Manchester City: da terceira divisão à Tríplice Coroa

Esse artigo foi escrito originalmente como roteiro para o vídeo acima

Nessa última temporada, o Manchester City enfim conquistou o seu tão sonhado objetivo: a Champions League. Mas antes de Pep Guardiola, de Bruyne, e Haaland, a equipe já viveu um período sombrio, onde caiu inclusive para a terceira divisão. Esse é O caminho do Manchester City à conquista da Tríplice Coroa.

O fundo do poço

Foto por Mark Thompson/Getty

Para poder contar melhor dessa conquista, eu não vou direto pro time em seu melhor momento, e sim exatamente o contrário, para contar de quando o Manchester City chegou no fundo do poço, no pior momento de sua história, lá na terceira divisão do campeonato inglês.

É verdade que o Manchester City nunca foi um colosso da Inglaterra: a equipe de Manchester havia ganhado duas vezes o campeonato do país: lá em 1936/37 e na temporada 1967/68 – mas mesmo estando bem distante dos gigantes Arsenal, Liverpool, e do rival da cidade Manchester United – não dava pra dizer que o City era um clube minúsculo e sem história, já que estava quase sempre presente na primeira divisão inglesa, e foi inclusive um dos clubes fundadores da Premier League em 1992.

Mas isso não significou presença garantida no alto escalão, e essa época foi tortuosa para os mancunians, brigando por alguns anos na parte de baixo da tabela, se segurando por uma corda cada vez mais fina, até ela arrebentar num dos momentos mais humilhantes da história do clube:

Era o último jogo da temporada 1995/96, e o Manchester City enfrentava o Liverpool, precisando vencer para se safar do rebaixamento – ou empatar e torcer para uma derrota do Southampton no outro jogo da rodada. O técnico da equipe era Alan Ball, lendário por ter sido titular na única Copa do Mundo que a Inglaterra conquistou, mas digamos que como treinador não vivia seu melhor momento.

Antes mesmo do segundo tempo, já tava 2×0 para o Liverpool. A missão seria duríssima, mas mesmo quando tudo parecia perdido, o City no final da partida desconta de pênalti e depois deixa tudo igual, faltando pouco mais de 10 minutos para ir com tudo em busca da virada e da permanência na primeirona. 

Mas não foi isso que aconteceu, e se liga na bizarrice: um torcedor ouvindo um rádio se confundiu, e passou para o treinador que o Southampton perdia e um empate bastava. Assim, o técnico pediu para sua equipe segurar o placar como podia, com direito a chutão pra isolar a bola e aquela tática de prender ela na bandeirinha de escanteio, sem tentar atacar… tudo isso quando na verdade o Southampton não estava perdendo, e o City ia sendo assim rebaixado com o empate, de maneira extremamente humilhante por conta dessa confusão.

Era pra não ter durado muito e o time logo subido, mas a verdade é que mesmo num nível inferior os problemas continuaram, e a frase “pior que tá não fica” se provou mais uma vez falsa: 

Na temporada 97/98, o City que começou favorito a vencer a divisão acabou entrando em colapso, e chegou mais uma vez na última rodada, agora contra o Queens Park Rangers, precisando vencer para se livrar de mais um descenso. 

O fundo do poço era afinal mais embaixo, porque quando o jogo tava empatado em 1×1, o volantão do City, Jamie Pollock, protagoniza um dos lances mais bisonhos do futebol: ele vai tentar interceptar uma bola, dá um chapéu lindo no adversário, e aí faz simplesmente um golaço de cabeça para encobrir o goleiro e marcar… contra. Sim, foi um golaço contra o próprio patrimônio, e depois disso o time de Manchester só conseguiu empatar em 2×2. Agora contra o QPR, o City protagonizava mais um vexame absurdo, e com esse gol contra pitoresco foi rebaixado para a 3º divisão pela primeira vez em sua história.

Como eu já havia mencionado, os times de Manchester sempre pertenceram a um patamar diferente um do outro. Mas nesse momento eles nunca estiveram tão distantes: enquanto na temporada 1998/99 o Manchester City disputava a terceira divisão inglesa, o Manchester United de Alex Ferguson simplesmente conquistava a Tríplice Coroa – ou seja, venceu a Premier League, FA Cup e a Champions League – pela primeira vez na história da Inglaterra. 

Foi para esfregar sal na ferida azul celeste, e para consolidar de vez que a cidade realmente tinha só um dono.

Mas isso só por enquanto. Porque falando em dono, os do City iriam mudar, e com a mudança o clube entraria numa nova era.

Um novo Manchester City

Foto por Shaun Botterill

O clube conseguiu se reerguer, e a partir de 2002 não saiu mais da Premier League. Ainda assim, sua história era de um clube mediano, que ora disputava no meio da tabela, ora contra o rebaixamento – esse que parecia cada vez mais perto de acontecer novamente. Em 2005/06 o clube terminou em 15º. Na temporada seguinte, em 14º.

Em 2008, o clube estava mal das pernas financeiramente, e mais próximo da ruína do que da glória. É aí que entra o Grupo Abu Dhabi, do Sheikh Mansour bin Zayed Al Nahyan, que comprou o time em Setembro daquele ano. De uma hora para outra, o Manchester City foi de quase falido para o time mais rico do planeta.

O City então quebrou o recorde inglês de transferências, e trouxe caras que seriam históricos para o clube: Vincent Kompany, Carlitos Tévez, Yaya Touré, David Silva e muitos, muitos outros, culminando na que foi a mais importante da sua história até aqui: a chegada de Sergio Agüero na temporada 2011/2012.

Essa seria a temporada de consolidação do projeto, da afirmação de que realmente um novo Manchester City estava presente. E essa proclamação veio da maneira mais satisfatória possível: 

Simplesmente na última rodada do campeonato inglês, aquela balança entre os times de Manchester se encontrava equilibrada, com as duas equipes empatadas em pontos no topo da tabela. O City de Roberto Mancini tinha a vantagem do saldo de gols, mas precisava ganhar o confronto para depender apenas de si e vencer o título inglês após 44 anos de jejum. O adversário? Queria o destino que fosse novamente o Queens Park Rangers, que era quem dessa vez brigava pra não cair.

O Manchester United havia vencido seu confronto por 1×0, enquanto o City chegava já nos acréscimos perdendo de 2×1 para o QPR, no que seria mais um vexame para botar na conta. Os torcedores já choravam nas arquibancadas.

Já nos 47 do segundo tempo, Dzeko marca de cabeça e deixa tudo igual. E dessa vez eles não acharam erroneamente que o empate bastava. Dessa vez eles foram pra cima.

E aí no que era praticamente o último lance do jogo, Agüero foi buscar a bola fora da área, fez uma tabelinha com Balotelli, e marcou o gol que sagrou o Manchester City, enfim, campeão inglês novamente. 

Eram os citizens agora esfregando o sal na ferida dos rivais, e o sinal mais claro impossível de que o projeto estava só começando, um verdadeiro ponto de virada na história do clube.

Em 2013-14, agora sob o comando de Manuel Pellegrini, o City repetia o feito, só que além da Premier League, o City tinha voltado a vencer Copa da Inglaterra depois de décadas, tinha voltado a vencer Copa da Liga, e tinha ganhado também Supercopa da Inglaterra.

Com as glórias voltando rapidamente e com tanto dinheiro investido, a Inglaterra começou a parecer pouco pra eles. Devagarinho, as ambições foram crescendo e mudando rapidamente para o sucesso continental. Começava ali a busca pela nunca antes conquistada Champions League. Mas até esse momento, o time que brilhava no país ainda não conseguia passar das oitavas de final da maior competição da Europa.

E mesmo com adições de jogadores importantes como o volante Fernandinho, o ponta Sterling, e o meia Kevin de Bruyne, e com o City chegando o mais longe que já tinha chegado na competição, acabou sendo eliminado nas semis da temporada 15/16 para o Real Madrid. 

Essa seria a última temporada de Pellegrini, que no começo de 2016 já tinha seu substituto anunciado: o lendário treinador Pep Guardiola.

Josep Guardiola i Sala

Foto por David Ramos

O Guardiola é um cara que mesmo antes de ser treinador já tinha uma história marcante com a Liga dos Campeões: cria da base do Barcelona e super identificado com o clube catalão, vestia o número 10 da equipe que, sob o comando do gênio Johan Cruyff, venceu a orelhuda pela primeira vez na história do clube em 1992.

Ele vence muita coisa, roda o mundo, se aposenta, e aí volta para o Barça para ser treinador do time B, até que na temporada 2008/2009 é anunciado como treinador do clube e começa sua carreira.

Essa não é a história completa do Guardiola nem daquele Barça, mas em suma, a estrela do técnico não demorou nem um pouquinho para aparecer: na sua primeira temporada como treinador de futebol, ele conquista a Tríplice Coroa com o Barcelona – se tornando o técnico mais jovem a vencer a Champions League (e por consequência a Tríplice Coroa também). E em 2009 acaba completando o sêxtuplo, vencendo todos os títulos possíveis.

Na temporada 2010/11, ele vence a Champions mais uma vez, e parecia que vencer a competição seria ocorrência comum pra ele: temporada sim, temporada não, sabe? Mas não foi bem assim.

Isso porque ele vai para o Bayern de Munique em 2013, que havia acabado justamente de vencer a Tríplice Coroa com Jupp Heynckes, mas lá apesar de dominar completamente a Bundesliga, é eliminado três vezes seguidas nas semis, e sempre pros grandes espanhóis que ele supostamente conhecia tão bem. Guardiola não consegue erguer o principal título da Europa novamente. Talvez injustamente, mas começou a fama de “sem o Messi eu não consigo”.

Assim, quando em 2016 o Guardiola assumiu o comando do Manchester City, o principal objetivo de ambos estava muito claro: era hora de ganhar a Champions League.

Domínio na Inglaterra

Foto por Michael Regan

Mas a sua primeira marca no City seria outra e, antes de conquistar a Europa, ele primeiro dominou o país. Na primeira temporada ele passa em branco, tanto na liga inglesa quanto na Champions – sendo eliminado nas oitavas para o Monaco do jovem Kylian Mbappé – mas na temporada 2017/2018 ele conquista a Premier League pela primeira vez, com um time que seria a base para as próximas temporadas: caras como Ederson, John Stones, Kyle Walker, Fernandinho, Gundogan, Bernardo Silva, um jovenzinho Phil Foden, e o craque de Bruyne, que fizeram história: foram 100 pontos na liga, batendo o recorde de pontos, de vitórias, e de gols marcados, além de alguns outros.

Mas por mais que na liga tenha sido um tubarão, na Champions continuava sendo peixe pequeno: pegou o conterrâneo Liverpool nas quartas, e foi eliminado perdendo os dois jogos.

Na temporada seguinte o roteiro se repete: a Premier League foi vencida com pontuação que só não foi recorde porque eles mesmo já tinham batido antes, e dessa vez a competição foi ferrenha com o Liverpool, os superando por apenas um ponto. E na Champions, novamente eliminado para um time inglês nas quartas – agora para o Tottenham – com direito a um jogaço que foi 4×3 e ainda teve gol anulado pelo VAR nos acréscimos. Emoção pura, mas mais uma vez a orelhuda tava longe.

A temporada 19/20 contou com as chegadas importantes de João Cancelo e Rodri, mas ainda assim uma das piores do Guardiola no comando do clube: ficou em segundo no campeonato inglês, e na Champions mais um desastre: de novo nas quartas de final, agora foi eliminado pelo Lyon, colocando na cabeça de muitos que, realmente, Champions League e Manchester City não combinam.

Já em 2020/2021, o começo do campeonato foi péssimo para os azuis celestes: fizeram apenas 12 pontos em 8 jogos – seu pior começo desde 2008 – e a defesa era uma peneiraça, mesmo com a contratação do zagueiro Nathan Aké, que esteve presente em um dos maiores vexames da carreira do Guardiola: a derrota de 5×2 para o Leicester, que marcou a primeira vez na carreira do Pep em que seu time sofreu 5 gols numa partida.

Uns malucos achavam até que era hora do Guardiola sair do City, mas mesmo os mais sãos concordavam que a temporada parecia perdida. É aí que o clube contrata o zagueirão Rúben Dias, e ele muda completamente o patamar daquela temporada: até esse momento, o John Stones era visto como um defensor que até sabia sair jogando, mas cometia muitos erros e não passava segurança, sabe?

Só que com a a chegada do Dias, o Stones se transforma completamente e muda o nível defensivo da equipe da água pro vinho, formando uma das melhores duplas da Europa, com o City se recuperando de forma incrível e eventualmente levando mais uma vez a Premier League com uma boa vantagem, e dessa vez chegando na final da Champions League pela primeira vez na história do clube.

Só que mais uma vez a eliminação viria nas mãos – ou no caso nos pés – de um time inglês, dessa vez o Chelsea. Acontece que o City já tinha perdido duas vezes para o time londrino ainda naquele ano: quando foi eliminado da FA Cup e pelo campeonato inglês no mesmo mês da final.

O time vinha funcionando bem com Rodri de primeiro volante e Gundogan como um jogador que chegava mais na frente, mas para essa final o Guardiola resolveu mudar as coisas para ver se conseguia bater o carrasco: ele saca Rodri do time e joga sem um primeiro volante de origem, com o Gundogan mesmo fazendo essa função, mais recuado.

Pra muitos, esse foi um dos grandes erros do treinador em sua carreira, e o único gol da partida, de Kai Havertz, vem justamente de um passe para um buraco deixado no meio-campo: onde provavelmente um volante como o Rodri estaria posicionado.

De Bruyne sai lesionado no segundo tempo, o City não consegue buscar o empate, e assim vê o título escapar mais uma vez.

Pra temporada 21/22, o grande reforço foi o também mais caro da história do clube: Jack Grealish, que por 100 milhões de libras não correspondeu imediatamente ao absurdo valor pago, e nessa época já ia muito sendo chamado de bagre pelo que não tava jogando.

No ataque, mais uma tacada de mestre do Guardiola: sem um 9, com Jesus reserva e entrando mais pela direita, ele alterna vários jogadores como Foden, de Bruyne e Bernardo Silva como “falso 9”, e volta a fazer sua equipe ser uma máquina.

E o roteiro das últimas temporadas parecia se repetir: na Premier League, fez mais uma campanha incrível, e de novo brigou até o finalzinho com o Liverpool, vencendo o último jogo de virada por conta da estrela do Gundogan, que adora brilhar na reta final da temporada, e garantindo a taça mais uma vez.

E na Champions, a impressão que dava era que o problema era maior que tático, que técnico, e sim algo psicológico ali naquele elenco. O time chegou às semifinais contra o Real Madrid e venceu o primeiro jogo num jogaço por 4×3. O jogo de volta tava 1×0 e dava a classificação para o time de Manchester até os 45 do segundo tempo, quando brilha a estrela do Rodrygo, que marca dois gols e leva o jogo para a prorrogação, quando Benzema faz o seu e decreta mais uma eliminação dos citizens.

“A camisa pesa” é uma frase que só é utilizada quando convém, mas que coube muito bem nessa ocasião. Afinal o City dominou, ia vencendo até o final da partida, mas não conseguiu ter a cabeça para segurar aquele jogo e sair com a classificação. E não tinha como não olhar para o retrospecto: o Real é o maior vencedor da história da competição, com vários caras no elenco que já tinham ganhado uma penca de vezes, enquanto o Manchester City nunca ganhou e nem tinha ninguém no elenco que havia vencido. Na verdade, tinha só um jogador: o goleirão reserva Scott Carson, que ganhou a UCL lá em 2005, sendo também reserva do Liverpool na ocasião. 

Era muita casca contra zero casca, e o City chegava e chegava perto, e ainda assim parecia muito distante.

Isso até a temporada 2022/2023.

A temporada 22/23

Foto por Shaun Botterill

O começo de temporada foi agitado no quesito transferências, com alguns caras importantes nas últimas temporadas de saída – caso de Sterling, Gabriel Jesus e o lateral esquerdo muitas vezes titular, Zinchenko – e as chegadas de reforços como Julian Alvarez, o zagueiro Manuel Akanji vindo do Borussia Dortmund, e a grande contratação da temporada – e não só do time tá – Erling Haaland. E dependendo do que ele ainda aprontar no clube não é difícil que ela entre como uma das maiores contratações da história do futebol.

Pro começo da temporada, a escalação era a seguinte: Ederson no gol, Kyle Walker na lateral direita, Ruben Dias e Aké na zaga, e João Cancelo na lateral esquerda – ele que fazia uma função bem específica de “lateral invertido”, e era um dos destaques da equipe. No meio Rodri cabeça de área, com de Bruyne e Bernardo Silva mais à frente, enquanto Mahrez era o ponta-direita, Grealish na esquerda e Haaland como o centroavante matador da equipe.

Se antes a equipe já era uma máquina mas faltava aquele homem-gol, agora tinha o “Exterminador” Haaland que prometia uma centena deles. Mas o começo não foi bom pro time, e os citizens começam perdendo o Community Shield para o Liverpool. 

Pra começar então a Premier League, o capitão Gundogan voltou à escalação titular no meio campo, com o Bernardo Silva eventualmente deslocado para a ponta-direita. A ideia do Guardiola era ter controle, e pontas como Grealish e Bernardo oferecem exatamente isso: a capacidade de segurar a bola e controlar mais o jogo, sem ter aquele jogador mais incisivo como o próprio Mahrez.

E o começo de liga inglesa foi bom, mas não foi espetacular. Mas quem tava espetacular era o Arsenal de Mikel Arteta, que com os ex-City Zinchenko e Jesus, além de Saka, Martinelli, Odegaard e cia encantou o mundo do futebol e liderava a Premier League por 5 pontos até a parada para a Copa do Mundo.

A volta da Copa teria o jovem reforço Julian Alvarez agora como campeão do mundo, mas nem isso adiantou. O começo de 2023 já mostrava um grande problema na equipe: Cancelo caiu muito de rendimento e perdeu espaço, virando reserva e sendo eventualmente emprestado para o Bayern de Munique. Um pouco antes disso, com o jovem Sergio Gomez na lateral esquerda, o City foi derrotado pelo Southampton e eliminado da Copa da Liga. A lateral era, mais uma vez, um grande ponto de interrogação dessa equipe.

E mesmo o Haaland metendo gol a rodo, fazendo da liga inglesa o parquinho de diversões dele, o City que alternava entre jogadores e formações – chegando a usar o bom cria da base Rico Lewis na lateral esquerda – não tava conseguindo se achar. 

E assim, perdeu jogos importantes: para o Manchester United – esse com gol extremamente polêmico – e para o Tottenham, e chegou em Março a estar a 8 pontos atrás do líder Arsenal na tabela.

Mais uma vez o time não se encaixava, e a temporada parecia perdida. E dessa vez não eram só os críticos: até o próprio Pep havia jogado a toalha:

“Não me importam a Premier League ou a Copa da Liga Inglesa. Nós não podemos vencer. Já ganhamos muito, portanto não é um problema.”

Mas se na liga não dava, na Champions League tava tudo em aberto. O City havia vencido seu grupo com Sevilla, Copenhagen e Borussia Dortmund, e aí no primeiro jogo das oitavas empatou em 1×1 com o RB Leipzig.

O jogo de volta era justamente nesse mês conturbado de Março, e acredite se quiser, existia uma certa desconfiança para com essa equipe. Mas seria justamente esse o jogo que viraria a chavinha da temporada, e que mostrava que essa versão do City não só não era fraca, como era uma das melhores.

Foi nessa partida onde a equipe titular dessa campanha e a maneira como ela jogaria foi encontrada. Para explicar é um pouco complicado, porque o time joga de fato com duas formações diferentes: um 4-1-4-1 ou até 4-4-2 quando defende, e uma espécie de 3-5-2 quando ataca. 

Defendendo, os zagueiros Akanji e Aké funcionam como laterais, enquanto Ruben Dias e Stones compõe a zaga, com Rodri, Gundogan e De Bruyne como os meio-campistas como sempre. Já atacando, Akanji e Aké compõe a zaga que tem Dias centralizado, enquanto o John Stones se torna um volante ao lado do Rodri. E como o City controla a posse e está sempre atacando, ele acaba sendo volante na maior parte do tempo.

Essa foi mais uma sacada que trouxe outra evolução pro Stones, que se tornou sua melhor versão como “zaguelante”: sólido na zaga, e como volante ajudando a equipe a recuperar a bola mais rápido no campo de ataque, além de ser também um construtor de jogadas pelo meio, se desvencilhando sempre muito bem da marcação.

Todo esse contexto explica o massacre que foi o jogo contra o Leipzig: 7×0 pra cima dos alemães, incluindo simplesmente cinco gols do craque Haaland, que já na sua primeira temporada no City empatou o recorde de mais gols marcados em uma partida de Champions –  com Luiz Adriano e Messi. 

Depois desse time arrumado e implacável, a única crítica a ser feita ao Guardiola é ter tirado o Haaland de campo antes dele marcar mais gols e quebrar o recorde. Mas era a única mesmo: se antes havia dúvidas da “pipocagem” desse time na UCL, ele era agora um dos favoritos para a orelhuda.

O próximo adversário veio no melhor momento possível: o Bayern de Munique, que tinha acabado de demitir o treinador Julian Nagelsmann, que não só tava invicto na Champions como havia vencido todos os jogos até então. Mas com essa mudança brusca, e com Tuchel no comando, o City que não tinha nada que ver com isso foi pra cima e aplicou mais uma sapatada: Rodri abre o placar num golaço absurdo, finesse shot purinho de perna esquerda, Bernardo Silva ampliou de cabeça depois de um erro do Upamecano, e como não podia faltar o dele, Erling fechou a conta: 3×0. 

No jogo de volta, 1×1, e o City classificado para as semis mais uma vez. E mais uma vez, pegaria o gigantesco e atual campeão Real Madrid.

Só que antes de falar desse jogo, lembra da Premier League que “já estava perdida”? Pois é, o mês de Abril mudou tudo isso: o Manchester City foi tubarão, ganhando e ganhando só esperando o Arsenal vacilar, e vacilou: três empates seguidos, e enfrentava agora o próprio tubarão.

O City tava numa fase voraz, feroz, sentindo o cheiro de sangue do Arsenal pra atacar. E atacou. Num jogo de “inversão de papéis”, o artilheiro Haaland foi garçom para dois gols do de Bruyne, marcou o dele, e com o 4×1 assumiu, enfim, a liderança do Campeonato Inglês, que agora depois da pipocada londrina parecia muito difícil de sair das mãos do tubarão.

O primeiro jogo das semis contra o Real Madrid acabou em 1×1, num jogo curioso onde o Pep decidiu não fazer nenhuma substituição. Mas o de volta foi muito diferente: um domínio absoluto do City pra cima do Real, que não viu a cor da bola, com dois do Bernardo Silva e um 4×0 controlando o jogo até o finalzinho da partida, sem nem sofrer alguma pressão – e sem milagre do Rodrygo. É, dessa vez a camisa não pesou.

A Tríplice Coroa

Foto por Anadolu Agency

A reta final de temporada foi então histórica para o Manchester City. Na liga não precisou de muito para se sagrar campeão, já que com mais um tropeço do Arsenal, os Citizens foram campeões da Premier League pelo terceiro ano seguido. Em 7 temporadas, Guardiola ganhava o seu 5º título de campeonato inglês. Um já foi.

Eu não havia mencionado ela até aqui, mas o City também vinha fazendo uma ótima campanha na FA Cup, no caminho goleando o Chelsea por 4×0 com um time bem misto, vencendo o freguês Arsenal que na época ainda era o líder da liga né, e aí ganhando com propriedade do Bristol City, amassando o Burnley por 6×0, e vencendo o Sheffield United nas semis por 3×0, com hat-trick do Mahrez, para avançar para a final.  

E logo antes da Champions, ela seria justamente contra o rival Manchester United. Aquela disparidade de antigamente já não existia mais, e o favorito time azul venceu por 2×1, com dois gols do ultra decisivo Gundogan, que adora brilhar na reta final da temporada e levantou mais uma taça com os azuis celestes. Faltava um só.

Chega então no dia 10 de Junho a derradeira final da Champions League, o troféu mais desejado pelo clube já por mais de uma década. Em Istambul, o City enfrentava a Inter de Milão, que vinha com um Lautaro Martínez jogando muita bola: e mais uma vez, jogavam com o “peso da camisa” contra os zerados citizens.

Alguns poderiam achar que seria um passeio, mas o jogo foi extremamente disputado – daquele jeito meio “sem graça” que todas as últimas finais de Champions foram. Mas no primeiro tempo um desfalque preocupou demais: mais uma vez De Bruyne se machuca e acaba saindo em uma final de Champions. 

Só que dessa vez o Guardiola “aprendeu”. Sua escalação não teve mudanças inesperadas, e ele manteve aquilo que estava funcionando. Dessa vez, Rodri em campo se mostrou essencial mais uma vez, e marcou o gol da partida com uma bonita chapada. Parecia o destino que fosse ele a abrir o placar, né?

O jogo teve ainda o Lukaku perdendo chance clara e o Ederson salvando a equipe em mais de uma ocasião, inclusive no último lance da partida. Apita o árbitro, e é êxtase total para aquela equipe, com os reservas correndo para abraçar os jogadores no gramado, porque o Manchester City é, enfim, campeão da Champions League pela primeira vez em sua história.

“Estava escrito nas estrelas. Ela pertence a nós”. – Pep Guardiola

Gundogan ergue então sua última taça como capitão do City – e sem dúvidas a mais importante delas, no que foi também sua despedida do clube. Agora sim, oficialmente, é festa em Manchester, e o elenco foi junto na empolgação das comemorações: em especial Jack Grealish, que teve seu “arco de redenção” completo, indo de criticado para estrela da celebração, bebendo toda a bebida de Manchester e sendo um baita personagem.

O destaque é sem dúvida coletivo, mas além de de Bruyne, Bernardo Silva, Rodri e Gundogan, não tem como não dar uma atenção especial pro craque Erling Haaland, que já na sua primeira temporada no clube inglês quebrou o recorde marcando 36 gols na Premier League, e de quebra foi também o artilheiro da UCL com 12. 

Finalmente o Guardiola voltava a ganhar uma Champions, e com essas três conquistas, vence mais uma Tríplice Coroa na carreira, se tornando o único treinador a vencer duas vezes a Tríplice Coroa na Europa.

A piadinha do “sem o Messi eu não consigo” não existe mais, e os títulos e a maneira como a temporada se desenrolou só reforçam ainda mais o patamar que esse cara está. Muitos técnicos são lembrados pelo número gigante de títulos, como Sir Alex Ferguson, Mourinho, e Ancelotti; Outros, pela influência no esporte: como Rinus Michels, Cruyff, e Bielsa.

E tem o Pep Guardiola, com por enquanto 35 títulos como treinador – e que vai muito provavelmente se tornar o treinador com mais títulos na carreira -, além de também mesmo antes de encerrar a carreira ter uma baita influência como um “gênio tático”, indo desde ao uso do falso 9 até a transformar jogadores e mudar suas posições, como o último sucesso que é John Stones de volante. 

O projeto do Abu Dhabi United Group do Sheikh Mansour foi brilhantemente coroado com essa tripleta, e foi a cereja no topo do bolo que é o sucesso imenso desse clube, que por mais que a gente faça zoações e brincadeiras, foi de pequeno para um dos gigantes do esporte, e de desconhecido para possuir fãs ao redor do mundo inteiro. O City Football Group também possui outros times como o Girona, Palermo, Bahia e vários outros, e pode ter certeza que essa receita de sucesso vai passar a ser seguida por eles também. 

Afinal, qual é o patamar desse projeto? Quando a gente pensa em “Times Imortais”, nas melhores equipes que já pisaram num gramado, vem à mente o Manchester United do Sir Alex Ferguson, o Arsenal invencível do Wenger, o próprio Barcelona do Guardiola, o Milan dos Holandeses, o Real Madrid do Zidane, O esquadrão do Brasil de 70, a Espanha do Tiki-Taka. E hoje, “oficialmente”, o Manchester City de Pep Guardiola

Quando o City fracassava na Champions, a desculpa era a inexperiência na competição: afinal só um jogador do elenco, reservaço, havia vencido a taça. 

Hoje, todos esses caras têm a taça no currículo. 

E agora, quem para o Manchester City?

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Rafael Uzunian
Rafael Uzunian
Coordenador do Euro Fut, roteirista no YouTube, sofrendo com Santos e Arsenal.
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