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Seleção de Portugal e seu trabalho nas redes sociais

Essa é uma coluna especial, escrita por Manuel Astorga, estudante de Marketing na Porto Accounting and Business School e enviada aqui pra gente!

MONACO, MONACO – AUGUST 29: Cristiano Ronaldo poses for a photo with the UEFA Champions League All Time Top Scorer award during the UEFA Champions League 2024/25 Group Stage Draw at Grimaldi Forum on August 29, 2024 in Monaco, Monaco. (Photo by Claudio Lavenia – UEFA/UEFA via Getty Images)

O Instagram da Seleção Portuguesa tornou-se recentemente o mais seguido entre as seleções
de futebol superando o da Seleção Brasileira. Como se explica o facto de a Seleção Portuguesa
ter quase o dobro de seguidores no Instagram em relação à população do país? Qual será o
motivo de a seleção de um país que não ganhou ainda um Mundial tenha mais visibilidade
online do que a seleção pentacampeã do mundo? 


A explicação é simples: Cristiano Ronaldo.


Certamente um dos melhores e mais influentes atletas da história, o português é reconhecido
mundialmente e conta com uma base de fãs extremamente diversificada, abrangendo
diferentes faixas etárias e geográficas. A sua história hercúlea de sucesso, sustentada pelo seu
desempenho e disciplina que levou um jovem de uma família com poucas condições
financeiras da ilha da Madeira para os mais importantes estádios do mundo, é uma inspiração
para todos os jovens que se começam a interessar por futebol.


Essa notoriedade aliada à personalidade carismática de Cristiano e à criteriosa gestão das suas
redes sociais torna-o no atleta mais valioso do mundo no que toca ao marketing.
Cada vez que Ronaldo partilha conteúdos relacionados à seleção nacional, a exposição global
da equipa aumenta exponencialmente. Fãs de todo o mundo seguem a Seleção Portuguesa
para acompanhar os feitos do ídolo, o que se traduz num crescimento rápido da base de
seguidores da equipa.


Apesar de tudo o que foi dito acima, convém enaltecer também a estratégia implementada
pela Federação Portuguesa de Futebol no que toca à sua presença nas redes sociais, focada na
criação de conteúdos envolventes, interativos e diversificados, como vídeos de bastidores ou
entrevistas exclusivas aos atletas e ao staff. Além disso, o sucesso desportivo que a “Seleção
das Quinas” obteve com a conquista do Euro 2016 e a com a vitória na Liga das Nações em
2019 contribuiu de sobremaneira para o aumento de seguidores da mesma.


Dado o peso histórico que o Brasil tem no futebol mundial, com jogadores lendários como
Pelé, Ronaldo e Neymar, a “Seleção Canarinha” sempre foi a mais mediática e relevante desde
que há memória e é considerado consensualmente o país do futebol, pelo que ultrapassar a
Seleção Brasileira em seguidores é um feito significativo.


Concluindo, esta ultrapassagem simboliza muito mais do que uma mera mudança numérica.
Representa o poder de um único atleta em moldar a perceção e popularidade de uma equipa a
nível global que, aliado a uma estratégia digital bem definida, torna Portugal um case study de
como o futebol moderno se joga tanto no campo como nas redes socias.

Essa é uma coluna de opinião. As opiniões do colunista não necessariamente refletem as opiniões do Euro Fut.

A imagem, o que mais importa

Essa é uma coluna especial, escrita por Manuel Astorga, estudante de Marketing na Porto Accounting and Business School e enviada aqui pra gente!

Longe vão os tempos em que o jogador profissional de futebol apenas treinava e jogava, sem preocupação alguma com a sua alimentação, recuperação física ou a sua imagem. Com a evolução dos métodos de apoio a estes atletas, o nível físico a que os mesmos se apresentam é impressionante. Mas mais espantoso ainda é a forma como os jogadores de futebol conseguiram – geralmente com ajuda de empresas especializadas – cuidar da sua imagem, atraindo grandes marcas e mantendo com elas parcerias que lhes rendem contratos exorbitantes.

Nos dias de hoje, além da grande exposição televisiva, os atletas de alto nível são muito presentes nas redes sociais, o que lhes dá uma plataforma para terem um contacto muito mais próximo com os seus fãs. É aqui que muitos jogadores se destacam, porque mostram facetas da sua personalidade ou detalhes da sua vida pessoal fazendo com que captem mais público, público esse que quer entender como funciona a rotina de um jogador profissional. 

Além das redes sociais, é importante a maneira como os jogadores se comportam perante a sociedade, porque as marcas que eventualmente o irão patrocinar estão à procura de atletas que representem os valores das mesmas e, por isso, é fundamental que o atleta de alta performance perceba que todas as suas ações dentro e fora de campo importam de sobremaneira.

Para transmitir de uma melhor forma o que se passa no marketing desportivo de alto nível, darei 2 exemplos bastante distintos: o de Kylian Mbappé e o de Neymar Jr.

Kylian Mbappé desde cedo se mostrava preocupado em gerenciar a sua carreira da melhor forma possível, e foi com a ajuda da sua mãe que, aos 14 anos e apesar de ter propostas de clubes como o Real Madrid, o Manchester City e o Liverpool, foi o AS Monaco o clube escolhido pelo francês para começar a sua carreira, e isto acontece por dois motivos: o desportivo, sendo muito mais fácil chegar à equipa principal dos monegascos do que qualquer gigante europeu; e talvez ainda mais importante: a imagem de Mbappé

Os seus representantes entenderam que o atleta tinha que iniciar a sua carreira na França, para assim criar um vínculo emocional com o seu país e que levasse as pessoas a torcer por ele onde quer que esteja a exercer a sua profissão. 

E deu resultado: hoje Mbappé é acarinhado por grande parte dos franceses que admiram a sua entrega e talento nato para este desporto. Uma imagem cuidadosamente cultivada leva a que as melhores marcas do mundo o queiram ter como garoto propaganda, e até aí Kylian é diferente dos outros, porque apenas aceitou o patrocínio de poucas marcas, como Oakley, Nike e Hublot. Esta seletividade permite que consiga mais dinheiro dos seus patrocinadores atuais, porque a visibilidade que lhes dá é imensamente maior.

Um exemplo bem diferente é o de Neymar Júnior. O brasileiro sempre deixou claro que gosta de se divertir, de sair com amigos, expondo-se muitas vezes a situações desconfortáveis, entrando em conflito com a imprensa e com os próprios fãs. Além de todos os problemas que o extra-campo de Neymar representa, também não tem uma linha definida sobre aquilo que pretende que a sua imagem seja.

Ao contrário de Mbappé, Neymar é patrocinado por mais de 30 marcas. Ora, isto diminui significativamente o valor da imagem do jogador, que ao estar a dar atenção a tantos patrocinadores, não consegue desenvolver relacionamentos com as empresas que o patrocinam, ao contrário do francês. Mais um ponto negativo no que toca à imagem do camisola 10 da seleção brasileira é o facto de não ter sido feito um background check nos seus parceiros comerciais como deveria ter sido feito, levando o jogador a fechar parcerias com empresas que não são bem vistas pela sociedade em geral, como é o caso de casinos online. Ora, isto limita o potencial da marca de Neymar, que não faz jus à incrível aptidão para a modalidade que o atleta do Al-Hilal tem.

Para melhor perceber como um atleta lida com a sua imagem, falei com Tomás Prost, jogador da equipa sub-19 do Chaves, equipa da 1ª divisão portuguesa:

Entrevistador: “Quais são os cuidados que costumas ter no que toca à tua vida fora do campo, em termos pessoais, físicos e comportamentais que te permitem jogar a alto nível?”

TP: “Primeiramente tento ter sempre atenção ao que pode melhorar o meu desempenho no que diz respeito ao físico. Tanto eu como os meus colegas de equipa sabemos que a alimentação, o descanso, e ter uma boa rotina fora de campo é fundamental para nos sentirmos bem quando tivermos jogos, que por norma são muito intensos e desgastantes. No que toca ao comportamento, sabemos que não somos pessoas desconhecidas e que os adeptos nos cobram que tenhamos um comportamento irrepreensível fora de campo, dignificando o clube que representamos.”

Entrevistador: “No seio do clube ou em outros anteriores nos quais tenhas estado é te dada alguma orientação sobre como valorizar a tua imagem?”

TP: “Sim, a equipa técnica, diretores e responsáveis de comunicação do Chaves e dos clubes anteriores onde estive realçam sempre que todos os comportamentos que temos, quer dentro quer fora de campo, têm que ser de acordo com os valores do clube, respeitando sempre todos os adeptos, adversários e outros intervenientes (árbitros, jornalistas ou qualquer outra pessoa com a qual contactemos). É muitíssimo importante termos cuidado com as atitudes que temos, porque hoje em dia toda a gente sabe quem são os atletas do clube e as marcas só se querem associar a jogadores e clubes que tenham uma conduta irrepreensível.”

Entrevistador: “Há algum atleta em que admires a forma como lida com a sua carreira?”

TP: “Acho que todos temos como exemplo o Cristiano Ronaldo em todos os aspetos. A forma como ele trabalha em prol da longevidade e do sucesso da carreira dele é sem dúvida um caminho que eu pretendo seguir. Eu quero ser sempre o melhor nas tarefas que me proponho a realizar, tal como ele, e penso que é com essa mentalidade que tenho que encarar todos os dias de trabalho. Até o empenho que ele demonstra nas ações publicitárias e na relação com os patrocinadores é um exemplo a seguir.”

Concluindo, é crucial que a carreira de qualquer atleta profissional seja bem gerida e com um planeamento a longo prazo, que permita construir valor e que seja um exemplo para todos os jovens que sonham um dia ter a mesma profissão.

Essa é uma coluna de opinião. As opiniões do colunista não necessariamente refletem as opiniões do Euro Fut.

Arábia Saudita: o novo futebol, do petróleo aos craques

Foto por Reuters

Você já deve ter ouvido a expressão “o futebol pertence ao torcedor”. A máxima não existe apenas pelo tom poético ou esperançoso, mas sim porque literalmente, em boa parte dos modelos de clubes de futebol pelo mundo, a propriedade do time passa pelos sócio-torcedores serem de fato donos dos clubes.

Mas já faz um bom tempo que isso não é mais verdade: cada vez mais o futebol tem ido das massas para os poucos – os poucos endinheirados, que compram os clubes e usam como mais uma de suas empresas. Pouco importa “o modelo”: podem de fato comprar, chamar de SAF, ou investimento, mas os clubes mais bem sucedidos dos últimos tempos têm todos uma fonte de dinheiro por trás.

E num meio tão tradicional, surge um novo jogador. Um que pode ser mais um no meio de tantos, mas que pode ser também o próximo passo no distanciamento do futebol como conhecemos hoje: a Arábia Saudita.

Nos últimos anos, os planos de sportswashing da Arábia Saudita estão a pleno vapor, com o país instaurando diversas iniciativas na tentativa de ser visto por uma nova luz, e a da vez é a do “país do futebol”. Mas tudo isso vai muito além dele.

Sportswashing

Foto por Ozan Kose

O conceito de Sportswashing – ou lavagem esportiva – se refere à prática de esconder o lado ruim de um país ou governo com o investimento no esporte. E isso não é algo de hoje:

No Império Romano, a prática do “Pão e Circo” consistia em lotar arenas com espetáculos de gladiadores e distribuir comida nas arquibancadas, a fim de distrair a população dos problemas, apaziguar os ânimos da rapaziada, e evitar motins e ressurgências.

Desde então, o sportswashing já foi empregado muitas vezes, e é uma das cartas favoritas na manga de ditadores: por exemplo, é de conhecimento geral que Hitler usou as Olimpíadas de Berlim em 1936 para esconder os problemas do seu regime e divulgar sua propaganda.

A jogada da Arábia Saudita é mais uma em meio às várias ao longo da história. Seu país hoje é mais conhecido por leis autoritárias e datadas – como o fato de que até 2018, as mulheres não podiam entrar em um estádio de futebol – além de violações graves de direitos humanos, como a prática de torturas e intolerância religiosa e de sexualidade.

Mas como eu mencionei, em 2018 as mulheres foram permitidas a assistirem a um jogo de futebol no país, e a mudança foi instigada pelo príncipe Mohammed bin Salman, que curiosamente a fez no mesmo ano em que seu governo assassinou o jornalista Jamal Khashoggi, crítico do governo, que foi visto entrando no consulado saudita em Istambul – e não saiu mais.

Segundo investigações, foi o próprio Bin Salman que ordenou o assassinato, que resultou no jornalista ter sido cortado em diversos pedaços. A advogada Helena Kennedy ouviu e relatou um grampo com uma conversa entre integrantes do “esquadrão da morte” que assassinou Khashoggi:

“Dá para ouvi-los rindo. É um negócio assustador. Eles estão lá esperando, sabendo que aquele homem vai entrar e vai ser assassinado e esquartejado.”

Hoje, ninguém mais fala desse caso, e o assunto principal quando o assunto é Arábia Saudita é o futebol. Missão cumprida?

Cristiano Ronaldo e os craques

Foto por Khalid Alhaj

O processo de sportswashing pode ter muitas etapas, mas hoje consiste quase sempre em duas principais vertentes: divulgar o seu país para fora, e melhorar a imagem de dentro dele.

Para divulgar a imagem do país, nada melhor atualmente do que patrocinar clubes de futebol: é assim que em diversas camisas vemos estampadas “Qatar Airways”, “Fly Emirates” e tantas outras. A fim de convidar o público para conhecer o país, o governo saudita também patrocina a Supercopa da Itália e a Supercopa da Espanha, que hoje são jogadas em solo árabe. O jogo é usado como um ponto chamativo para o país, que busca aumentar seu turismo e melhorar sua imagem. Quando a gente pensa no espetáculo, se esquece por um instante de todas as atrocidades ali permitidas.

Uma das grandes iniciativas nesse quesito foi a compra do tradicional clube inglês Newcastle por um fundo de investimento saudita. Por conta do ganho financeiro e esportivo, a torcida saiu às ruas comemorando a compra e agradecendo aos seus novos donos. Enquanto o time for bem esportivamente, não irão haver críticas ao governo. E as atrocidades vão mais um pouquinho sendo esquecidas.

Vale ressaltar que a Arábia Saudita não é a única: em 2008, o fundo saudita de Abu Dhabi comprou o Manchester City, enquanto em 2011, o fundo do Catar comprou o PSG, além de investir pesado no sportswashing, tendo inclusive sediado a Copa do Mundo agora no ano passado. Tudo passa pela mesma estratégia.

Agora que o país foi divulgado, é hora de convidar o público a olhar para dentro dele. O governo saudita investiu pesado nos principais clubes do país – Al-Ahli, Al Hilal, Al-Nassr e Al-Ittihad – para que pudessem fazer contratações bombásticas, e assim chamar ainda mais atenção positiva. E funcionou: com a chegada de Cristiano Ronaldo ao Al-Nassr, nunca a camisa do clube foi tão vendida, e nunca o campeonato foi tão assistido ao redor do mundo.

Foto por Yasser Bakhsh

Para essa próxima temporada, Karim Benzema já foi anunciado no Al-Ittihad – é o atual Bola de Ouro indo jogar na Arábia Saudita, e vários outros jogadores de alto nível estão seguindo o mesmo caminho: afinal, a oferta financeira beira o absurdo, algo em torno de 100 milhões de euros por temporada.

Hoje, a estratégia parece ser a mesma de outros centros alternativos do futebol: contratar jogadores “estrela” já fora do auge da sua carreira. E é verdade que isso também acontece na MLS, dos Estados Unidos – para onde o atual Melhor do Mundo da FIFA, Lionel Messi, foi jogar – e na China, que já também investiu pesado em jogadores no passado.

E falando nele: Lionel Messi é inclusive embaixador do turismo na Arábia Saudita: uma figura famosa e respeitada, paga para sorrir e agir de fachada para encobrir todos os problemas do país.

Mas até quando a estratégia vai ser apenas essa? Quanto tempo até uma oferta dessas convencer um craque ainda em ascensão como Haaland, Vinícius Jr ou Mbappé, e tornar a liga Saudita em mais uma que vai ser difícil a gente não prestar atenção? O Al Hilal chegou inclusive a fazer uma proposta completamente absurda pelo craque francês, com salários e bônus que poderiam chegar a 700 milhões de euros para ter o atleta por apenas um ano.

A ascensão foi tão rápida, que já temos jogadores mais jovens, disputados por clubes europeus, que estão indo para a Arábia Saudita: é o caso de Jota, que havia brilhado pelo Celtic e tinha mercado na Premier League; Rúben Neves, que um dia era especulado no Barça e no outro fechou ida para o Al Hilal; Milinković-Savić, que por anos foi um dos melhores jogadores da Serie A italiana; Brozović, no auge da carreira e que acabara de chegar numa final de Liga dos Campeões; o goleiro Edouard Mendy, que há 2 anos tinha sido eleito o melhor do mundo na posição; e muitos outros.

São tantos nomes, que nós do Euro Fut temos uma listinha com todas as principais contratações pra ninguém se perder.

Planos Maiores

Foto por Fayez Nureldine

A Copa do Mundo no Catar abriu portas para transformar o maior palco do futebol em algo perverso, longe dos fãs e da tradição esportiva, e cada vez mais próximo do dinheiro. 

O grande objetivo da Arábia Saudita por ora é sediar a Copa do Mundo de 2030, com a concorrência tradicional dos trios Argentina, Uruguai e Paraguai; e Espanha, Portugal, e Ucrânia. 

Por conta de toda a questão da violação dos direitos humanos, é de se imaginar que jamais aceitariam que a Arábia Saudita sediasse a Copa, ainda mais com a concorrência de países com tradição no futebol. Mas o Catar abriu uma porta que não tem mais como ser fechada. Os movimentos têm sido calculados, e no passar dos próximos anos, a Arábia Saudita será vista cada vez mais como um “novo país do futebol”, com grandes astros e um campeonato assistido do mundo inteiro. 

E cada vez mais, o futebol é um pouco menos do povo e mais dos poucos, endinheirados e que podem oferecer baldes de dinheiro para estampar camisas, comprar jogadores, e até clubes de futebol. 

A mais famosa liga de golfe do mundo, a americana PGA Tour, aceitou se unir à rival LIV Golf – controlada pelo fundo de investimento saudita – se tornando agora uma só. Existem rumores de que o fundo quer também comprar a Premier League da Inglaterra. Algo que antes poderia parecer impossível, hoje é viável.

A liga de golfe americana não é mais dos Estados Unidos, e se a Premier League inglesa também não for mais do país, o que restará?

O investimento é por todas as frentes: já existe um Grand Prix da Fórmula 1 na Arábia Saudita, e o fundo do país já possui ações em diversas empresas gigantes, sendo hoje por exemplo o maior investidor da empresa de games, Nintendo.

Foto por Karim Sahib

Vale lembrar que o futebol e o esporte não são o objetivo, e sim o meio. O objetivo, como consta no plano “Vision 2030” de bin Salman, é transformar a Arábia Saudita num grande polo mundial, gerando capital político e colocando o país “na mesa da discussão”, junto com outras potências como Estados Unidos e Rússia. 

O site oficial do projeto conta com a seguinte frase: “A visão é construída com base em três pilares: uma sociedade vibrante, uma economia próspera, e uma nação ambiciosa”.

É realmente um plano bonito, não fosse a “sociedade vibrante” aquela que possui pena de morte para a homossexualidade, que está severamente atrás nos direitos humanos, e aquela que esquarteja um jornalista por ter pensamentos contrários aos seus. 

Parte do projeto inclui criar uma cidade. É isso mesmo: com o dinheiro infinito do país, estima-se que 500 bilhões de dólares serão investidos na criação de uma “mega cidade”, que tem como objetivo ser “o futuro do esporte”.

Hoje, os principais eventos do mundo são sediados em algumas das mais bonitas e tradicionais locações ao redor do globo. No futuro? Se o plano do príncipe funcionar, as competições serão sediadas na “Neom”, uma mega cidade, criada com dinheiro do petróleo e em cima do sangue da tribo Huwaitat, que foi expulsa do local onde vivia por gerações para que o projeto pudesse ser concluído.

Se no país inteiro existem violações de direitos humanos, imagina dentro de uma cidade CRIADA pelo próprio príncipe autocrata? 

Mas calma lá, não é possível que as principais entidades do esporte estejam de acordo e permitam sediar as competições num local assim. Pois é: o presidente da FIFA, Gianni Infantino, tem uma relação próxima com o governo saudita, e já até apareceu em uma propaganda para o Ministério do Esporte do país, onde diz que “o mundo inteiro deveria vir à Arábia Saudita para acompanhar o que vem sendo feito”. 

Uma outra propaganda se aproveita do embaixador argentino, e diz: “Siga os passos do Messi e visite hoje a Arábia Saudita”.

É tudo, simples e diretamente, uma fachada. Enquanto os clubes sauditas gastam milhões e milhões em contratações escandalosas, gerando atenção e virando os olhos do mundo inteiro para o país, internamente ainda alguns clubes têm salários atrasados por mais de três meses, mostrando que o que importa é a maneira como o mundo vê o país – e não como ele realmente é lá dentro.

O futebol não pertence mais aos torcedores – talvez há muito tempo – e sim ao dinheiro. Daqui um tempo, nós torceremos apenas para times cujos donos são de outros países, e assistiremos a Copas do Mundo em lugares distantes: menos como uma celebração do futebol, e mais como uma grande fachada, comprada como uma versão moderna do “Pão e Circo” romano. Tão bárbaro quanto, mas que na época pelo menos não tentava esconder o sangue derramado.

Artigo idealizado por Rafael Uzunian e Pedro Silveira

Manchester City: da terceira divisão à Tríplice Coroa

Esse artigo foi escrito originalmente como roteiro para o vídeo acima

Nessa última temporada, o Manchester City enfim conquistou o seu tão sonhado objetivo: a Champions League. Mas antes de Pep Guardiola, de Bruyne, e Haaland, a equipe já viveu um período sombrio, onde caiu inclusive para a terceira divisão. Esse é O caminho do Manchester City à conquista da Tríplice Coroa.

O fundo do poço

Foto por Mark Thompson/Getty

Para poder contar melhor dessa conquista, eu não vou direto pro time em seu melhor momento, e sim exatamente o contrário, para contar de quando o Manchester City chegou no fundo do poço, no pior momento de sua história, lá na terceira divisão do campeonato inglês.

É verdade que o Manchester City nunca foi um colosso da Inglaterra: a equipe de Manchester havia ganhado duas vezes o campeonato do país: lá em 1936/37 e na temporada 1967/68 – mas mesmo estando bem distante dos gigantes Arsenal, Liverpool, e do rival da cidade Manchester United – não dava pra dizer que o City era um clube minúsculo e sem história, já que estava quase sempre presente na primeira divisão inglesa, e foi inclusive um dos clubes fundadores da Premier League em 1992.

Mas isso não significou presença garantida no alto escalão, e essa época foi tortuosa para os mancunians, brigando por alguns anos na parte de baixo da tabela, se segurando por uma corda cada vez mais fina, até ela arrebentar num dos momentos mais humilhantes da história do clube:

Era o último jogo da temporada 1995/96, e o Manchester City enfrentava o Liverpool, precisando vencer para se safar do rebaixamento – ou empatar e torcer para uma derrota do Southampton no outro jogo da rodada. O técnico da equipe era Alan Ball, lendário por ter sido titular na única Copa do Mundo que a Inglaterra conquistou, mas digamos que como treinador não vivia seu melhor momento.

Antes mesmo do segundo tempo, já tava 2×0 para o Liverpool. A missão seria duríssima, mas mesmo quando tudo parecia perdido, o City no final da partida desconta de pênalti e depois deixa tudo igual, faltando pouco mais de 10 minutos para ir com tudo em busca da virada e da permanência na primeirona. 

Mas não foi isso que aconteceu, e se liga na bizarrice: um torcedor ouvindo um rádio se confundiu, e passou para o treinador que o Southampton perdia e um empate bastava. Assim, o técnico pediu para sua equipe segurar o placar como podia, com direito a chutão pra isolar a bola e aquela tática de prender ela na bandeirinha de escanteio, sem tentar atacar… tudo isso quando na verdade o Southampton não estava perdendo, e o City ia sendo assim rebaixado com o empate, de maneira extremamente humilhante por conta dessa confusão.

Era pra não ter durado muito e o time logo subido, mas a verdade é que mesmo num nível inferior os problemas continuaram, e a frase “pior que tá não fica” se provou mais uma vez falsa: 

Na temporada 97/98, o City que começou favorito a vencer a divisão acabou entrando em colapso, e chegou mais uma vez na última rodada, agora contra o Queens Park Rangers, precisando vencer para se livrar de mais um descenso. 

O fundo do poço era afinal mais embaixo, porque quando o jogo tava empatado em 1×1, o volantão do City, Jamie Pollock, protagoniza um dos lances mais bisonhos do futebol: ele vai tentar interceptar uma bola, dá um chapéu lindo no adversário, e aí faz simplesmente um golaço de cabeça para encobrir o goleiro e marcar… contra. Sim, foi um golaço contra o próprio patrimônio, e depois disso o time de Manchester só conseguiu empatar em 2×2. Agora contra o QPR, o City protagonizava mais um vexame absurdo, e com esse gol contra pitoresco foi rebaixado para a 3º divisão pela primeira vez em sua história.

Como eu já havia mencionado, os times de Manchester sempre pertenceram a um patamar diferente um do outro. Mas nesse momento eles nunca estiveram tão distantes: enquanto na temporada 1998/99 o Manchester City disputava a terceira divisão inglesa, o Manchester United de Alex Ferguson simplesmente conquistava a Tríplice Coroa – ou seja, venceu a Premier League, FA Cup e a Champions League – pela primeira vez na história da Inglaterra. 

Foi para esfregar sal na ferida azul celeste, e para consolidar de vez que a cidade realmente tinha só um dono.

Mas isso só por enquanto. Porque falando em dono, os do City iriam mudar, e com a mudança o clube entraria numa nova era.

Um novo Manchester City

Foto por Shaun Botterill

O clube conseguiu se reerguer, e a partir de 2002 não saiu mais da Premier League. Ainda assim, sua história era de um clube mediano, que ora disputava no meio da tabela, ora contra o rebaixamento – esse que parecia cada vez mais perto de acontecer novamente. Em 2005/06 o clube terminou em 15º. Na temporada seguinte, em 14º.

Em 2008, o clube estava mal das pernas financeiramente, e mais próximo da ruína do que da glória. É aí que entra o Grupo Abu Dhabi, do Sheikh Mansour bin Zayed Al Nahyan, que comprou o time em Setembro daquele ano. De uma hora para outra, o Manchester City foi de quase falido para o time mais rico do planeta.

O City então quebrou o recorde inglês de transferências, e trouxe caras que seriam históricos para o clube: Vincent Kompany, Carlitos Tévez, Yaya Touré, David Silva e muitos, muitos outros, culminando na que foi a mais importante da sua história até aqui: a chegada de Sergio Agüero na temporada 2011/2012.

Essa seria a temporada de consolidação do projeto, da afirmação de que realmente um novo Manchester City estava presente. E essa proclamação veio da maneira mais satisfatória possível: 

Simplesmente na última rodada do campeonato inglês, aquela balança entre os times de Manchester se encontrava equilibrada, com as duas equipes empatadas em pontos no topo da tabela. O City de Roberto Mancini tinha a vantagem do saldo de gols, mas precisava ganhar o confronto para depender apenas de si e vencer o título inglês após 44 anos de jejum. O adversário? Queria o destino que fosse novamente o Queens Park Rangers, que era quem dessa vez brigava pra não cair.

O Manchester United havia vencido seu confronto por 1×0, enquanto o City chegava já nos acréscimos perdendo de 2×1 para o QPR, no que seria mais um vexame para botar na conta. Os torcedores já choravam nas arquibancadas.

Já nos 47 do segundo tempo, Dzeko marca de cabeça e deixa tudo igual. E dessa vez eles não acharam erroneamente que o empate bastava. Dessa vez eles foram pra cima.

E aí no que era praticamente o último lance do jogo, Agüero foi buscar a bola fora da área, fez uma tabelinha com Balotelli, e marcou o gol que sagrou o Manchester City, enfim, campeão inglês novamente. 

Eram os citizens agora esfregando o sal na ferida dos rivais, e o sinal mais claro impossível de que o projeto estava só começando, um verdadeiro ponto de virada na história do clube.

Em 2013-14, agora sob o comando de Manuel Pellegrini, o City repetia o feito, só que além da Premier League, o City tinha voltado a vencer Copa da Inglaterra depois de décadas, tinha voltado a vencer Copa da Liga, e tinha ganhado também Supercopa da Inglaterra.

Com as glórias voltando rapidamente e com tanto dinheiro investido, a Inglaterra começou a parecer pouco pra eles. Devagarinho, as ambições foram crescendo e mudando rapidamente para o sucesso continental. Começava ali a busca pela nunca antes conquistada Champions League. Mas até esse momento, o time que brilhava no país ainda não conseguia passar das oitavas de final da maior competição da Europa.

E mesmo com adições de jogadores importantes como o volante Fernandinho, o ponta Sterling, e o meia Kevin de Bruyne, e com o City chegando o mais longe que já tinha chegado na competição, acabou sendo eliminado nas semis da temporada 15/16 para o Real Madrid. 

Essa seria a última temporada de Pellegrini, que no começo de 2016 já tinha seu substituto anunciado: o lendário treinador Pep Guardiola.

Josep Guardiola i Sala

Foto por David Ramos

O Guardiola é um cara que mesmo antes de ser treinador já tinha uma história marcante com a Liga dos Campeões: cria da base do Barcelona e super identificado com o clube catalão, vestia o número 10 da equipe que, sob o comando do gênio Johan Cruyff, venceu a orelhuda pela primeira vez na história do clube em 1992.

Ele vence muita coisa, roda o mundo, se aposenta, e aí volta para o Barça para ser treinador do time B, até que na temporada 2008/2009 é anunciado como treinador do clube e começa sua carreira.

Essa não é a história completa do Guardiola nem daquele Barça, mas em suma, a estrela do técnico não demorou nem um pouquinho para aparecer: na sua primeira temporada como treinador de futebol, ele conquista a Tríplice Coroa com o Barcelona – se tornando o técnico mais jovem a vencer a Champions League (e por consequência a Tríplice Coroa também). E em 2009 acaba completando o sêxtuplo, vencendo todos os títulos possíveis.

Na temporada 2010/11, ele vence a Champions mais uma vez, e parecia que vencer a competição seria ocorrência comum pra ele: temporada sim, temporada não, sabe? Mas não foi bem assim.

Isso porque ele vai para o Bayern de Munique em 2013, que havia acabado justamente de vencer a Tríplice Coroa com Jupp Heynckes, mas lá apesar de dominar completamente a Bundesliga, é eliminado três vezes seguidas nas semis, e sempre pros grandes espanhóis que ele supostamente conhecia tão bem. Guardiola não consegue erguer o principal título da Europa novamente. Talvez injustamente, mas começou a fama de “sem o Messi eu não consigo”.

Assim, quando em 2016 o Guardiola assumiu o comando do Manchester City, o principal objetivo de ambos estava muito claro: era hora de ganhar a Champions League.

Domínio na Inglaterra

Foto por Michael Regan

Mas a sua primeira marca no City seria outra e, antes de conquistar a Europa, ele primeiro dominou o país. Na primeira temporada ele passa em branco, tanto na liga inglesa quanto na Champions – sendo eliminado nas oitavas para o Monaco do jovem Kylian Mbappé – mas na temporada 2017/2018 ele conquista a Premier League pela primeira vez, com um time que seria a base para as próximas temporadas: caras como Ederson, John Stones, Kyle Walker, Fernandinho, Gundogan, Bernardo Silva, um jovenzinho Phil Foden, e o craque de Bruyne, que fizeram história: foram 100 pontos na liga, batendo o recorde de pontos, de vitórias, e de gols marcados, além de alguns outros.

Mas por mais que na liga tenha sido um tubarão, na Champions continuava sendo peixe pequeno: pegou o conterrâneo Liverpool nas quartas, e foi eliminado perdendo os dois jogos.

Na temporada seguinte o roteiro se repete: a Premier League foi vencida com pontuação que só não foi recorde porque eles mesmo já tinham batido antes, e dessa vez a competição foi ferrenha com o Liverpool, os superando por apenas um ponto. E na Champions, novamente eliminado para um time inglês nas quartas – agora para o Tottenham – com direito a um jogaço que foi 4×3 e ainda teve gol anulado pelo VAR nos acréscimos. Emoção pura, mas mais uma vez a orelhuda tava longe.

A temporada 19/20 contou com as chegadas importantes de João Cancelo e Rodri, mas ainda assim uma das piores do Guardiola no comando do clube: ficou em segundo no campeonato inglês, e na Champions mais um desastre: de novo nas quartas de final, agora foi eliminado pelo Lyon, colocando na cabeça de muitos que, realmente, Champions League e Manchester City não combinam.

Já em 2020/2021, o começo do campeonato foi péssimo para os azuis celestes: fizeram apenas 12 pontos em 8 jogos – seu pior começo desde 2008 – e a defesa era uma peneiraça, mesmo com a contratação do zagueiro Nathan Aké, que esteve presente em um dos maiores vexames da carreira do Guardiola: a derrota de 5×2 para o Leicester, que marcou a primeira vez na carreira do Pep em que seu time sofreu 5 gols numa partida.

Uns malucos achavam até que era hora do Guardiola sair do City, mas mesmo os mais sãos concordavam que a temporada parecia perdida. É aí que o clube contrata o zagueirão Rúben Dias, e ele muda completamente o patamar daquela temporada: até esse momento, o John Stones era visto como um defensor que até sabia sair jogando, mas cometia muitos erros e não passava segurança, sabe?

Só que com a a chegada do Dias, o Stones se transforma completamente e muda o nível defensivo da equipe da água pro vinho, formando uma das melhores duplas da Europa, com o City se recuperando de forma incrível e eventualmente levando mais uma vez a Premier League com uma boa vantagem, e dessa vez chegando na final da Champions League pela primeira vez na história do clube.

Só que mais uma vez a eliminação viria nas mãos – ou no caso nos pés – de um time inglês, dessa vez o Chelsea. Acontece que o City já tinha perdido duas vezes para o time londrino ainda naquele ano: quando foi eliminado da FA Cup e pelo campeonato inglês no mesmo mês da final.

O time vinha funcionando bem com Rodri de primeiro volante e Gundogan como um jogador que chegava mais na frente, mas para essa final o Guardiola resolveu mudar as coisas para ver se conseguia bater o carrasco: ele saca Rodri do time e joga sem um primeiro volante de origem, com o Gundogan mesmo fazendo essa função, mais recuado.

Pra muitos, esse foi um dos grandes erros do treinador em sua carreira, e o único gol da partida, de Kai Havertz, vem justamente de um passe para um buraco deixado no meio-campo: onde provavelmente um volante como o Rodri estaria posicionado.

De Bruyne sai lesionado no segundo tempo, o City não consegue buscar o empate, e assim vê o título escapar mais uma vez.

Pra temporada 21/22, o grande reforço foi o também mais caro da história do clube: Jack Grealish, que por 100 milhões de libras não correspondeu imediatamente ao absurdo valor pago, e nessa época já ia muito sendo chamado de bagre pelo que não tava jogando.

No ataque, mais uma tacada de mestre do Guardiola: sem um 9, com Jesus reserva e entrando mais pela direita, ele alterna vários jogadores como Foden, de Bruyne e Bernardo Silva como “falso 9”, e volta a fazer sua equipe ser uma máquina.

E o roteiro das últimas temporadas parecia se repetir: na Premier League, fez mais uma campanha incrível, e de novo brigou até o finalzinho com o Liverpool, vencendo o último jogo de virada por conta da estrela do Gundogan, que adora brilhar na reta final da temporada, e garantindo a taça mais uma vez.

E na Champions, a impressão que dava era que o problema era maior que tático, que técnico, e sim algo psicológico ali naquele elenco. O time chegou às semifinais contra o Real Madrid e venceu o primeiro jogo num jogaço por 4×3. O jogo de volta tava 1×0 e dava a classificação para o time de Manchester até os 45 do segundo tempo, quando brilha a estrela do Rodrygo, que marca dois gols e leva o jogo para a prorrogação, quando Benzema faz o seu e decreta mais uma eliminação dos citizens.

“A camisa pesa” é uma frase que só é utilizada quando convém, mas que coube muito bem nessa ocasião. Afinal o City dominou, ia vencendo até o final da partida, mas não conseguiu ter a cabeça para segurar aquele jogo e sair com a classificação. E não tinha como não olhar para o retrospecto: o Real é o maior vencedor da história da competição, com vários caras no elenco que já tinham ganhado uma penca de vezes, enquanto o Manchester City nunca ganhou e nem tinha ninguém no elenco que havia vencido. Na verdade, tinha só um jogador: o goleirão reserva Scott Carson, que ganhou a UCL lá em 2005, sendo também reserva do Liverpool na ocasião. 

Era muita casca contra zero casca, e o City chegava e chegava perto, e ainda assim parecia muito distante.

Isso até a temporada 2022/2023.

A temporada 22/23

Foto por Shaun Botterill

O começo de temporada foi agitado no quesito transferências, com alguns caras importantes nas últimas temporadas de saída – caso de Sterling, Gabriel Jesus e o lateral esquerdo muitas vezes titular, Zinchenko – e as chegadas de reforços como Julian Alvarez, o zagueiro Manuel Akanji vindo do Borussia Dortmund, e a grande contratação da temporada – e não só do time tá – Erling Haaland. E dependendo do que ele ainda aprontar no clube não é difícil que ela entre como uma das maiores contratações da história do futebol.

Pro começo da temporada, a escalação era a seguinte: Ederson no gol, Kyle Walker na lateral direita, Ruben Dias e Aké na zaga, e João Cancelo na lateral esquerda – ele que fazia uma função bem específica de “lateral invertido”, e era um dos destaques da equipe. No meio Rodri cabeça de área, com de Bruyne e Bernardo Silva mais à frente, enquanto Mahrez era o ponta-direita, Grealish na esquerda e Haaland como o centroavante matador da equipe.

Se antes a equipe já era uma máquina mas faltava aquele homem-gol, agora tinha o “Exterminador” Haaland que prometia uma centena deles. Mas o começo não foi bom pro time, e os citizens começam perdendo o Community Shield para o Liverpool. 

Pra começar então a Premier League, o capitão Gundogan voltou à escalação titular no meio campo, com o Bernardo Silva eventualmente deslocado para a ponta-direita. A ideia do Guardiola era ter controle, e pontas como Grealish e Bernardo oferecem exatamente isso: a capacidade de segurar a bola e controlar mais o jogo, sem ter aquele jogador mais incisivo como o próprio Mahrez.

E o começo de liga inglesa foi bom, mas não foi espetacular. Mas quem tava espetacular era o Arsenal de Mikel Arteta, que com os ex-City Zinchenko e Jesus, além de Saka, Martinelli, Odegaard e cia encantou o mundo do futebol e liderava a Premier League por 5 pontos até a parada para a Copa do Mundo.

A volta da Copa teria o jovem reforço Julian Alvarez agora como campeão do mundo, mas nem isso adiantou. O começo de 2023 já mostrava um grande problema na equipe: Cancelo caiu muito de rendimento e perdeu espaço, virando reserva e sendo eventualmente emprestado para o Bayern de Munique. Um pouco antes disso, com o jovem Sergio Gomez na lateral esquerda, o City foi derrotado pelo Southampton e eliminado da Copa da Liga. A lateral era, mais uma vez, um grande ponto de interrogação dessa equipe.

E mesmo o Haaland metendo gol a rodo, fazendo da liga inglesa o parquinho de diversões dele, o City que alternava entre jogadores e formações – chegando a usar o bom cria da base Rico Lewis na lateral esquerda – não tava conseguindo se achar. 

E assim, perdeu jogos importantes: para o Manchester United – esse com gol extremamente polêmico – e para o Tottenham, e chegou em Março a estar a 8 pontos atrás do líder Arsenal na tabela.

Mais uma vez o time não se encaixava, e a temporada parecia perdida. E dessa vez não eram só os críticos: até o próprio Pep havia jogado a toalha:

“Não me importam a Premier League ou a Copa da Liga Inglesa. Nós não podemos vencer. Já ganhamos muito, portanto não é um problema.”

Mas se na liga não dava, na Champions League tava tudo em aberto. O City havia vencido seu grupo com Sevilla, Copenhagen e Borussia Dortmund, e aí no primeiro jogo das oitavas empatou em 1×1 com o RB Leipzig.

O jogo de volta era justamente nesse mês conturbado de Março, e acredite se quiser, existia uma certa desconfiança para com essa equipe. Mas seria justamente esse o jogo que viraria a chavinha da temporada, e que mostrava que essa versão do City não só não era fraca, como era uma das melhores.

Foi nessa partida onde a equipe titular dessa campanha e a maneira como ela jogaria foi encontrada. Para explicar é um pouco complicado, porque o time joga de fato com duas formações diferentes: um 4-1-4-1 ou até 4-4-2 quando defende, e uma espécie de 3-5-2 quando ataca. 

Defendendo, os zagueiros Akanji e Aké funcionam como laterais, enquanto Ruben Dias e Stones compõe a zaga, com Rodri, Gundogan e De Bruyne como os meio-campistas como sempre. Já atacando, Akanji e Aké compõe a zaga que tem Dias centralizado, enquanto o John Stones se torna um volante ao lado do Rodri. E como o City controla a posse e está sempre atacando, ele acaba sendo volante na maior parte do tempo.

Essa foi mais uma sacada que trouxe outra evolução pro Stones, que se tornou sua melhor versão como “zaguelante”: sólido na zaga, e como volante ajudando a equipe a recuperar a bola mais rápido no campo de ataque, além de ser também um construtor de jogadas pelo meio, se desvencilhando sempre muito bem da marcação.

Todo esse contexto explica o massacre que foi o jogo contra o Leipzig: 7×0 pra cima dos alemães, incluindo simplesmente cinco gols do craque Haaland, que já na sua primeira temporada no City empatou o recorde de mais gols marcados em uma partida de Champions –  com Luiz Adriano e Messi. 

Depois desse time arrumado e implacável, a única crítica a ser feita ao Guardiola é ter tirado o Haaland de campo antes dele marcar mais gols e quebrar o recorde. Mas era a única mesmo: se antes havia dúvidas da “pipocagem” desse time na UCL, ele era agora um dos favoritos para a orelhuda.

O próximo adversário veio no melhor momento possível: o Bayern de Munique, que tinha acabado de demitir o treinador Julian Nagelsmann, que não só tava invicto na Champions como havia vencido todos os jogos até então. Mas com essa mudança brusca, e com Tuchel no comando, o City que não tinha nada que ver com isso foi pra cima e aplicou mais uma sapatada: Rodri abre o placar num golaço absurdo, finesse shot purinho de perna esquerda, Bernardo Silva ampliou de cabeça depois de um erro do Upamecano, e como não podia faltar o dele, Erling fechou a conta: 3×0. 

No jogo de volta, 1×1, e o City classificado para as semis mais uma vez. E mais uma vez, pegaria o gigantesco e atual campeão Real Madrid.

Só que antes de falar desse jogo, lembra da Premier League que “já estava perdida”? Pois é, o mês de Abril mudou tudo isso: o Manchester City foi tubarão, ganhando e ganhando só esperando o Arsenal vacilar, e vacilou: três empates seguidos, e enfrentava agora o próprio tubarão.

O City tava numa fase voraz, feroz, sentindo o cheiro de sangue do Arsenal pra atacar. E atacou. Num jogo de “inversão de papéis”, o artilheiro Haaland foi garçom para dois gols do de Bruyne, marcou o dele, e com o 4×1 assumiu, enfim, a liderança do Campeonato Inglês, que agora depois da pipocada londrina parecia muito difícil de sair das mãos do tubarão.

O primeiro jogo das semis contra o Real Madrid acabou em 1×1, num jogo curioso onde o Pep decidiu não fazer nenhuma substituição. Mas o de volta foi muito diferente: um domínio absoluto do City pra cima do Real, que não viu a cor da bola, com dois do Bernardo Silva e um 4×0 controlando o jogo até o finalzinho da partida, sem nem sofrer alguma pressão – e sem milagre do Rodrygo. É, dessa vez a camisa não pesou.

A Tríplice Coroa

Foto por Anadolu Agency

A reta final de temporada foi então histórica para o Manchester City. Na liga não precisou de muito para se sagrar campeão, já que com mais um tropeço do Arsenal, os Citizens foram campeões da Premier League pelo terceiro ano seguido. Em 7 temporadas, Guardiola ganhava o seu 5º título de campeonato inglês. Um já foi.

Eu não havia mencionado ela até aqui, mas o City também vinha fazendo uma ótima campanha na FA Cup, no caminho goleando o Chelsea por 4×0 com um time bem misto, vencendo o freguês Arsenal que na época ainda era o líder da liga né, e aí ganhando com propriedade do Bristol City, amassando o Burnley por 6×0, e vencendo o Sheffield United nas semis por 3×0, com hat-trick do Mahrez, para avançar para a final.  

E logo antes da Champions, ela seria justamente contra o rival Manchester United. Aquela disparidade de antigamente já não existia mais, e o favorito time azul venceu por 2×1, com dois gols do ultra decisivo Gundogan, que adora brilhar na reta final da temporada e levantou mais uma taça com os azuis celestes. Faltava um só.

Chega então no dia 10 de Junho a derradeira final da Champions League, o troféu mais desejado pelo clube já por mais de uma década. Em Istambul, o City enfrentava a Inter de Milão, que vinha com um Lautaro Martínez jogando muita bola: e mais uma vez, jogavam com o “peso da camisa” contra os zerados citizens.

Alguns poderiam achar que seria um passeio, mas o jogo foi extremamente disputado – daquele jeito meio “sem graça” que todas as últimas finais de Champions foram. Mas no primeiro tempo um desfalque preocupou demais: mais uma vez De Bruyne se machuca e acaba saindo em uma final de Champions. 

Só que dessa vez o Guardiola “aprendeu”. Sua escalação não teve mudanças inesperadas, e ele manteve aquilo que estava funcionando. Dessa vez, Rodri em campo se mostrou essencial mais uma vez, e marcou o gol da partida com uma bonita chapada. Parecia o destino que fosse ele a abrir o placar, né?

O jogo teve ainda o Lukaku perdendo chance clara e o Ederson salvando a equipe em mais de uma ocasião, inclusive no último lance da partida. Apita o árbitro, e é êxtase total para aquela equipe, com os reservas correndo para abraçar os jogadores no gramado, porque o Manchester City é, enfim, campeão da Champions League pela primeira vez em sua história.

“Estava escrito nas estrelas. Ela pertence a nós”. – Pep Guardiola

Gundogan ergue então sua última taça como capitão do City – e sem dúvidas a mais importante delas, no que foi também sua despedida do clube. Agora sim, oficialmente, é festa em Manchester, e o elenco foi junto na empolgação das comemorações: em especial Jack Grealish, que teve seu “arco de redenção” completo, indo de criticado para estrela da celebração, bebendo toda a bebida de Manchester e sendo um baita personagem.

O destaque é sem dúvida coletivo, mas além de de Bruyne, Bernardo Silva, Rodri e Gundogan, não tem como não dar uma atenção especial pro craque Erling Haaland, que já na sua primeira temporada no clube inglês quebrou o recorde marcando 36 gols na Premier League, e de quebra foi também o artilheiro da UCL com 12. 

Finalmente o Guardiola voltava a ganhar uma Champions, e com essas três conquistas, vence mais uma Tríplice Coroa na carreira, se tornando o único treinador a vencer duas vezes a Tríplice Coroa na Europa.

A piadinha do “sem o Messi eu não consigo” não existe mais, e os títulos e a maneira como a temporada se desenrolou só reforçam ainda mais o patamar que esse cara está. Muitos técnicos são lembrados pelo número gigante de títulos, como Sir Alex Ferguson, Mourinho, e Ancelotti; Outros, pela influência no esporte: como Rinus Michels, Cruyff, e Bielsa.

E tem o Pep Guardiola, com por enquanto 35 títulos como treinador – e que vai muito provavelmente se tornar o treinador com mais títulos na carreira -, além de também mesmo antes de encerrar a carreira ter uma baita influência como um “gênio tático”, indo desde ao uso do falso 9 até a transformar jogadores e mudar suas posições, como o último sucesso que é John Stones de volante. 

O projeto do Abu Dhabi United Group do Sheikh Mansour foi brilhantemente coroado com essa tripleta, e foi a cereja no topo do bolo que é o sucesso imenso desse clube, que por mais que a gente faça zoações e brincadeiras, foi de pequeno para um dos gigantes do esporte, e de desconhecido para possuir fãs ao redor do mundo inteiro. O City Football Group também possui outros times como o Girona, Palermo, Bahia e vários outros, e pode ter certeza que essa receita de sucesso vai passar a ser seguida por eles também. 

Afinal, qual é o patamar desse projeto? Quando a gente pensa em “Times Imortais”, nas melhores equipes que já pisaram num gramado, vem à mente o Manchester United do Sir Alex Ferguson, o Arsenal invencível do Wenger, o próprio Barcelona do Guardiola, o Milan dos Holandeses, o Real Madrid do Zidane, O esquadrão do Brasil de 70, a Espanha do Tiki-Taka. E hoje, “oficialmente”, o Manchester City de Pep Guardiola

Quando o City fracassava na Champions, a desculpa era a inexperiência na competição: afinal só um jogador do elenco, reservaço, havia vencido a taça. 

Hoje, todos esses caras têm a taça no currículo. 

E agora, quem para o Manchester City?

Euro d’Or – Maio-Junho/23

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Ilkay Gündogan foi eleito por Euro Fut e convidados como o 𝗠𝗘𝗟𝗛𝗢𝗥 𝗝𝗢𝗚𝗔𝗗𝗢𝗥 𝗗𝗢 𝗠𝗨𝗡𝗗𝗢 entre o mês de maio até a final da Champions em 10 de junho!

Todos os votos e votantes podem ser conferidos abaixo:

O caminho do Napoli para o TRI da Série A italiana!

A cidade de Nápoles está em êxtase depois da conquista do título da Série A do time que representa a cidade. Mas essa história nem sempre foi feliz, e tem um caminho muito tortuoso até chegar lá: do começo ruim, ao auge com Maradona, e para o fundo do poço novamente, esse é O Caminho do Napoli até ao Tricampeonato do Scudetto.

il Napoli

Foto por Andreas SOLARO / AFP

Para falar dessa conquista, a gente tem que contar um pouco da história e da jornada do clube ao longo dos anos, o que só vai realçar a importância do título.

A Società Sportiva Calcio Napoli foi fundada em 1926, da junção de dois clubes mais antigos da cidade de Nápoles. 

O clube nunca foi um dos grandes do país, muito também pela maneira como a liga era dividida antigamente: entre a região norte – mais rica e com as melhores equipes – e a sul, onde fica a cidade napolitana.

Com a unificação da Série A, o domínio dos clubes da região norte – Juventus, Torino, Inter de Milão e Milan como os principais – se mostrou imperativo, e o Napoli era mais um dos clubes sulistas com desempenho sempre medíocre ou ruim, sendo rebaixado para a segunda divisão algumas vezes. 

Até por isso, seu primeiro título nacional de relevância veio apenas em 1962, uma Copa da Itália, demorando depois mais de uma década para ganhar a taça outra vez. Mesmo as vezes terminando alto na tabela e disputando até competições europeias, como as extintas Taça das Feiras e a Copa dos Campeões de Copas, ainda era, somente, um clube mediano na Itália, no máximo.

Tudo isso mudaria no ano de 1984, quando o Napoli pega um empréstimo, faz uma gambiarra administrativa e quebra o recorde de transferências, contratatando por 12 milhões de euros um craque argentino do Barcelona: Diego Armando Maradona.

Don Diego

Foto: Bob Thomas/Getty

Na antecipação para a contratação, rumores circulavam sobre a vinda do argentino para Nápoles. Antes das redes sociais, as conversas ecoavam nos locais de trabalho, nas casas e nos bares napolitanos. Mas muitos custavam à acreditar: “Por que um dos grandes craques do futebol viria para nosso humilde clube?”.

Mas ele chegou, pro êxtase total na cidade e Estádio San Paolo lotado para recepcionar o gênio. E o motivo ficou aparente, já que Nápoles e Maradona, afinal, combinavam perfeitamente.

Isso porque, mesmo sendo craque, Diego era visto com maus olhos por muitos na Europa. Sua carreira foi marcada por polêmicas – dentro de campo e fora -, e no Barcelona não foi diferente: contra o Athletic Bilbao, o argentino sofreu uma entrada horrorosa de Andoni Goikoetxea, que o tirou dos gramados por alguns meses. Quando o enfrentou novamente um tempo depois, Maradona revidou, dando uma joelhada brutal pra cima de um jogador do Bilbao, culminando numa das maiores brigas que o campeonato já viu. 

Mas isso não foi visto como uma revanche, e sim como um sul-americano briguento que não sabia se comportar. Assim, sua hora em Barcelona chegou ao fim, e sem mais clima ele comprou a briga e foi para o pequeno Napoli, que tem uma história parecida.

A diferença norte e sul na Itália vai além daquela antiga divisão do campeonato, e marca um longo preconceito que existe entre os nortenhos – de maneira geral uma região mais desenvolvida – com os sulistas, historicamente mais precários. Assim, não é incomum você ouvir os torcedores rivais menosprezando e sendo preconceituosos com Nápoles e seu time, que é a grande representação do sul do país no futebol. Do mesmo jeito que o Napoli escutava e ainda escuta gritos de preconceito vindo das arquibancadas, com Maradona era a mesma coisa.

A identificação com o craque – que sofria dos mesmos problemas – não demorou a acontecer, e o resto foi mágico. Ou, no caso, Mágica.

A era Mágica

Foto: Tiziani Fabi

Essa era do futebol italiano foi pautada por um campeonato extremamente disputado. Antes da Lei Bosman e dos times mais ricos colecionando os melhores jogadores do mundo, era mais comum que diversos clubes tivessem ali o seu craque e tudo fosse um pouco mais equilibrado.

Então naquela década a Juventus teve o Platini, a Inter o Rummenigge, a Roma tinha Paulo Roberto Falcão, a Fiorentina tinha o Baggio e por aí vai. Até times mais fracos, como por exemplo a Udinese, teve o Zico por alguns anos.

Com Maradona, o Napoli trocou de patamar e agora brigava então com os demais, e a glória maior veio na temporada 1986/87: com o gênio dando show, o time napolitano voa no campeonato e consegue a dobradinha, vencendo mais uma vez a Copa da Itália e agora a Série A Italiana pela primeira vez em sua história.

Isso basicamente logo na temporada após Diego vencer a Copa do Mundo pela Argentina, então não tinha como não dizer que Napoli tinha o melhor do mundo em seu elenco.

E lá ele não jogou sozinho não, fazendo parte de um trio que foi mágica: Maradona, Bruno Giordano e Careca: literalmente o trio MaGiCa.

Na temporada 1988/89 veio a primeira conquista internacional do clube: a Copa UEFA, hoje considerada a Europa League, derrotando gigantes como a Juventus e o Bayern de Munique para se sagrar campeão, sempre claro com performances de gênio do craque argentino.

E foi em 1990 que veio o último título napolitano de Maradona: mais uma vez sendo artilheiro da equipe, levou o Napoli à conquista da Série A Italiana por outra vez. Se antes já estava muito claro que Diego era o maior ídolo da história do clube, agora era diferente: era o Rei de Nápoles. 

A despedida e o marasmo

Foto: Marco Cantille

Mas nem tudo são flores, e isso é especialmente verdade quando se fala do camisa 10. Seu final no clube foi extremamente decepcionante: pego no doping por uso de cocaína, Maradona acabou suspenso do futebol por quinze meses, sem voltar para o clube após esse período e se despedindo sem festa ou louros.

Mesmo assim, não deixou de ser o ídolo máximo do clube e da cidade, com estátuas e murais por toda Nápoles, fazendo muitos napolitanos virarem torcedores da Argentina, tendo diversos bebês nascendo com o nome de Diego, e tendo o estádio San Paolo, o mesmo que um dia ele lotou em sua apresentação, ser renomeado em sua homenagem.  

Assim como o sorvete, a história napolitana de hoje tem três camadas, mas a do meio não é nada doce.

O Napoli não conseguiu substituir o seu melhor jogador, o período acirrado da Série A acabou, e agora a liga italiana passou a viver um momento de domínios: o Milan dos Holandesesvan Basten, Gullit e Rijkaard – venceu a liga três vezes seguidas, ao todo ganhando cinco vezes na década de 90, enquanto a Juventus venceu três vezes nesse mesmo período. E o Napoli, nada.

Começou um século novo, e depois de uma pequena disputa a Internazionale engrena cinco títulos seguidos, no que depois vira a vez da Juventus fazer o mesmo e ganhar um atrás do outro. E o Napoli, nada.

Quanto mais o tempo passava e mais o time aumentava seu jejum, mais o Maradona se tornava uma figura monumental para a cidade por aquelas conquistas. A seca pós-Maradona fez o seu legado ficar ainda maior. E esse começo de século foi de mal a horrível para o Napoli, até a chegada de um cineasta que resolveu transformar o clube em história de cinema.

De Laurentiis

Foto por Marco Cantille

Isso porque a gente falou do período no marasmo, mas não vencer títulos foi o menor dos problemas napolitanos: além do jejum, o clube foi rebaixado no final dos anos 90, e começou o século XX amargando na segunda divisão.

E fica pior: além de estar mal dentro do campo, fora também acumulava dívidas e demais problemas financeiros, e assim teve que declarar falência e acabou caindo para a Série C do Calcio.

O que poderia ser uma tragédia se transformou com a chegada do produtor de cinema Aurelio De Laurentiis. Ele conta que estava gravando um filme com alguns astros como a Gwyneth Paltrow, Jude Law e Angelina Jolie, quando foi passar férias na Itália, soube da situação do Napoli e resolveu comprar o clube em 2004.

Quando eu perguntei, ‘cadê os jogadores?’ Eles me responderam: Senhor De Laurentiis, os jogadores não existem.

Ele foi do céu ao inferno, de gravar com a Angelina Jolie para comandar um time da terceira divisão italiana sem jogadores, e assim mesmo começou a reconstruir o time, o levando novamente à primeira divisão e voltando ao patamar anterior: brigando com os gigantes. 

Sarriball

Foto: Marco Canoniero

O clube napolitano viveu momentos agridoces depois disso. Quando achava um novo craque, quem sabe um sucessor do Maradona depois de tanto tempo, ele não durava muito no clube: o Cavani por exemplo brilhou mas ficou pouco tempo e saiu para o PSG. Depois veio o Higuaín, contratação badalada por vir do Real Madrid e que chegou a meter 36 gols na liga em sua última temporada, até sair para a rival Juventus e virar persona non grata em Nápoles.

Depois de tudo isso, um técnico com uma carreira inusitada deu um sopro de uma nova vida para o clube sulista: Maurizio Sarri. 

O Sarri é um treinador pouco convencional: em vez do caminho comum, o italiano era apenas jogador amador de futebol, trabalhando mesmo como banqueiro antes de começar uma carreira bem sucedida de treinador e chegar ao Napoli em 2015.

E foi na temporada 2017/2018 onde o bicho pegou, com um time que tinha como principais peças o zagueirão Kalidou Koulibaly, um incrível meio-campo com Jorginho, Allan e Hamsik, e na frente dois caras históricos do clube: Dries Mertens e Lorenzo Insigne.

O principal era como esse time jogava: pressionando o tempo inteiro, controlando o jogo e com troca de passes, envolvendo os adversários. Com isso, fez uma temporada de campeão, conquistando incríveis 91 pontos na liga… e ficando atrás da Juventus, com 95. Foi a melhor campanha do Napoli na história, e seria temporada de campeão na maioria dos outros anos, mas não conseguiu impedir a Velha Senhora de emplacar 8 campeonatos seguidos. A era dos domínios ainda não tinha acabado.

Mas a desse Napoli sim: Sarri e Jorginho saem para o Chelsea, e ao longo dos próximos anos esse time vai terminando de se desfazer, com quase todas as peças indo para outros clubes. E pra pôr lenha na fogueira, mais um “traidor”: Sarri acaba depois comandando a Juventus, e lá vence a Série A Italiana com o clube, justamente o nono troféu de Série A seguido. E o Napoli, nada.

A sina partenopei não parecia ter fim, e completava 30 anos do último título italiano. Mas o sabor amargo tinha terminado, e a história napolitana enfim teria um gostinho de chocolate.

Um novo Napoli

Foto por Jonathan Moscrop

Durante a dinastia, a Juventus tinha contratado Cristiano Ronaldo para brigar pela Champions e se isolar ainda mais na Série A, mas os planos não funcionaram como o esperado e o domínio foi quebrado pela Inter de Milão de Lautaro e Lukaku na temporada 20/21. E aí o campeonato voltou a ser disputado como não era há muito tempo, com o Milan depois vencendo em 21/22 com a estrela de Rafael Leão.

Agora no comando da equipe, o Napoli tem Luciano Spalletti, um técnico que obteve louros com a Roma no passado, mas que não vinha tendo sucesso já há um bom tempinho. 

Inclusive em determinado momento ele teve seu carro roubado, e os supostos ladrões exibiram uma faixa dizendo que “se você for embora do Napoli, a gente devolve o seu carro”. Pode ter sido uma brincadeira, mas a verdade é que eles queriam ele longe do clube.

E para a temporada 22/23, mais remanescentes deixavam Nápoles: o maior artilheiro da história do clube, Mertens não teve seu contrato renovado e saiu de graça, enquanto Insigne, cria do clube e da região, não renovou e também foi embora. Além deles, Fabián Ruiz saiu para o PSG, enquanto o zagueirão Koulibaly foi vendido para o Chelsea, gerando algumas lacunas na equipe.

Mas o presidente de Laurentiis viu de outra forma:

Nos últimos anos, alguns jogadores estavam mimados, sem entusiasmo, (…) a gente erra achando que pode comprar um grande jogador e resolver todos os problemas, mas não, os problemas você só resolve com um time de verdade.

As reposições foram vistas como providenciais, mas nada demais. Hoje vemos com outros olhos: chegou o zagueiro Kim Min-Jae vindo do Fenerbahce, o volante Anguissa do Fulham, e um dos grandes trunfos dessa equipe: o ponta desconhecido Khvicha Kvaratskhelia que jogava no Dinamo Batumi da Geórgia. 

Foto por SSC Napoli

Assim, dá pra estabelecer o time base dessa campanha: o 4-3-3 de Spalletti tem no gol Alex Meret; a defesa é composta pelo lateral direito e capitão Giovanni di Lorenzo, com o sul-coreano Kim Min-Jae comandando a zaga que tem também Amir Rrahmani, acompanhado de Mário Rui na lateral esquerda.

O tridente de meio-campo tem Lobotka e Anguissa com Zielinski mais à frente – ele que tá sempre entrando na área – enquanto a ponta direita é a única sem um titular absoluto, com o mexicano Hirving Lozano e o italiano Politano se revezando na posição. Já a ponta-esquerda tem dono sim: Kvaratskhelia, o Kvara, que forma uma dupla incrível com o centroavante matador da equipe, Victor Osimhen.

Podem não ser 11 reservas do mesmo nível, mas alguns jogadores também foram importantes vindo do banco: o lateral esquerdo Mathías Olivera, o meia Elmas, o zagueiro Juan Jesus, o meio-campista Ndombele e os atacantes Raspadori e Giovanni Simeone. 

O início arrasador

Foto por Alessandro Sabbattini

O primeiro jogo já seria um desafio: fora de casa contra o Hellas Verona. Pode não parecer grande coisa, mas a rivalidade dos dois é muito forte na Itália pelo quesito fora de campo, pautado pelo desdenho de alguns torcedores do Verona, um time do Norte, contra Nápoles: em certa ocasião, a organizada exibiu uma faixa com dizeres como “Forza Vesúvio”, torcendo para que o vulcão, localizado em Nápoles, entrasse em erupção. Sim, chega a ser nesse nível.

Mas o começo do Napoli nessa temporada foi arrasador e já serviu de indicativo do que viria pela frente: um 5×2 pra cima do Verona, seguido de um 4×0 pra cima do Monza. Muito por causa de Osimhen e Kvara, gols não faltavam em Nápoles.

O partenopei empata os próximos dois, mas depois disso embala simplesmente 11 vitórias seguidas, incluindo sucessos contra Lazio, Milan, Roma e um emblemático 4×0 contra o Sassuolo, com gol do georgiano e hat-trick do Osimhen pra ficar de bom tamanho. 

O campeonato iria parar por quase dois meses por conta da Copa do Mundo, e nesse momento o clube vivia simplesmente 15 jogos de invencibilidade na Série A, o que colocava o Napoli tranquilamente na liderança do campeonato, com alguma folguinha, sem saber o que é perder.

Só que isso não era novidade. O Napoli de Sarri já tinha encantado e dado esperanças, que no final foram falsas, pro torcedor. E o próprio Napoli de Spalletti, na temporada anterior, tinha começado com 10 vitórias nos primeiros 11 jogos, assumindo a liderança naquele início. Mas a história se repetia sempre: o time perdia o gás e eventualmente o título.

Só que em 2022/23 seria diferente. E com a pausa pra Copa na temporada, a gente pausa pra falar mais dos grandes astros desse time:

O primeiro é o cara que encantou por mais ter o estilo do Maradona:  Kvicha Kvaratskhelia. 

Eu cheguei a mencionar que ele era desconhecido e jogava na Geórgia, mas a verdade é que essa história é um pouco mais complicada: o Kvara se destacou no Rubin Kazan da Rússia por alguns anos, chamando a atenção de grandes clubes, mas mesmo assim nenhum deles queria pagar o valor de 20 milhões de euros – uma pechincha, vamo combinar – pedido pelo clube pelo georgiano. E segundo seu empresário, era justamente por sua nacionalidade:

Eles não tinham segurança de pagar este valor por um jogador que vem de um país pequeno. Ele não vem do Brasil.

É aí que começa a guerra entre Rússia e Ucrânia, e por conta do conflito diversos estrangeiros jogando nos países puderam rescindir seus contratos: ele assim sai para o Dinamo Batumi de seu país, mas claramente de maneira provisória mesmo, e pouco tempo depois é comprado pelo Napoli por 10 milhões – uma pechincha maior ainda.

Antes mesmo de estrear ele já tinha a cara do clube: afinal, era um jogador menosprezado por conta de onde havia nascido. Quando jogou então, mostrou uma habilidade que lembrou demais a do gênio Maradona, com dribles e golaços. A comparação não demorou a ser feita, e o início meteórico de Kvaratskhelia acabou rendendo o apelido merecido de Kvaradona. 

Mas talvez o grande herói, o cara que representou como ninguém o que é ser Napoli, seja o herói que é mascarado, mas não é nem o Zorro nem o Batman: o nigeriano Victor Osimhen se destacou no Lille e assim chegou à Nápoles na temporada 2020/21, mas seu começo foi marcado por lesões, a mais grave delas quando ele se choca com o zagueiro Skriniar da Inter, fraturando o rosto e passando por cirurgia, colocando seis placas e dezoito parafusos na face! 

Depois de alguns meses fora, ele volta então usando uma máscara de proteção, essa que usa até hoje mesmo sem precisar: pode ser por precaução mesmo – afinal a lesão foi gravíssima – ou até mesmo como amuleto da sorte, já que começou essa temporada voando, sendo o artilheiro do campeonato. Se tá dando certo, fica com a máscara, né?

Sem contar que Osimhen também passou por tudo aquilo que Maradona passava, e talvez até pior: além do preconceito na Itália contra os jogadores do Sul do país e com os Sul-americanos, o mesmo acontece com jogadores africanos e negros em geral, e Osimhen constantemente ouve vaias e gritos racistas vindo de torcidas adversárias.

Enfim, a cidade parecia haver achado os sucessores espirituais do Rei de Nápoles: um menosprezado e habilidoso como ele, e um que passou por um perrengue, luta contra o preconceito, mete gol a rodo e veste uma máscara “de Zorro”. Na mitologia do personagem, sabe qual o nome do Zorro? “Don Diego”. Parecia o destino.

Altos e Baixos

Foto por Jonathan Moscrop

Mas ser um time invencível é uma tarefa pra poucos, quase impossível, e é nesse momento que veio o primeiro revés da temporada: a volta da Copa não foi boa para o Napoli, e seu primeiro confronto foi uma derrota para a Inter de Milão, que marcava o fim da invencibilidade e o começo de um gigante ponto de interrogação: será que o time perderia mais uma oportunidade?

Até porque isso aconteceu outras vezes: o Napoli encantava com jogadores craques e um futebol envolvente, pra chegar na hora H e vacilar para uma Juventus simplesmente implacável. E apenas dois jogos depois dessa derrota, o Napoli encarava justamente a Velha Senhora. 

Uma vitória da zebra seria o encurtamento da distância pro líder e deixaria a ultrapassagem iminente. Certamente muitos torcedores já começavam a ter calafrios ao lembrar das temporadas anteriores. E o pior, a Juventus chegava pra esse jogo com oito jogos seguidos sem sofrer gol. Uma defesa quase intransponível. Seria o duelo contra a Juventus um choque de realidade? A hora de dar adeus ao sonho?

Mas esse Napoli tinha algo diferente, mais precisamente dois algos: os azzurri começam com fogo no pé, com o Osimhen abrindo o placar de cabeça num rebote em um voleio do Kvara, e ainda no primeiro temporada é agora o nigeriano que serve o georgiano, que bate colocado e amplia.

O Di María desconta pra Juve, mas o resto é um atropelo: Rrahmani marca o seu, Kvara dá uma assistência absurda – telegrafada – pro Osimhen fazer o doblete, e Di Lorenzo fecha a conta: 5×1, o líder se impõe e abre 9 pontos de vantagem no topo.

Ainda tinha mais da metade do campeonato, mas não parecia que teria nenhum adversário à altura da campanha napolitana. O futebol do Napoli não era só bonito e envolvente, ofensivo e eficiente. Era um futebol vencedor. Talvez aqueles pequenos detalhes que impediram o Sarriball de fazer história por lá, não impediriam Spalletti. A vitória acachapante contra a Juventus foi aquele ponto de virada numa temporada em que um time sob desconfiança passa a ser visto como favorito.

Essa vitória ajudou o time a engrenar outro momento de vitórias, incluindo um 2×1 pra cima da Roma – com golaço de cinema do Osimhen em assistência do Kvaratskhelia. Aliás, Osimhen nesse jogo foi substituído e do banco estava absolutamente possuído, vivendo intensamente cada gota de tensão do fim da partida, celebrando a cada lance, pirando depois do apito final, gritando, berrando e liderando as comemorações pós-vitória.

Esse cara incorporou completamente o espírito do Napoli.

Essa sequência resultou em 8 vitórias seguidas, levando a equipe a ter 18 pontos de vantagem nesse momento. Já era, né?

Nem uma derrota pra Lazio, curiosamente treinada pelo Sarri, tirava os ânimos dessa equipe, e chegando ali em Abril, liderando por muita coisa, o foco agora era outro: a Champions League. 

Eu não havia tocado nela ainda, mas para um time tão implacável só um título não bastava, e o Napoli vinha fazendo uma excelente campanha europeia: pegou uma fase de grupos dificílima com Liverpool, Rangers, e Ajax, e ainda assim venceu seu grupo, com direito a goleadas como um 4×1 pra cima dos reds e um 6×1 contra o Ajax. 

O avassalador pegou nas oitavas o Eintracht Frankfurt, e o despachou com facilidade: fora de casa o Kvaradona até perdeu um pênalti, mas se redimiu dando uma assistência de calcanhar e eles vencem por 2×0. Aí em casa mais um passeio: 3×0 com doblete de Osimhen e classificação mais do que especial para as quartas de final: foi a primeira vez em sua história que o Napoli chegou nessa fase da Champions. Um feito que nem o Napoli de Maradona tinha conseguido.

Sai o sorteio para as quartas, e o Napoli recebe uma grata surpresa: enfrentaria o conterrâneo Milan. Não era subestimar, mas podendo ter em frente caras como o Manchester City ou Real Madrid, o Milan parecia um adversário mais simples: afinal jogava no mesmo campeonato que estava sendo amplamente dominado pelo trator napolitano. Mas não foi bem assim.

Isso porque curiosamente, logo antes do confronto pela Champions, as duas equipes se pegavam pela própria Série A. O Napoli vinha embalado de um 4×0 pra cima do Torino, e enfrentava agora o Milan num esquenta pra decisão.

Mas se o time do sul era extremamente favorito antes, de repente foi tudo por água abaixo: com Osimhen fora por lesão, o Milan surpreende e, em pleno Diego Armando Maradona, mete um atropelo absurdo, 4×0 fora o baile com doblete da estrela Rafael Leão, num raro momento de apagão napolitano, justo no pior momento possível.

Chega então na Champions e, com o favoritismo invertido, o Milan vence o jogo de ida por 1×0, e, ainda sem o Osimhen, o Napoli apenas empata por 1×1 o jogo de volta, com direito a pênalti perdido de Kvara e gol depois de uma jogadaça do craque Rafael Leão num erro do Ndombele – que tava substituindo o Anguissa, expulso no primeiro jogo.

Um dos sonhos do Napoli terminava então aí. O caminho para uma final europeia talvez fosse a melhor oportunidade da história do clube. Time bem, com confrontos traçados contra equipes não consideradas favoritas. Mas caiu. E se houve uma tristeza inicial na semana da queda, essa tristeza não duraria muito. Ela seria passageira, efêmera, porque as dores de 33 anos estavam prestes a desaparecer.

O Napoli tricampeão

Foto por Andreas Solaro

Mas a eliminação, por mais decepcionante, não foi o bastante para derrubar os ânimos em Nápoles por muito tempo: afinal o time estava a poucas rodadas de confirmar o título da Série A e encerrar o longo jejum.

O Napoli enfrenta e derrota mais uma vez a Juventus, que pro torcedor dava um gostinho a mais, fazer o doppietta sobre a rival que tanto causou choro nos anos anteriores, e precisava de pouco para confirmar o título com antecedência. Ele acaba não vindo contra a Salernitana, mas agora contra a Udinese bastava um empate e o time era campeão.

O partenopei começa perdendo, mas o herói e artilheiro Osimhen marca mais um gol, garantindo o empate e o título napolitano matematicamente: depois de 33 anos de jejum, ninguém poderia mais alcançar o melhor time da Itália no momento.

O Napoli era, enfim, tricampeão da Série A italiana, e mesmo fora de casa a torcida invade o gramado em puro êxtase.

O próximo jogo contra a Fiorentina seria para cumprir tabela e comemorar com sua torcida: uma vitória, mas isso nem interessa, já que todo mundo tava presente mesmo era para desentalar o grito de “É campeão”, um grito que vai além do futebol, de um povo que usa o futebol como arma contra a opressão que sofre do resto do país. Inferiores? Que nada, somos os campeões do país.

No final das contas, foram 90 pontos na liga, com 26 vitórias, 6 empates e 4 derrotas. Kvaratskhelia terminou com 12 gols e 10 assistências, enquanto Osimhen se sagrou o artilheiro do campeonato, com incríveis 26 gols e 4 assistências, se tornando o maior artilheiro africano da história da Série A, e recebendo a coroa como o próximo Rei de Nápoles.

É marcante também que o primeiro título de liga do clube sem o Maradona venha justamente depois de seu falecimento. E é uma pena que o Diego não esteja aqui para ver a cidade em que ele é Rei ganhar novos ídolos e virar, pelo menos por um pouquinho, a cidade de Kvara e Osimhen

Mas ele esteve sim presente na conquista: grande parte das vitórias veio no estádio que hoje carrega o seu nome, o seu legado, e quando Di Lorenzo ergueu a taça para um Diego Armando Maradona lotado, pode ter certeza que o grande ídolo do clube estava ali – não só em nome, mas na mente e no coração de todos os napolitanos.

Quem é Will Still?

Na temporada 2022/23, um belga de apenas 30 anos de idade começou a chamar atenção pelo seu bom desempenho no futebol francês e bateu recordes. Mas não, não estamos falando de um jogador. Você vai conhecer a história de Will Still, o técnico novinho que surpreendeu a Europa e viralizou nas redes sociais.

Quem é Will Still?

Foto por Baptiste Fernandez / Getty

Para começar a falar sobre o Will, primeiro precisamos falar sobre o que ele fazia antes de se tornar treinador principal de futebol. Naturalmente, com apenas 30 anos de idade, Still teoricamente ainda estava longe de se tornar um treinador efetivado.

Will já havia sido treinador de time juvenil, vídeoanalista, observador e treinador auxiliar, sendo esta última a função que o levou a ser contratado por um dos clubes das top 5 ligas europeias: o Stade Reims, da Ligue 1.

“Eu tinha percorrido um longo caminho desde a adolescência na Bélgica, quando me dei conta de que nunca iria triunfar como jogador.”

Aos 18 anos, ele resolveu fazer universidade e foi para a Inglaterra. E lá ele percebeu que o futebol era muito mais que só jogar. Will foi introduzido ao mundo dos bastidores, onde além dos jogadores existem profissionais de diferentes áreas trabalhando: olheiros, analistas, fisioterapeutas, preparadores físicos e por aí vai.

Foi aí que estalou algo na cabeça dele: vou ser treinador. Era o mais próximo que ele teria de estar dentro de campo.

Era totalmente surreal que o Reims soubesse quem eu era, e mais ainda que tivessem monitorado meus passos como treinador. Eu não era um cara conhecido fora da Bélgica, onde nasci e cresci, e onde tinha passado toda a minha carreira até então. Não pensei duas vezes e aceitei a proposta”.

Will Still veio para o Reims com a função de ser treinador auxiliar do espanhol Óscar García, que estava no clube francês desde a temporada 2021/22. Nessa primeira temporada, o trabalho de García foi apenas o bastante pra manter o clube na primeira divisão, ficando em 12º lugar. Ainda assim, a diretoria do Reims decidiu dar o voto de confiança e ir com ele para mais uma temporada, só que aí as coisas saíram do rumo.

Na 9ª rodada da Ligue 1 2022/23, o Reims empatou em 2×2 com o Troyes e terminou a rodada em 17º na tabela na ocasião, dentro da zona de rebaixamento. A diretoria não quis pagar pra ver qual seria a continuação disso. O que dizem é que García tinha ido a Barcelona resolver umas questões pessoais – e deixado o tal do Will Still no comando. Só que o Will no seu primeiro jogo, ainda como auxiliar técnico, conseguiu arrancar um 0-0 com o poderoso PSG. O primeiro time a conseguir não tomar gol do Paris na temporada.

Aí quando Óscar García voltou todo disposto pra dar o próximo treino, o Reims agiu e demitiu o treinaodr, que estava fazendo um mau trabalho. Mas achar um substituto não era tarefa simples e rápida. Por esse motivo, eles adotaram uma prática bastante comum no meio do futebol mundial, que é colocar um auxiliar ou um treinador de juvenis como treinador interino durante um curto período de tempo, apenas enquanto eles iam ao mercado para contratar um novo professor.

Esse abacaxi caiu no colo do homem que havia comandado o Reims no empate em 0-0 contra o PSG: o justamente o auxiliar Will Still. Vai ver eles pensaram: poxa, empatar com o PSG aqui não é mole não, então vai que esse cara consegue ao menos segurar as pontas por enquanto, né? Deram 6 jogos até a Copa do Catar pra ele, e foi aí que começou uma das histórias mais impressionantes da temporada 2022/23.

O promissor treinador

Foto: Optus

E pra dar continuidade nela, é bom falarmos sobre uma das paixões que levou Will até esse ponto.

Antes de assumir o comando de um clube da Ligue 1, antes até se tornar um profissional do futebol relevante na Bélgica, Will Still tinha uma paixão: o Football Manager, que é basicamente um jogo de simulação de gerenciamento do futebol. Um jogo onde você é o treinador. Will já contou que era obcecado pelo game quando era garoto, e que isso pode ter acendido sua chama para ser o técnico que é hoje.

“Nunca havia pensado que o Football Manager tivesse tido alguma influência na minha carreira na vida real, mas refletindo sobre isso agora, fica claro que teve.

Como ele foi ficando cada vez mais atarefado conforme sua carreira avançava, Will contou que foi tendo cada vez menos tempo para jogar Football Manager, especialmente agora nesse período como técnico do Reims ele teria que fazer tudo o que fazia no game só que comandando jogadores de verdade, em um clube real. Mas é realmente incrível como esse jogo foi capaz de influenciar um dos treinadores de destaque no futebol europeu atual. Agora era a hora de colocar essa paixão por ser técnico a prova.

Importante salientar qual era a situação do Reims quando Will assumiu oficialmente como treinador:

O clube estava em 15º depois daquele jogo contra o PSG, com apenas 8 pontos conquistados, 1 vitória, 5 empates e 4 derrotas. Eram apenas 12 gols marcados e 19 gols sofridos. Outro detalhe importante de ser destacado eram os números do atacante inglês Folarin Balogun. Até a rodada 10, o jovem emprestado do Arsenal já havia anotado 6 gols no campeonato francês, um indício de como ele seria uma peça fundamental desse time do Will Still.

Na época, a mensagem do Reims para Will era bem clara, como contou ele mesmo:

“‘Will, é preciso tirar o clube dessa situação’. Nós devíamos nos distanciar da zona de rebaixamento, porque esse é o primeiro ano com quatro rebaixados. Eu sempre disse: ‘Vamos tentar fazer o melhor e ver onde podemos chegar. Quanto mais alto estivermos na tabela, melhor será para o clube’. Eu acredito que queremos ser ambiciosos. Queremos ser competitivos, jogar um futebol enérgico e agradável de assistir”.

E o homem não falava da boca pra fora. Mas no meio disso, havia um problema que o clube precisava lidar, que era uma questãozinha de 25 mil euros. Acontece que Will Still não possuía uma licença Pro da UEFA, que é basicamente um certificado de que você concluiu os cursos de treinador profissional e está apto a ser treinador de um clube dos campeonatos europeus. Bem, natural eu diria, afinal ele tem só 30 anos de idade, o mais provável é que o Will nem considerasse a possibilidade de se tornar treinador efetivo de um clube tão cedo. Então, por esse motivo, a cada partida em que Still comanda o Reims, o clube precisa pagar uma multa de 25 mil euros. E como as coisas foram dando certo, eu diria que eles pagaram essa multa sorrindo.

Os bons resultados

Foto por Francois Nascimbeni

Em seu primeiro jogo como treinador interino após a demissão de Óscar García, Will comandou a equipe em um empate sem gols contra o Lorient, equipe que na ocasião estava em 2º lugar na tabela da Ligue 1. Era mais um bom resultado contra uma equipe das cabeças, então embora não tenha saído nenhum gol nos últimos dois jogos, ele já fazia o essencial para ajudar o time a respirar no campeonato, que era não perder.

O primeiro triunfo veio na rodada seguinte, contra o Auxerre, jogando no Stade Auguste-Delaune, casa do Reims. Eles venceram por 2×1, com gols de Balogun e de Junya Ito, com este segundo sendo aos 87 minutos. Depois disso, o Reims engatou mais 3 jogos sem perder, empatando contra o Brest, vencendo o Nantes e depois sofrendo um empate amargo contra o Montpellier, tomando gol nos acréscimos. O importante era que Will estava cumprindo seu trabalho, pois ao fim da rodada 15 o Reims estava em 11º lugar, 4 posições à frente de quando ele assumiu de vez.

As coisas iam dando certo, e ao passo que Will ia fazendo seus estudos no Centro de Futebol Nacional em Bruxelas, na Bélgica, para se ganhar sua licença profissional, a diretoria do Reims ia aos poucos vendo uma coisa: dá pra seguir com esse cara.

O Reims seguiu sem perder e mostrando ser muito competitivo nas mãos de Will Still, até que na rodada 20 veio o desafio. O Reims ia enfrentar o Paris Saint-Germain, e lá no Parc des Princes. O PSG que ia pro jogo com Messi, Neymar e Mbappé no trio de ataque. Com 30 anos, lá estava ele comandando um time para enfrentar o ataque mais badalado do mundo, e o próprio não escondeu o choque quando falou sobre isso:

Em qualquer momento da minha vida, se alguém tivesse me dito que eu seria treinador de uma equipe da Ligue 1 aos 30 anos, eu teria pedido para me dar um soco na cara.

A ideia de que eu, aos 30 anos, comandaria uma equipe que duelasse com Neymar, Mbappé, Sergio Ramos e Verratti, treinada por Galtier, era inverossímil”.

O desafio era enorme, mas o Reims se saiu muitíssimo bem. Foi apenas no segundo tempo que Neymar abriu o placar, driblando o goleiro e jogando a bola pro gol aos 51 minutos. O Reims estava sendo derrotado, mas jogava com muita organização e comprometimento. O PSG não conseguia marcar mais gols para matar a partida, mas ainda assim, tudo caminhava para a primeira derrota de Will Still como treinador do Stade de Reims.

É aí que literalmente no último lance do jogo, a mágica aconteceu: Kamory Doumbia achou um passe perfeito pra Folarin Balogun sair na cara do gol. O garoto driblou Donnarumma com facilidade e fuzilou pra empatar o jogo. O Reims arrancou um ponto do PSG em Paris e a invencibilidade de Will ainda seguia firme.

E o futuro?

Foto por Jean Catuffe

Naturalmente, o trabalho de Will começava a chamar cada vez mais atenção conforme sua invencibilidade no campeonato ia crescendo. Segundo o Opta, ele se tornou apenas o 2º técnico deste século a alcançar 17 jogos de invencibilidade em seus 17 primeiros jogos de uma das top 5 ligas europeias, depois do saudoso Tito Vilanova, que conseguiu o feito comandando o gigante Barcelona.

Conforme seu nome era falado, alguns boatos começaram a se espalhar de que Will era o cara que aprendeu a ser treinador de futebol no Football Manager, e metade dos posts que se via nas redes sociais era falando dele e do FM, Will Still o cara do FM. Isso acaba sendo uma grande distorção dos fatos, como o mesmo contou:

Não sou apenas um nerd que jogou Football Manager. Não cheguei ao Reims por trás do meu computador. Na verdade, não toco nesse computador há anos. É um mito que precisa acabar”.

Certamente a influência do jogo existiu, como ele mesmo já disse. Mas ninguém se torna técnico de um clube das principais ligas europeias aos 30 anos apenas pelo que aprendeu em um videogame. A história do Will Still é realmente mágica, mas construída através de muito estudo e trabalho duro, não apenas pelo acaso.

Com esse trabalho brilhante, Will levou o Stade de Reims a alcançar 18 jogos de invencibilidade na Ligue 1 sob o seu comando, contando desde o jogo contra o PSG que ele comandou com Óscar García viajando. Foram 9 vitórias e 9 empates. A primeira derrota dele no campeonato veio apenas em 19 de março, contra o Olympique Marseille.

Detalhe: ele assumiu em outubro do ano passado. Foram longos meses sem sofrer uma derrota sequer. O Reims terminou a temporada em 11º lugar, com 16 pontos de distância da zona do rebaixamento. Quando ele assumiu, o clube estava empatado em pontos com o primeiro time da zona. O principal atacante de Still, Folarin Balogun, terminou com 21 gols na Ligue 1, apenas atrás de Jonathan David, Lacazette e Mbappé. Uma temporada que tinha tudo pra ser desastrosa, agora é uma história das mais notáveis de 2022/23.

Quanto ao futuro de Will Still? A imprensa já até o especula na Premier League, com um possível interesse do West Ham, clube que o próprio técnico já disse que é fã desde sempre, mas o jovem renovou com o Reims e continua comandando o clube na próxima temporada.

Quem é Carlos Borges?

Esse texto foi escrito por Pedro Silveira, originalmente como roteiro para o vídeo acima.

Tem um garoto na base do Manchester City que está simplesmente destruindo e pode em breve brilhar pelo time principal.

No texto de hoje, você vai conhecer o “Flash” português Carlos Borges, que ganharia do Mbappé numa corrida, se inspira em Sadio Mané, e até provocou o Cristiano Ronaldo? Vem entender melhor essa história:

CARACTERÍSTICAS

Foto por Matt McNulty – Manchester City

Carlos Borges é um jovem português que recém completou 19 anos, que joga de ponta e parece ter potencial pra ser um jogador titular de clube gigante num futuro próximo. E isso se deve a vários fatores.

O primeiro deles é que na base do Manchester City ele tem mostrado uma arrancada e uma velocidade máxima quase surreal. Quando a gente vê alguns lances do Carlos, parece que ele tá jogando futebol com algum tipo de truque ou macete, porque ele costuma ser muito, mas muito mais rápido que os defensores.

É uma explosão poucas vezes vista, talvez somente comparável a caras de nível do Mbappé ou do Vinícius Jr, e que faz ele ser um jogador letal no 1×1 e nos contra-ataques. Se deixar espaço pra ele correr, já era.

Mas velocidade não faz um jogador. Adama Traoré é extremamente rápido e recentemente virou reserva no Wolverhampton. Theo Walcott era elétrico mas a carreira dele nunca deslanchou como imaginávamos. Daniel James era rápido igual um raio e flopou no Manchester United por não ter muito mais a oferecer. Mas o Carlos Borges tem.

Tanto é que nessa temporada de 2022/23, o garoto tem números inacreditáveis.

São 29 gols e 18 assistências em 33 jogos na temporada até o momento. Números que se fossem no time principal a gente colocaria como um dos candidatos a melhor do mundo.

É na base e os números lá costumam ser mais altos, então há que ter calma, mas ainda assim é pelas duas competições de base de clubes mais fortes do planeta: a Premier League 2, uma espécie de Campeonato Inglês sub-21, e a UEFA Youth League, que é como se fosse a Champions League sub-19. Então não é qualquer campeonatinho, ele está jogando contra as outras melhores promessas também.

É um desempenho assustador que vem muito porque Carlos Borges não é só correria. Ele joga de ponta-esquerda geralmente e chega muito na área pra finalizar, fazendo o facão da ponta pro meio e tendo muita tranquilidade na cara do gol com a sua perna esquerda, que é a boa. É um cara que ao menos na base não parece ter aquele problema que por exemplo o Vini Jr. tinha, quando nos primeiros anos de carreira finalizava de forma contestável.

E também sabe fazer uma corridas muito interessantes, atacar o espaço vazio, ganhar vantagem com a sua velocidade e se colocar sempre num lugar oportuno pra finalizar ou dar assistência pra um companheiro:

Isso torna ele um jogador muito potente, capaz de decidir partidas. E tem algum jogador que você lembra com essas características? Perguntado em qual jogador ele se espelha, ele não escolheu nenhum do City, mas um ídolo recente do rival Liverpool: Sadio Mané.

Eu assisto Sadio Mané, ele é um ponta top, um jogador de elite. Eu me inspiro nele. Ele é rápido, direto. Ele não complica muito, gosta de tabelinhas e quando precisa fazer as corridas, ele faz.”

E além da velocidade e de ser bom na hora de meter a bola pra dentro, têm outras coisas que casam bem com qualquer jogador rápido: saber controlar a bola perto do corpo para dar dribles mais curtos, ter agilidade nos movimentos, e conseguir mudar de direção com muita rapidez.

Essa agilidade existe talbez por ele ser muito baixinho, 1,69m, e ter um centro de gravidade mais baixo, o que pode ser uma desvantagem em duelos físicos contra zagueirões gigantes, afinal se ele tomar uma trombada de um Van Dijk da vida provavelmente vai voar longe, mas no duelo técnico pode ser uma fortaleza.

É isso que faz o Carlos Borges ser dificílimo de marcar no 1×1, porque ele puxa com muita facilidade e velocidade para um lado ou pro outro, deixando o marcador, que geralmente é mais lento, sem a mínima noção do que fazer pra parar o jovem.

E ele cara começou jogando futsal, então o drible curto não é novidade pra ele. E só isso na real já distancia o Carlos de tantos outros pontas correria que temos por aí, que na velocidade são um trem-bala, mas que na hora de se livrar da marcação num espaço curto, sem campo pra correr, são nulos.

ONDE SURGIU

Foto por Matt McNulty – Manchester City

E sobre futsal, ele contou que estava jogando quando um olheiro foi lá para ver outro jogador, mas se impressionou com ele e disse: “É esse aí que eu quero”.

Aí ele foi parar na base do Sporting e, como era muito pequeno, disse que nem percebeu o quão grande tudo aquilo era. Era só uma coisa que tava acontencendo na vida de uma criança. Mas dali pra frente tudo mudou, e com apenas um ano de Sporting, ele foi para a Inglaterra.

Com o detalhe de que ele é torcedor do Benfica, inclusive disse que talvez gostaria de voltar pra Portugal pra se aposentar no Benfica no futuro.

Carlos está no Manchester City desde 2014, mas muito porque o clube tem uma política muito estruturada e agressiva na formação de jogadores da base. Para vocês terem uma ideia, ele era um garotinho do Sporting e foi levado pro Reino Unido com 10 anos de idade! 10 anos.

Os pais dele se mudaram pra Leeds, mas ele tinha um primo que estava no Manchester City, então conseguiram um teste pra ele e foi imediatamente pras categorias de base.

E ele disse que não gostou na época. Era um moleque se adaptando no Sporting e de repente está em outro país: uma mudança complicada para qualquer um, ainda mais para uma criança.

Inclusive a vida dele é meio louca porque a família vem originalmente de Guiné-Bissau, ele nasceu em Sintra, pertinho de Lisboa, e agora cresceu na Inglaterra. É multi-cultural, mas pelo menos na base ele defende a seleção de Portugal.

Inclusive disse que quando foi chamado pela primeira vez pra seleção de base de Portugal foi um dos melhores momentos da vida dele, e que defender o seu país é um dos melhores sentimentos que existem.

Além disso o jovem informou que nunca considerou defender a seleção de Guiné-Bissau, então sabemos que se ele virar um jogador de alto nível, é Portugal que ele defenderá nas Copas do Mundo que vem por aí.

Mas chegar na seleção depende de muito comprometimento e polimento, e é no City que ele vem se desenvolvendo desde 2014 então, passando por todas as etapas da formação, até chegar a fazer parte do elenco do City que venceu a Premier League sub-18 2020/2021. Nessa temporada ele meteu 13 gols e deu 19 assistências em 24 jogos, sendo eleito o jogador sub-18 do ano!

E depois venceu a Premier League sub-18 2021/2022. Aí quando subiu de categoria – em categorias de base às vezes o jogador sobe de uma pra outra – nessa mesma temporada venceu a Premier League 2.

MENTALIDADE

Foto por Matt Mcnulty – Manchester City

Tem uma entrevista onde é perceptível que desde muito jovem ele coloca metas pra si mesmo. O que pode ser prejudicial – imagina uma criança ainda se forçando a bater metas desde moleque – mas também pode ser indicativo de uma mentalidade ultra vencedora.

E o curioso das metas que ele botou pra si é que ele valoriza tanto os gols como as assistências. Por exemplo, a meta dele em 2021/22 era de 15 gols e 15 assistências, ou seja, um cara que não é fominha e também tem sede por servir os companheiros, não só fazer o dele.

Isso porque ele disse que comemora assistências igual comemora gols, que ama os dois, e isso sem dúvidas é algo que só pode beneficiar o cara num time de jogo tão coletivo quanto o Manchester City.

A gente nunca sabe o que vai acontecer com um jogador. Tem uns como o Bojan que brilham absurdos quando jovem e depois por um motivou ou outro, flopam. Outros como Dele Alli que chegam a destruir o Real Madrid em Champions League, mas depois parece que perdem o interesse pelo jogo. É impossível prever, principalmente essa parte psicológica, a questão de possíveis lesões e tal. Mas ao que parece, Carlos Borges tem muito, em termos técnicos e mentais, pra ser bem sucedido no mais alto nível do futebol europeu.

Inclusive tem essa parte da entrevista com ele que perguntam se ele ficou nervoso depois de chamar a atenção com suas performances. E ele responde: “não, só continuei fazendo o meu trabalho, nada mudou.”. Parece ser um cara de sangue gelado.

Ele apareceu uma vez na mídia inclusive por conta de uma provocação. Num dérbi contra o Manchester United, ele meteu simplesmente 4 gols. E na época o Cristiano Ronaldo ainda era jogador dos Red Devils. Aí como o Carlos Borges comemorou um dos gols? Metendo aquelas mãos com dedos cruzados no peito, igual o CR7 fazia.

Mas na real não era uma provocação: Carlos Borges é português e ama o Cristiano Ronaldo, mesmo um sendo do City e outro do United. Então todo mundo achou que era provocação, mas era só uma homenagem a um ídolo.

E o futuro?

Foto por Matt McNulty – Manchester City

E com tudo isso, a gente pode ver ele brilhando pelo City em breve? O Guardiola tem sido conhecido por dar chances pra jovens citizens, como o Foden, em quem ele confiou e virou titular rapidamente, além de Cole Palmer e Rico Lewis, lateral que passou segurança pro Pep despachar o Cancelo pra Baviera.

E inclusive o Carlos Borges já foi chamado pra treinar com o time principal. Mas jogar por enquanto, nada. Mas mesmo se o Pep não achar um espaço no time pro cara, oportunidades não faltarão. Com o nível de futebol que ele tá jogando, talvez seja complicado ter chances no City, mas outros clubes estariam de portas para recebê-lo, especialmente times que são acostumados a dar oportunidades pra jovens talentosos, como Benfica, Porto e Borussia Dortmund. Quem sabe?

Ele diz que de Portugal obviamente admira o Cristiano Ronaldo, citou o Luisão, ex-Benfica, como um grande líder, e se inspirou no passado em Sterling e Sané – ex-jogadores do City -, e que conta com ajuda de Foden e Mahrez, que acompanham o desenvolvimento dele e ajudam o cara a se adaptar quando vai treinar com o time principal.

Ainda disse que estar no esquadrão profissional do City é o seu maior sonho, aquilo pelo qual ele trabalhou a vida inteira.

Por tudo isso, me parece que naquela escala de 0 a 10 de potencial, ele estaria lá pra 8,5 ou 9, nível pra ser titular de grandes clubes no mundo.

O que vocês acham?

Times Imortais: O Bayern tricampeão europeu

No futebol atual, em qualquer lugar do mundo que seja, todos conhecem o clube chamado Bayern de Munique. Um predador nacional e continental, que tem uma identidade singular que o diferencia de qualquer clube do mundo: algo que ao longo dos anos fez sua camisa vermelha ser símbolo de poder.

Não à toa, comumente recebe imponentes adjetivos antes de seu nome. “O poderoso Bayern de Munique”, “O Gigante da Baviera”, “O Rolo Compressor da Alemanha”. Mas antes disso tudo, havia só o modesto Bayern de Munique… até os maiores jogadores alemães da história, como que num toque de mágica, surgirem ao mesmo tempo na Baviera.

Neste episódio da série Times Imortais, você vai conhecer a história do Bayern de Munique da década de 70, uma equipe que reinou na Alemanha, na Europa, e no mundo.

O Surgimento da Geração de Ouro

Foto: Football Kit Archive

Lá na década de 1960, a imagem do Bayern de Munique estava extremamente distante do que a de hoje em dia. O clube que hoje ostenta 31 conquistas da Bundesliga, que atualmente lidera a dinastia mais assombrosa do futebol europeu, caminhando pra um decacampeonato seguido em sua liga, era nada mais que um mero coadjuvante do futebol alemão.

O Bayern, fundado em 1900, tinha conquistado apenas um campeonato alemão em toda a sua história, na longínqua temporada 1931-32. Para se ter uma ideia, nos dois primeiros anos da fundação do campeonato alemão com o nome de Bundesliga, ali no início dos anos 60, o clube sequer estava a disputando, já que frequentava a segunda divisão do futebol nacional.

Já no cenário europeu, a coisa não era diferente. O Bayern jamais tinha chegado sequer a uma semifinal de Champions League, feito que na época já havia sido atingido pelos conterrâneos Hamburgo e Borussia Dortmund, além do Eintracht Frankfurt que já havia sido vice-campeão da competição.

O Bayern de Munique era um dos grandes símbolos esportivos de uma das principais cidades da Alemanha, mas quando se olhava para o macro do futebol no país e no continente, passava longe de ser a potência que é hoje. O Bayern sequer era o principal clube de Munique: ficava na sombra do hoje modesto 1860 Munique, o rival local que era mais relevante naquela época, ganhando Copa da Alemanha, Bundesliga e participando em competições europeias.

Para esse cenário mudar, precisava haver uma grande união de fatores, como a chegada de um grande técnico e a ascensão de uma grande geração oriunda do próprio clube. E foi justamente o que aconteceu.

A mudança

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Josef Dieter Maier, ou simplesmente Sepp Maier, foi o goleiro daquele Bayern. O alemão chegou nas categorias de base do clube em 1959 e, desde então, dedicou toda a sua vida no mundo do futebol a defender apenas o escudo do clube da Baviera, além de também ter se tornado um ícone da Seleção da Alemanha Ocidental. Se tornou profissional em 1962 e, portanto, acompanhou o Bayern desde a segunda divisão até a elite do futebol nacional.

Dois anos depois, outro brilhante jovem da base dos Colorados da Alemanha subiu para a equipe principal, para se tornar também um dos líderes do clube. E isso mesmo muito jovem, porque esse homem em especial nasceu para liderar: seu nome era Franz Beckenbauer, um defensor absurdamente técnico e inteligente que jogava na extinta função de líbero.

Não demoraria muito para começarem a chamá-lo por outro nome: o de Kaiser. Alcunha que ele ganharia no fim dos anos 60, quando já despontava como um dos principais atletas do futebol alemão.

No mesmo ano que o Kaiser se tornou profissional do Bayern, 1964, o clube trouxe um jovem e promissor atacante que começava a se destacar no Nordlingen, que jogava em divisões mais baixas.

Era a chegada de Gerd Müller, o atacante tão mortal que um dia viria a ganhar a alcunha de Bomber. A união desses 3 jovens alemães foi o ponto de inflexão no surgimento de um poderoso Bayern de Munique, uma sorte geracional tão grande que parece até conspiração do destino.

Como primeiro indício, eles ajudaram o clube a vencer o seu primeiro campeonato alemão na Era Bundesliga sob o comando do croata Branko Zebec na temporada 1968-69, e com o Gerd Müllersendo artilheiro com incríveis 30 gols anotados, muito para os seus 23 anos de idade na época.

Der Bomber seria mais uma vez artilheiro na edição seguinte, dessa vez anotando incríveis 38 gols, desempenho fenomenal que o fez ser coroado como o Bola de Ouro da France Football de 1970, mesmo sem ter vencido a Bundesliga. Aos poucos, as evidências deixavam muito claro que o Bayern tinha em suas mãos uma verdadeira geração de ouro.

Mas a mente por trás do melhor Bayern de todos os tempos não foi o técnico Branko Zebec, mesmo tendo conquistado a primeira Bundesliga do clube. Na maior parte do tempo, foi o treinador Udo Lattek.

O alemão assumiu o clube da Baviera em março de 1970, substituindo Zebec no meio da temporada. Aquele seria o seu primeiro trabalho como técnico principal de uma equipe, após ter passado um período como auxiliar técnico da Seleção da Alemanha. Havia muita desconfiança em torno de Lattek, mas ele tinha algo crucial para um técnico vencer: o apoio do grupo e das principais lideranças do time – Maier, Franz Beckenbauer e Gerd Müller. Dizem até que Lattek chegou ao Bayern por indicação do Kaiser, que já tinha moral o bastante pra indicar qual caminho o clube seguiria.

O Início do Império Bávaro

Foto: FC Bayern

No mesmo ano de 1970 em que Lattek assumiu o Bayern, chegaram outros dois craques ao clube, que também seriam peças importantíssimas da dinastia que estava por vir: Uli Hoeneß e Paul Breitner, com este último sendo cria das categorias de base do Bayern.

Hoeneß veio do pequeno Ulm e era um jogador de ataque, que caía mais pela direita, mas era capaz de fazer outras funções em outras posições do ataque.

Breitner era um jogador muito polivalente, capaz de jogar tanto como lateral esquerdo quanto como meio-campista. Podemos dizer que Maier, Beckenbauer, Breitner, Hoeneß e Müller eram as estrelas primordiais daquele time.

Foto: FC Bayern

A primeira grande conquista do Bayern sob o comando de Udo Lattek viria na temporada 1971-72, que foi a terceira conquista de campeonato alemão da história do clube bávaro.

Nessa campanha, o Bayern marcou o absurdo número de 101 gols, sendo que 40 deles foram marcados por Gerd Müller, feito que estabeleceu um recorde que você provavelmente já ouviu falar, pois esse número só veio a ser batido por Robert Lewandowski na temporada 2020-21 quando o polonês fez 41 gols na Bundesliga. Foram quase 50 anos pra essa marca assombrosa do Bomber ser alcançada.

Também nessa temporada, o Bayern emplacou a maior goleada da história de um campeão alemão, que foi justamente contra o rival Borussia Dortmund: 11-1. Quem vê o Bayern hoje em dia metendo só 4 ou 5 no Borussia, não sabe como já foi pior um dia. Ao fim do ano de 1972, o Bayern viu outro de seus craques ser eleito o Bola de Ouro da France Football: dessa vez o Kaiser Franz Beckenbauer, que teve Müller o acompanhando em 2º lugar do pódio.

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O ano de 1972 foi ainda mais especial para o Bayern por dois motivos:

Primeiramente, esse Bayern é ligado de forma neural à seleção alemã da época, com a história começando na Eurocopa de 1972, vencida pela Alemanha Ocidental já com 6 titulares do Bayern entre os 11 iniciais.

E depois porque foi o ano da inauguração do Estádio Olímpico de Munique, construído durante anos para os Jogos Olímpicos de Verão de 1972.

Ele virou casa tanto para o Bayern quanto para o 1860 Munique, e agora o time bávaro teria um palco à altura para o tamanho do futebol que praticava.

E talvez como uma identificação do que viria pela frente, o estádio foi inaugurado com vitória de 4×1 da Alemanha Ocidental pra cima da União Soviética em amistoso. Os 4 gols foram de Gerd Müller, que dali pra frente tomaria gosto por repetir a dose.

Bayern de Munique de volta à Europa

Foto: FC Bayern

Naquela época, a Champions League era literalmente uma competição de campeões, e como tal admitia apenas as equipes que haviam conquistado o campeonato de seu país. Assim, com o título da Bundesliga de 1971-72, o Bayern de Udo Lattek assegurava vaga na próxima edição, que seria apenas a segunda participação do clube na história do torneio, e quando viriam a ter o seu primeiro grande teste de fogo no cenário europeu, sendo já a equipe imponente que eram.

Na Alemanha, em 1972-73 o time conquistou pela primeira vez um bicampeonato seguido da Bundesliga, tendo mais uma vez Der Bomber como artilheiro da competição com 36 gols.

Na Champions avançaram até às quartas de final, eliminando o Galatasaray e o Omonia nas duas primeiras eliminatórias. Só que nas quartas o buraco foi muito mais embaixo. O adversário era o bicho papão da Europa na época, o Ajax de Johan Cruyff e o Futebol Total – bicampeão vigente da Europa. Era um confronto de duas escolas distintas e que estava recheado de craques.

O Bayern de Lattek com um futebol agressivo, de velocidade, intensidade, disciplina tática, controle, que não tinha nenhum problema em defender e explorar a enorme velocidade e letalidade de Hoeneß e Müller nos contra-ataques. E o Ajax de Stefan Kovacs, com suas características singulares, de pressão o tempo todo e movimentação frenética que simbolizava o Futebol Total, presente na equipe mesmo que Rinus Michels não fosse mais o treinador.

Mas apesar da enorme força de ambos os lados, o que se viu na partida de ida foi um baile: o Ajax venceu por 4×0 em Amsterdã, praticamente matando o confronto.



Apesar da equipe do Bayern ter garra e talento, sabíamos que podíamos lidar com eles sem qualquer problema.

Johan Cruyff


No jogo de volta, o Bayern até consegue vencer por 2×1, mas acaba eliminado pela soma. Apesar da grande derrota, o confronto foi um marco no futebol europeu, pois ficou claro que aquelas eram as duas equipes mais fortes da competição.

Gerd Müller acabou artilheiro da competição com 11 gols, mesmo caindo nas quartas de final.

Naquele ano, o Ajax fechou um tricampeonato seguido da Champions League, mas Johan Cruyff partiu para jogar no Barcelona e assim a equipe decaiu. O caminho estava livre pra um novo time reinar e não havia candidato melhor do que o Bayern de Munique.

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A temporada de 1973-74 seria especial, pois culminaria na disputa da Copa do Mundo de 1974. E pra sorte da Seleção Alemã Ocidental, o Bayern de Munique, que já estava numa enorme curva ascendente há alguns anos, atingiria o seu ápice justamente nessa temporada.

Aqui é importante destacar como era algo precioso que uma equipe só reunisse diversos craques naquela época, antes do futebol ser essa salada onde uma equipe só reúne jogadores de diversos países no mundo inteiro. Essa concentração acabava beneficiando demais as Seleções, que receberiam um time base já entrosado e que se conhecia.

O Bayern tinha a melhor geração de jogadores alemães da história, e isso fez com que a Alemanha chegasse mais forte do que nunca para a disputa do Mundial de 74. Os jogadores bávaros iniciavam a caminhada daquela temporada repletos de convicção de que poderiam chegar mais fortes para a disputa da Champions, para colocar Munique no mapa da Europa e, mais tarde, no mapa do mundo.

O Reinado Bávaro

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Na Bundesliga, os bávaros tiveram um duelo até o fim pelo título com o forte Borussia Mönchengladbach do artilheiro Jupp Heynckes – aquele mesmo técnico do Bayern na tríplice coroa de 2013. A disputa foi até a última rodada, com o Bayern se consagrando tricampeão alemão seguido com 49 pontos, apenas 1 a mais que o Mönchengladbach.

Na artilharia do torneio, a disputa não foi menos acirrada, e acabou tendo dois nomes: Gerd Müller, obviamente, e Jupp Heynckes, ambos com 30 gols. A equipe de Udo Lattek estava mais do que consolidada na Alemanha, tinha se tornado uma potência local, o que faltava era a cereja do bolo: conquistar a Europa.

Na Champions League de 1973-74, o atual tricampeão seguido, Ajax, não resistiu a perda irreparável de Cruyff e acabou vendo o sonho do tetra acabar cedo, caindo na segunda fase eliminatória contra o modesto CSKA Sofia, da Bulgária. Assim, não havia dúvidas de que o caminho para a conquista do Bayern estava aberto, e os bávaros não deixariam essa chance de ouro escapar.

Passando pelo Atvidabergs da Suécia nos pênaltis e depois pelo Dynamo Dresden da Alemanha Oriental com um incrível 7×6 no agregado, o Bayern chegou às quartas de final para enfrentar justamente o CSKA Sofia, que havia eliminado seu algoz da edição passada.

Mas logo de cara o Bayern matou o confronto, vencendo o jogo de ida por 4×1 e assegurando a classificação, mesmo com a derrota na volta. Na semifinal, passaram por cima do Ujpest, da Hungria, vencendo por 4×1 no agregado.

Assim, o Bayern chegava na final da Champions pela primeira vez em sua história, e era apenas o 2º clube alemão a conseguir tal feito. O rival na decisão seria um time histórico do Atlético de Madrid, do craque Luis Aragonés.

A final aconteceu em 15 de maio de 1974, no Heysel Stadium em Bruxelas. O Bayern foi a campo com Sepp Maier, Paul Breitner na lateral esquerda, na zaga Hans-Georg Schwarzenbeck e o capitão Franz Beckenbauer, com Johnny Hansen na direita. No meio, Jupp Kapellmann, Rainer Zobel, Franz Roth, e na frente Uli Hoeneß, Gerd Müller e Conny Torstensson.

Dessa equipe, os únicos estrangeiros eram o dinamarquês Hansen e o sueco Torstensson, todos os demais eram alemães.

Em campo, o que se viu foi uma partida duríssima, terminando sem nenhum gol no tempo regulamentar. Na prorrogação, aos 114 minutos, Luis Aragonés tirou da cartola um gol de falta e colocou o Atleti com uma mão na taça. Tudo parecia perdido, até que no último minuto da prorrogação, Schwarzenbeck acertou um chutaço de fora da área e empatou a partida.

Naquela época, não havia disputa de pênaltis pra desempatar um confronto, e assim uma segunda partida foi marcada, dois dias depois, no mesmo estádio.

O Bayern foi a campo com a mesma escalação, com o ânimo lá em cima após escaparem da derrota no último lance da primeira partida, enquanto no Atlético foi o oposto. O resultado foi um atropelo dos bávaros: 4×0, com dois gols de Uli Hoeneß, um deles gol de placa, e dois gols de Gerd Müller, um deles por cobertura. O Bayern estraçalhou e foi o primeiro clube alemão campeão da Champions League. Der Bomber foi o artilheiro da edição com 8 gols.

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Para coroar definitivamente aquela geração do Bayern de Munique, boa parte daqueles jogadores ainda iriam disputar a Copa do Mundo de 1974, defendendo a Alemanha Ocidental. E quase como se fosse uma revanche do confronto Bayern x Ajax na Champions League de 1972-73, a final acabou sendo entre Alemanha e Holanda.

Dos jogadores titulares da Mannschaft naquela decisão, estavam os bávaros Sepp Maier, Paul Breitner, Hans-Georg Schwarzenbeck, Franz Beckenbauer, Gerd Müller e Uli Hoeness. Mais da metade do time do Bayern! E no fim, eles conseguiram dar o troco nos holandeses pela eliminação na Champions League, vencendo a final da Copa do Mundo de virada por 2×1, com gols de Breitner e Müller. A geração de ouro da Baviera reinava por toda parte: na Alemanha, na Europa e no mundo inteiro.

O Bayern de Dettmar Cramer

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No final de 1974, o Bayern fez algo que era relativamente comum naquela época: negou participar do Intercontinental de Clubes e cedeu a vaga ao Atlético de Madrid, que havia sido vice-campeão da Champions. O clube de Munique queria focar todas as suas forças em estender o reinado na Europa e, para isso, contratou um reforço de peso: o craque Karl-Heinz Rummenigge, que chegou para fortalecer ainda mais um ataque que já contava com Müller e Hoeneß.

Rummenigge chegou de um pequeno clube chamado Lippstadt e era um jogador alemão extremamente diferenciado, pois driblava com um refino técnico e uma ousadia enorme, além de ser um atacante muito rápido e goleador. Mas em contrapartida a esse reforço, o Bayern sofreu uma dura perda em seu time titular: o craque da lateral esquerda, Paul Breitner, decidiu se juntar ao Real Madrid, decisão que talvez ele tenha se arrependido depois.

A temporada de 1974-75 foi onde aquele timaço começou a não render o esperado nas mãos do técnico Udo Lattek, e assim ele teve seu ciclo encerrado na metade da época, dando lugar para o também alemão, Dettmar Cramer.

Na Bundesliga, o estrago já estava feito e o caminho aberto pro forte time do Borussia Mönchengladbach ser campeão, tendo Heynckes como artilheiro isolado, um feito e tanto na era do Bomber. O Bayern já havia perdido pontos demais e brigar pelo título era uma missão impossível, tanto que a equipe acabou apenas em 10º lugar na tabela.

O foco total era na Champions League. Como campeão vigente da Champions e da Bundesliga, o time pôde pular uma fase e entrar na competição a partir da segunda fase eliminatória, onde enfrentaram e despacharam o Magdeburg, da Alemanha Oriental.

Nas quartas de final, foi a vez de derrubar o Ararat Yerevan, da Armênia, por apenas 2×1 no agregado. O rival nas semifinais foi o Saint-Etienne, da França, que fez jogo duro mas também caiu por terra. A grande decisão seria contra o Leeds United, da Inglaterra.

A final ocorreu em 28 de maio de 1975, no estádio Parc des Prince, em Paris. O Bayern foi a campo com:

Sepp Maier no gol, Björn Andersson na direita, Hans-Georg Schwarzenbeck, Franz Beckenbauer, e Bernd Dürnberger na esquerda. No meio Franz Roth, Jupp Kapellmann, Rainer Zobel, e na frente Conny Torstensson, Uli Hoeneß e Gerd Müller.

Essa foi uma final extremamente dura, não apenas pelo time do Leeds ser qualificado, mas também pela questão física mesmo. Bjorn Andersson e Uli Hoeneß acabaram sendo substituídos ainda no primeiro tempo por lesões, sendo que o segundo foi uma séria lesão no joelho, consequência de uma das várias entradas violentas praticadas pelo time inglês, que apostava num jogo mais físico do que técnico.

Além disso, o Leeds teve uma chance clara com Sepp Meier fazendo um milagre, e um gol anulado que causou muita confusão durante a partida, com o Leeds acabando prejudicado pela decisão.

Mas no fim, o Bayern se impôs com um gol de Franz Roth, antes do Gerd Müller fechar a conta já na parte final da partida depois de uma jogada velocíssima pela ponta direita. Assim, o Bayern era bicampeão seguido da Champions League, sendo na época apenas o 5º clube a conseguir tal feito.

Pra variar, Gerd Müller foi o artilheiro daquela Champions, com 5 gols marcados. No fim do ano de 1975, o Bayern mais uma vez recusou participar do Intercontinental de Clubes por não conseguir encaixar em seu calendário.

O Bayern tricampeão europeu

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Na Bundesliga de 1975-76, com Dettmar Cramer treinando a equipe desde o começo, o Bayern não fez feio como na temporada anterior, mas mais uma vez acabou não conseguindo vencer o campeonato. E adivinha com quem ficou o título? Novamente com o Borussia Mönchengladbach, que fez cinco pontos a mais que o Bayern na campanha. O clube bávaro ficou em 3º lugar na tabela, atrás também do Hamburgo. Mas o fato era que o grande objetivo da temporada era um só: igualar o feito do Ajax e ser tricampeão seguido da Europa.

Por não ser o campeão alemão, dessa vez o Bayern teve que começar a Champions da primeira fase, onde passaram por cima do modesto Jeunesse Esch, de Luxemburgo, vencendo por somente 8×1 no agregado, com direito a 2 gols de Rummenigge, que agora era titular.

Na 2ª eliminatória mandou pra casa o Malmo, da Suécia, num duro confronto vencido por apenas 1 gol de vantagem no agregado.

A partir das quartas de final vieram as pedreiras. Primeiro o Benfica, que tinha tudo pra fazer jogo duro, mas depois de um empate em 0x0 na ida, o Bayern venceu a segunda partida por 5×1.

Na semifinal veio simplesmente o Real Madrid, que havia eliminado o Mönchengladbach na fase anterior, time que teve o artilheiro daquela ChampionsJupp Heynckes, e que naquela época era realmente um time de topo.

Mas nem o maior campeão da Champions, dono de 6 taças na época, foi páreo para os bávaros. O Real de Vicente del Bosque até abriu o placar na ida aproveitando uma falha do Horsmann, mas logo tomou um gol do Müller na ida, mais dois na volta, e pelo terceiro ano seguido o Bayern estava no palco máximo da Europa, e dessa vez o rival na decisão seria o Saint-Etienne, da França.

A final aconteceu em 12 de maio de 1976, no estádio Hampden Park, em Glasgow. O Bayern foi a campo com Sepp Maier no gol mais uma vez, Johnny Hansen, Hans-Georg Schwarzenbeck, Franz Beckenbauer e Udo Horsmann. No meio Jupp Kapellmann, Franz Roth e Bernd Dürnberger. Na frente Uli Hoeneß, Karl-Heinz Rummenigge e Gerd Müller.

Em mais uma final muito difícil, o meio-campista Franz Roth marcou depois de uma roladinha em cobrança de falta do Bayern, aparecendo mais uma vez pra resolver assim como havia feito na final da edição passada.

Não teve jeito, e o gol do Roth no segundo tempo deu números finais ao placar. Assim, o grande objetivo do Bayern estava realizado: o clube era tricampeão seguido da Europa, sendo apenas o 3º a conseguir tal feito depois do Real Madrid e do Ajax. O Bayern enfim estava entre gigantes.

Bayern, Dono do Mundo

Foto: Imago

O ano de 1976 foi diferente para o Bayern de Munique. Com a conquista do tri europeu, o clube mudou seu posicionamento quanto ao Intercontinental de Clubes e decidiu participar do torneio. O rival seria o campeão da Libertadores daquele mesmo ano, que havia sido o Cruzeiro. A decisão, naquela época, ocorria em partidas de ida e volta, na casa dos campeões. O confronto contava com uma série de estrelas, e além das já citadas várias vezes do futebol alemão, também haviam craques históricos brasileiros do lado da Raposa, como Raul Plasmann, Nelinho, Zé Carlos e Jairzinho.

O primeiro jogo ocorreu no Estádio Olímpico de Munique em 23 de novembro de 1976, e o Bayern não desperdiçou a chance de sair na frente, mas teve pela frente um confronto duríssimo.

Dois gols relâmpagos aos 80 e 82 de Kapellmann e Gerd Müller deram a vitória ao clube bávaro. A partida de volta ocorreu no Mineirão em 21 de dezembro de 1976, e mesmo empurrados por um público insano de 113 mil pessoas, o Cruzeiro não conseguiu furar o bloqueio dos alemães e a partida acabou em 0x0. Não havia mais o que vencer para aquela equipe. O Bayern era o dono do mundo do futebol. E ainda tinha o sucesso estendido pra seleção nacional através de seus principais craques, que naqueles anos 70 simplesmente esbagaçaram todas as competições que viram pela frente.

O Fim de Uma Era

Foto: AP

No fim de 1976, mais uma vez a Bola de Ouro da France Football foi para Munique, e uma vez mais o ganhador foi Franz Beckenbauer, que faturava a sua segunda e última conquista do prêmio.

Isso era algo que mostrava o quanto a qualidade do Beckenbauer era capaz de se destacar de maneira incrível, mesmo que jogadores como Hoeneß, Rummenigge e Müller fossem os grandes responsáveis pelo número de gols da equipe, não havia dúvidas de que o melhor jogador bávaro era aquele defensor.

Um jogador que sem bola era uma muralha, um gênio do tempo de bola e da antecipação. E com a bola, era tão técnico e cheio de classe que recebia total liberdade para avançar, armar jogadas e até defini-las.

Não é difícil ver Beckenbauer com a bola bem a frente no campo ofensivo quando se vê vídeos daquele timaço do Bayern de Munique. Era por vezes um zagueiro-meia, tal coisa só era capaz pelo que o Kaiser era: um verdadeiro gênio da bola.

Foto: Veja

A temporada de 1976-77 viu o fim da era de ouro do Bayern de Munique, e a passagem de bastão para o Borussia Mönchengladbach como o melhor time da Alemanha. Na Bundesliga, os bávaros terminaram em 7º lugar, enquanto o Borussia se sagrou tricampeão seguido da competição.

Na Champions, o Bayern viu o sonho do tetra acabar nas quartas de final, sendo eliminado pelo Dynamo de Kiev da Ucrânia, enquanto o Mönchengladbach foi vice-campeão do torneio. Vale o destaque que Müller faturou mais uma artilharia pra sua conta nessa edição da Champions League, com 5 gols.

No fim dessa temporada, o principal nome do Bayern de Munique, capitão da equipe e símbolo máximo do clube, decidiu encerrar seu ciclo. Franz Beckenbauer deixou o Bayern e assinou com o New York Cosmos dos Estados Unidos, onde se encontraria com Pelé. Der Kaiser ainda voltaria pro futebol alemão alguns anos depois, pra ter uma curta passagem no Hamburgo, antes de voltar ao Cosmos e encerrar sua carreira.

Fui para os Estados Unidos em 1977 porque queria muito jogar com Pelé no New York Cosmos. Esse tempo ao lado dele foi uma das maiores experiências da minha carreira.”

Beckenbauer

Gerd Müller eventualmente também iria para o futebol dos Estados Unidos, mas um pouco mais tarde, em 1979. Lá, ele jogou pelo FL Strikers e pelo Smith Brothers, onde encerrou sua carreira.

Uli Hoeneß deixou o Bayern em 1978 para uma curtíssima passagem no Nuremberg, mas depois voltou ao clube bávaro só para pendurar as chuteiras. Hoeneß teve uma carreira curta, que durou menos de 9 anos. Ele acabou sofrendo com sérias lesões de joelho, e naquela época era muito difícil superar esse tipo de problema físico, parando de jogar aos apenas 27 anos.

O goleirão Sepp Maier foi um jogador de apenas um clube: defendeu as cores do Bayern de Munique do primeiro até o último minuto de sua carreira profissional, que se encerrou em 1980.

Foto: Transfermarkt

Com a saída dos principais medalhões, o caminho para um novo líder e referência técnica estava aberto. E quem assumiu esse posto foi um craque mais jovem daquela equipe. O atacante que ficaria conhecido como Barão Vermelho por suas façanhas com a camisa do Bayern: Karl-Heinz Rummenigge. Ele formou uma parceria de sucesso estrondoso com Paul Breitner que retornou ao clube em 1978 – e, depois de alguns anos de ressaca do tri europeu, conseguiu fazer o Bayern retomar o império na Bundesliga. Mas isso é história para outro dia.

Depois daquela geração de ouro, o Bayern levou décadas para voltar a reconquistar a Europa. A quarta Champions League do clube só veio em 2001! Mas apesar disso, não tinha mais volta para o lugar que o clube estava.

Aquele time liderado por Müller e Beckenbauer pegou um Bayern modesto, na sombra do rival local, e o colocou no topo do mundo. Fizeram um time desconhecido ser o time mais temido. O Bayern que, antes daquela geração, havia conquistado apenas um campeonato alemão lá no início dos anos 30, hoje é o bicho papão da Alemanha, vencedor de mais de 30 campeonatos alemães, e certamente essa contagem vai aumentar muito nos próximos anos.

Em 2020, a France Football decidiu formar os 3 melhores esquadrões da história do futebol, reunindo votos de diversos jornalistas do mundo inteiro. Com isso, pudemos ver o devido reconhecimento a pelo menos dois craques históricos daquele timaço do Bayern na década de 70. Franz Beckenbauer foi escalado como zagueiro do Esquadrão A e Paul Breitner foi escalado como lateral esquerdo do Esquadrão C.

Em 15 de agosto de 2021, um dos protagonistas dessa equipe veio a falecer. Gerd Müller morreu aos 75 anos de idade, mas para sempre seu nome irá ecoar quando se falar dos maiores jogadores da história do futebol. Der Bomber segue sendo com sobras o maior artilheiro da história do Bayern, com 566 gols, e também o maior artilheiro da história da Bundesliga, com 365.

Müller é até hoje considerado um dos maiores especialistas na arte de fazer gol que o futebol já viu, tendo conquistado o número assombroso de 17 artilharias em sua carreira, com destaque pra 7 de Bundesliga, 4 da Champions League e uma toda especial na Copa do Mundo de 1970, quando foi artilheiro do torneio com 10 gols, mesmo sendo essa a Copa da maior e melhor seleção brasileira de todos os tempos, com Pelé no auge e tudo.

Foto: Reuters

Hoje, as pessoas veem um Bayern de Munique predador no futebol alemão, que conquista todos os títulos, que compra os craques dos outros times, que chega na Europa e goleia as outras equipes sem dó nem piedade.

O Bayern é também um dos clubes europeus com uma das maiores torcidas no Brasil e em vários outros lugares do mundo, que só tende a crescer. O Gigante da Baviera, como diz a alcunha, é um verdadeiro sinônimo de grandeza no futebol, dentro e fora de campo e é respeitado e temido por qualquer clube do mundo da bola.

E as coisas só são assim hoje, porque um dia aquele time dos anos 70 mudou a história do clube. Um time repleto de craques, de líderes icônicos, que jogava um futebol feroz e agressivo, que triturava seus adversários com uma mentalidade vencedora e implacável, um time que jamais será esquecido. Um time imortal.

Euro d’Or – Abril/23

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𝐎𝐅𝐈𝐂𝐈𝐀𝐋: 𝗘𝗿𝗹𝗶𝗻𝗴 𝗛𝗮𝗮𝗹𝗮𝗻𝗱 foi eleito por Euro Fut e convidados como o 𝗠𝗘𝗟𝗛𝗢𝗥 𝗝𝗢𝗚𝗔𝗗𝗢𝗥 𝗗𝗢 𝗠𝗨𝗡𝗗𝗢 no mês de abril! É a 2ª vez seguida do craque norueguês.

Todos os votos e votantes podem ser conferidos abaixo: