a rival Juventus e virar persona non grata em Nápoles.

Depois de tudo isso, um técnico com uma carreira inusitada deu um sopro de uma nova vida para o clube sulista: Maurizio Sarri. 

O Sarri é um treinador pouco convencional: em vez do caminho comum, o italiano era apenas jogador amador de futebol, trabalhando mesmo como banqueiro antes de começar uma carreira bem sucedida de treinador e chegar ao Napoli em 2015.

E foi na temporada 2017/2018 onde o bicho pegou, com um time que tinha como principais peças o zagueirão Kalidou Koulibaly, um incrível meio-campo com Jorginho, Allan e Hamsik, e na frente dois caras históricos do clube: Dries Mertens e Lorenzo Insigne.

O principal era como esse time jogava: pressionando o tempo inteiro, controlando o jogo e com troca de passes, envolvendo os adversários. Com isso, fez uma temporada de campeão, conquistando incríveis 91 pontos na liga… e ficando atrás da Juventus, com 95. Foi a melhor campanha do Napoli na história, e seria temporada de campeão na maioria dos outros anos, mas não conseguiu impedir a Velha Senhora de emplacar 8 campeonatos seguidos. A era dos domínios ainda não tinha acabado.

Mas a desse Napoli sim: Sarri e Jorginho saem para o Chelsea, e ao longo dos próximos anos esse time vai terminando de se desfazer, com quase todas as peças indo para outros clubes. E pra pôr lenha na fogueira, mais um “traidor”: Sarri acaba depois comandando a Juventus, e lá vence a Série A Italiana com o clube, justamente o nono troféu de Série A seguido. E o Napoli, nada.

A sina partenopei não parecia ter fim, e completava 30 anos do último título italiano. Mas o sabor amargo tinha terminado, e a história napolitana enfim teria um gostinho de chocolate.

Um novo Napoli

Foto por Jonathan Moscrop

Durante a dinastia, a Juventus tinha contratado Cristiano Ronaldo para brigar pela Champions e se isolar ainda mais na Série A, mas os planos não funcionaram como o esperado e o domínio foi quebrado pela Inter de Milão de Lautaro e Lukaku na temporada 20/21. E aí o campeonato voltou a ser disputado como não era há muito tempo, com o Milan depois vencendo em 21/22 com a estrela de Rafael Leão.

Agora no comando da equipe, o Napoli tem Luciano Spalletti, um técnico que obteve louros com a Roma no passado, mas que não vinha tendo sucesso já há um bom tempinho. 

Inclusive em determinado momento ele teve seu carro roubado, e os supostos ladrões exibiram uma faixa dizendo que “se você for embora do Napoli, a gente devolve o seu carro”. Pode ter sido uma brincadeira, mas a verdade é que eles queriam ele longe do clube.

E para a temporada 22/23, mais remanescentes deixavam Nápoles: o maior artilheiro da história do clube, Mertens não teve seu contrato renovado e saiu de graça, enquanto Insigne, cria do clube e da região, não renovou e também foi embora. Além deles, Fabián Ruiz saiu para o PSG, enquanto o zagueirão Koulibaly foi vendido para o Chelsea, gerando algumas lacunas na equipe.

Mas o presidente de Laurentiis viu de outra forma:

Nos últimos anos, alguns jogadores estavam mimados, sem entusiasmo, (…) a gente erra achando que pode comprar um grande jogador e resolver todos os problemas, mas não, os problemas você só resolve com um time de verdade.

As reposições foram vistas como providenciais, mas nada demais. Hoje vemos com outros olhos: chegou o zagueiro Kim Min-Jae vindo do Fenerbahce, o volante Anguissa do Fulham, e um dos grandes trunfos dessa equipe: o ponta desconhecido Khvicha Kvaratskhelia que jogava no Dinamo Batumi da Geórgia. 

Foto por SSC Napoli

Assim, dá pra estabelecer o time base dessa campanha: o 4-3-3 de Spalletti tem no gol Alex Meret; a defesa é composta pelo lateral direito e capitão Giovanni di Lorenzo, com o sul-coreano Kim Min-Jae comandando a zaga que tem também Amir Rrahmani, acompanhado de Mário Rui na lateral esquerda.

O tridente de meio-campo tem Lobotka e Anguissa com Zielinski mais à frente – ele que tá sempre entrando na área – enquanto a ponta direita é a única sem um titular absoluto, com o mexicano Hirving Lozano e o italiano Politano se revezando na posição. Já a ponta-esquerda tem dono sim: Kvaratskhelia, o Kvara, que forma uma dupla incrível com o centroavante matador da equipe, Victor Osimhen.

Podem não ser 11 reservas do mesmo nível, mas alguns jogadores também foram importantes vindo do banco: o lateral esquerdo Mathías Olivera, o meia Elmas, o zagueiro Juan Jesus, o meio-campista Ndombele e os atacantes Raspadori e Giovanni Simeone. 

O início arrasador

Foto por Alessandro Sabbattini

O primeiro jogo já seria um desafio: fora de casa contra o Hellas Verona. Pode não parecer grande coisa, mas a rivalidade dos dois é muito forte na Itália pelo quesito fora de campo, pautado pelo desdenho de alguns torcedores do Verona, um time do Norte, contra Nápoles: em certa ocasião, a organizada exibiu uma faixa com dizeres como “Forza Vesúvio”, torcendo para que o vulcão, localizado em Nápoles, entrasse em erupção. Sim, chega a ser nesse nível.

Mas o começo do Napoli nessa temporada foi arrasador e já serviu de indicativo do que viria pela frente: um 5×2 pra cima do Verona, seguido de um 4×0 pra cima do Monza. Muito por causa de Osimhen e Kvara, gols não faltavam em Nápoles.

O partenopei empata os próximos dois, mas depois disso embala simplesmente 11 vitórias seguidas, incluindo sucessos contra Lazio, Milan, Roma e um emblemático 4×0 contra o Sassuolo, com gol do georgiano e hat-trick do Osimhen pra ficar de bom tamanho. 

O campeonato iria parar por quase dois meses por conta da Copa do Mundo, e nesse momento o clube vivia simplesmente 15 jogos de invencibilidade na Série A, o que colocava o Napoli tranquilamente na liderança do campeonato, com alguma folguinha, sem saber o que é perder.

Só que isso não era novidade. O Napoli de Sarri já tinha encantado e dado esperanças, que no final foram falsas, pro torcedor. E o próprio Napoli de Spalletti, na temporada anterior, tinha começado com 10 vitórias nos primeiros 11 jogos, assumindo a liderança naquele início. Mas a história se repetia sempre: o time perdia o gás e eventualmente o título.

Só que em 2022/23 seria diferente. E com a pausa pra Copa na temporada, a gente pausa pra falar mais dos grandes astros desse time:

O primeiro é o cara que encantou por mais ter o estilo do Maradona:  Kvicha Kvaratskhelia. 

Eu cheguei a mencionar que ele era desconhecido e jogava na Geórgia, mas a verdade é que essa história é um pouco mais complicada: o Kvara se destacou no Rubin Kazan da Rússia por alguns anos, chamando a atenção de grandes clubes, mas mesmo assim nenhum deles queria pagar o valor de 20 milhões de euros – uma pechincha, vamo combinar – pedido pelo clube pelo georgiano. E segundo seu empresário, era justamente por sua nacionalidade:

Eles não tinham segurança de pagar este valor por um jogador que vem de um país pequeno. Ele não vem do Brasil.

É aí que começa a guerra entre Rússia e Ucrânia, e por conta do conflito diversos estrangeiros jogando nos países puderam rescindir seus contratos: ele assim sai para o Dinamo Batumi de seu país, mas claramente de maneira provisória mesmo, e pouco tempo depois é comprado pelo Napoli por 10 milhões – uma pechincha maior ainda.

Antes mesmo de estrear ele já tinha a cara do clube: afinal, era um jogador menosprezado por conta de onde havia nascido. Quando jogou então, mostrou uma habilidade que lembrou demais a do gênio Maradona, com dribles e golaços. A comparação não demorou a ser feita, e o início meteórico de Kvaratskhelia acabou rendendo o apelido merecido de Kvaradona. 

Mas talvez o grande herói, o cara que representou como ninguém o que é ser Napoli, seja o herói que é mascarado, mas não é nem o Zorro nem o Batman: o nigeriano Victor Osimhen se destacou no Lille e assim chegou à Nápoles na temporada 2020/21, mas seu começo foi marcado por lesões, a mais grave delas quando ele se choca com o zagueiro Skriniar da Inter, fraturando o rosto e passando por cirurgia, colocando seis placas e dezoito parafusos na face! 

Depois de alguns meses fora, ele volta então usando uma máscara de proteção, essa que usa até hoje mesmo sem precisar: pode ser por precaução mesmo – afinal a lesão foi gravíssima – ou até mesmo como amuleto da sorte, já que começou essa temporada voando, sendo o artilheiro do campeonato. Se tá dando certo, fica com a máscara, né?

Sem contar que Osimhen também passou por tudo aquilo que Maradona passava, e talvez até pior: além do preconceito na Itália contra os jogadores do Sul do país e com os Sul-americanos, o mesmo acontece com jogadores africanos e negros em geral, e Osimhen constantemente ouve vaias e gritos racistas vindo de torcidas adversárias.

Enfim, a cidade parecia haver achado os sucessores espirituais do Rei de Nápoles: um menosprezado e habilidoso como ele, e um que passou por um perrengue, luta contra o preconceito, mete gol a rodo e veste uma máscara “de Zorro”. Na mitologia do personagem, sabe qual o nome do Zorro? “Don Diego”. Parecia o destino.

Altos e Baixos

Foto por Jonathan Moscrop

Mas ser um time invencível é uma tarefa pra poucos, quase impossível, e é nesse momento que veio o primeiro revés da temporada: a volta da Copa não foi boa para o Napoli, e seu primeiro confronto foi uma derrota para a Inter de Milão, que marcava o fim da invencibilidade e o começo de um gigante ponto de interrogação: será que o time perderia mais uma oportunidade?

Até porque isso aconteceu outras vezes: o Napoli encantava com jogadores craques e um futebol envolvente, pra chegar na hora H e vacilar para uma Juventus simplesmente implacável. E apenas dois jogos depois dessa derrota, o Napoli encarava justamente a Velha Senhora. 

Uma vitória da zebra seria o encurtamento da distância pro líder e deixaria a ultrapassagem iminente. Certamente muitos torcedores já começavam a ter calafrios ao lembrar das temporadas anteriores. E o pior, a Juventus chegava pra esse jogo com oito jogos seguidos sem sofrer gol. Uma defesa quase intransponível. Seria o duelo contra a Juventus um choque de realidade? A hora de dar adeus ao sonho?

Mas esse Napoli tinha algo diferente, mais precisamente dois algos: os azzurri começam com fogo no pé, com o Osimhen abrindo o placar de cabeça num rebote em um voleio do Kvara, e ainda no primeiro temporada é agora o nigeriano que serve o georgiano, que bate colocado e amplia.

O Di María desconta pra Juve, mas o resto é um atropelo: Rrahmani marca o seu, Kvara dá uma assistência absurda – telegrafada – pro Osimhen fazer o doblete, e Di Lorenzo fecha a conta: 5×1, o líder se impõe e abre 9 pontos de vantagem no topo.

Ainda tinha mais da metade do campeonato, mas não parecia que teria nenhum adversário à altura da campanha napolitana. O futebol do Napoli não era só bonito e envolvente, ofensivo e eficiente. Era um futebol vencedor. Talvez aqueles pequenos detalhes que impediram o Sarriball de fazer história por lá, não impediriam Spalletti. A vitória acachapante contra a Juventus foi aquele ponto de virada numa temporada em que um time sob desconfiança passa a ser visto como favorito.

Essa vitória ajudou o time a engrenar outro momento de vitórias, incluindo um 2×1 pra cima da Roma – com golaço de cinema do Osimhen em assistência do Kvaratskhelia. Aliás, Osimhen nesse jogo foi substituído e do banco estava absolutamente possuído, vivendo intensamente cada gota de tensão do fim da partida, celebrando a cada lance, pirando depois do apito final, gritando, berrando e liderando as comemorações pós-vitória.

Esse cara incorporou completamente o espírito do Napoli.

Essa sequência resultou em 8 vitórias seguidas, levando a equipe a ter 18 pontos de vantagem nesse momento. Já era, né?

Nem uma derrota pra Lazio, curiosamente treinada pelo Sarri, tirava os ânimos dessa equipe, e chegando ali em Abril, liderando por muita coisa, o foco agora era outro: a Champions League. 

Eu não havia tocado nela ainda, mas para um time tão implacável só um título não bastava, e o Napoli vinha fazendo uma excelente campanha europeia: pegou uma fase de grupos dificílima com Liverpool, Rangers, e Ajax, e ainda assim venceu seu grupo, com direito a goleadas como um 4×1 pra cima dos reds e um 6×1 contra o Ajax. 

O avassalador pegou nas oitavas o Eintracht Frankfurt, e o despachou com facilidade: fora de casa o Kvaradona até perdeu um pênalti, mas se redimiu dando uma assistência de calcanhar e eles vencem por 2×0. Aí em casa mais um passeio: 3×0 com doblete de Osimhen e classificação mais do que especial para as quartas de final: foi a primeira vez em sua história que o Napoli chegou nessa fase da Champions. Um feito que nem o Napoli de Maradona tinha conseguido.

Sai o sorteio para as quartas, e o Napoli recebe uma grata surpresa: enfrentaria o conterrâneo Milan. Não era subestimar, mas podendo ter em frente caras como o Manchester City ou Real Madrid, o Milan parecia um adversário mais simples: afinal jogava no mesmo campeonato que estava sendo amplamente dominado pelo trator napolitano. Mas não foi bem assim.

Isso porque curiosamente, logo antes do confronto pela Champions, as duas equipes se pegavam pela própria Série A. O Napoli vinha embalado de um 4×0 pra cima do Torino, e enfrentava agora o Milan num esquenta pra decisão.

Mas se o time do sul era extremamente favorito antes, de repente foi tudo por água abaixo: com Osimhen fora por lesão, o Milan surpreende e, em pleno Diego Armando Maradona, mete um atropelo absurdo, 4×0 fora o baile com doblete da estrela Rafael Leão, num raro momento de apagão napolitano, justo no pior momento possível.

Chega então na Champions e, com o favoritismo invertido, o Milan vence o jogo de ida por 1×0, e, ainda sem o Osimhen, o Napoli apenas empata por 1×1 o jogo de volta, com direito a pênalti perdido de Kvara e gol depois de uma jogadaça do craque Rafael Leão num erro do Ndombele – que tava substituindo o Anguissa, expulso no primeiro jogo.

Um dos sonhos do Napoli terminava então aí. O caminho para uma final europeia talvez fosse a melhor oportunidade da história do clube. Time bem, com confrontos traçados contra equipes não consideradas favoritas. Mas caiu. E se houve uma tristeza inicial na semana da queda, essa tristeza não duraria muito. Ela seria passageira, efêmera, porque as dores de 33 anos estavam prestes a desaparecer.

O Napoli tricampeão

Foto por Andreas Solaro

Mas a eliminação, por mais decepcionante, não foi o bastante para derrubar os ânimos em Nápoles por muito tempo: afinal o time estava a poucas rodadas de confirmar o título da Série A e encerrar o longo jejum.

O Napoli enfrenta e derrota mais uma vez a Juventus, que pro torcedor dava um gostinho a mais, fazer o doppietta sobre a rival que tanto causou choro nos anos anteriores, e precisava de pouco para confirmar o título com antecedência. Ele acaba não vindo contra a Salernitana, mas agora contra a Udinese bastava um empate e o time era campeão.

O partenopei começa perdendo, mas o herói e artilheiro Osimhen marca mais um gol, garantindo o empate e o título napolitano matematicamente: depois de 33 anos de jejum, ninguém poderia mais alcançar o melhor time da Itália no momento.

O Napoli era, enfim, tricampeão da Série A italiana, e mesmo fora de casa a torcida invade o gramado em puro êxtase.

O próximo jogo contra a Fiorentina seria para cumprir tabela e comemorar com sua torcida: uma vitória, mas isso nem interessa, já que todo mundo tava presente mesmo era para desentalar o grito de “É campeão”, um grito que vai além do futebol, de um povo que usa o futebol como arma contra a opressão que sofre do resto do país. Inferiores? Que nada, somos os campeões do país.

No final das contas, foram 90 pontos na liga, com 26 vitórias, 6 empates e 4 derrotas. Kvaratskhelia terminou com 12 gols e 10 assistências, enquanto Osimhen se sagrou o artilheiro do campeonato, com incríveis 26 gols e 4 assistências, se tornando o maior artilheiro africano da história da Série A, e recebendo a coroa como o próximo Rei de Nápoles.

É marcante também que o primeiro título de liga do clube sem o Maradona venha justamente depois de seu falecimento. E é uma pena que o Diego não esteja aqui para ver a cidade em que ele é Rei ganhar novos ídolos e virar, pelo menos por um pouquinho, a cidade de Kvara e Osimhen

Mas ele esteve sim presente na conquista: grande parte das vitórias veio no estádio que hoje carrega o seu nome, o seu legado, e quando Di Lorenzo ergueu a taça para um Diego Armando Maradona lotado, pode ter certeza que o grande ídolo do clube estava ali – não só em nome, mas na mente e no coração de todos os napolitanos.

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Rafael Uzunian
Rafael Uzunian
Coordenador do Euro Fut, roteirista no YouTube, sofrendo com Santos e Arsenal.
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