Benzema: O Caminho até a Bola de Ouro

Esse artigo foi originalmente escrito como roteiro para o vídeo acima.

No ano de 2022, o atacante francês Karim Benzema, do Real Madrid, foi eleito o Bola de Ouro da France Football, reconhecido por toda a comunidade do futebol como o melhor jogador do mundo, de maneira praticamente unânime. A trajetória hoje é de um cara que começou como promessa, virou chacota, e eventualmente atingiu o ápice individual do futebol.

O começo

Foto: Icon Sport/Getty

No meio dos anos 2000, Karim Benzema surgiu no Lyon como uma das grandes promessas do futebol francês. Numa época em que Thierry Henry era a grande referência dos Bleus quando se tratava da posição de centroavante, aquele jovem habilidoso do Lyon se mostrava como um possível forte sucessor. Karim era um atacante rápido, habilidoso, e com faro goleador, que não demorou muito a se tornar titular de um time que, à época, era a grande potência da Ligue 1. 

Em 4 anos atuando pelo profissional do Lyon, Benzema entrou em campo em 148 partidas, marcando 66 gols e dando 27 assistências, um número excepcional para um jogador tão jovem.

Nesse período, conquistou ainda 4 vezes a Ligue 1. Tal desempenho fez com que o Real Madrid, que na época passava por uma grande crise no aspecto esportivo, o enxergasse como um dos nomes ideais para compor um pacote de reforços pesadíssimo.

Foi então no verão de 2009 que o clube merengue contratou Xabi Alonso, Kaká, Cristiano Ronaldo, e ele: Karim Benzema. Após 5 anos consecutivos caindo nas oitavas de final da Champions League, o Real Madrid investiu pesado para mudar esse cenário, algo que no primeiro ano, com os novos reforços, acabou ainda se repetindo. 

O início merengue

Foto: Philippe Desmazes/Getty

Cristiano Ronaldo, Kaká, e Xabi eram jogadores mais consagrados, mais estabelecidos. Benzema era um grande destaque de uma liga considerada de nível mais baixo, então ainda havia uma certa dúvida de como seria ele no Real Madrid, um salto brutal em comparação ao Lyon.

Mas para conseguir seu espaço no time merengue ele não teria um caminho livre: a concorrência com o grande atacante Gonzalo Higuaín, que já estava no Real desde 2007, era inevitável. Sua primeira temporada no Real Madrid foi total de adaptação: era reserva na maior parte das vezes e portanto marcou apenas 9 gols.

Já na temporada seguinte, com a chegada de José Mourinho – que deu clara preferência para o francês e o colocou em muito mais partidas do que havia feito Manuel Pellegrini na temporada anterior – Benzema acabou indo muito melhor: jogou 48 partidas e fez 26 gols. Karim se tornou o dono da 9, e aos poucos foi deixando claro que não daria nenhum espaço para Higuaín, que eventualmente deixou o Real rumo ao Napoli.

Em 2011/12, temporada em que o Real Madrid conquistou a Liga com 100 pontos, Benzema teve uma de suas melhores temporadas na carreira: marcou 32 gols e deu 19 assistências, números de craque. Mas aí estava a grande questão: Benzema, diferente do seu parceiro de ataque Cristiano Ronaldo, não era capaz de repetir consistentemente grandes temporadas produzindo muitos gols.

Ele só voltaria a repetir tal número de 32 tentos muitos anos depois, e nesse meio tempo passou por muitas fases de duro questionamento, por parte da mídia e de torcedores também. 

Mas a dúvida quanto a capacidade de Benzema jamais veio de quem trabalhava com ele. Karim era titular absoluto com José Mourinho e assim continuou sendo com Carlo Ancelotti. Todos os anos, o francês mantinha um padrão de fazer pouco mais de 20 gols e também dar um bom número de assistências. Com ele, o Real Madrid voltou a conquistar a Champions League após mais de 10 anos.

Mas mesmo assim os questionamentos existiam. E por quê? Para tentar entender isso, primeiro é preciso entender que tipo de centroavante Karim Benzema é.

Karim Benzema

Foto: David Ramos/Getty

Benzema é o 9, mas não é o homem de área, o cara que se enfia entre os zagueiros e tem como principal função marcar um gol. O francês acaba tendo um estilo de jogo muito mais amplo e flexível, é um cara que tem uma inteligência e uma qualidade técnica que se assemelha a um 2º atacante, o que sempre o permitiu um entrosamento perfeito com Cristiano Ronaldo.

Karim era capaz de abrir espaços e facilitar a vida do português de forma brilhante, o potencializando como nenhum outro companheiro em sua carreira jamais fez. E mesmo agindo como um coadjuvante de luxo, Benzema quase sempre era capaz de entregar um número muito bom de gols produzidos. Mas para muita gente, as comparações entre ele e os outros do seu ramo eram inevitáveis, e era algo que fazia muito sua titularidade no Real Madrid ser questionada.

Afinal, olhavam para Lewandowski, Suárez e Ibrahimović marcando grandes quantidades de gols todos os anos e pensavam: por que o Real Madrid não traz um centroavante assim? E foi algo que esteve perto de ocorrer, haja vista que o próprio Lewandowski revelou que já teve discussões para jogar no Real Madrid, ainda quando atuava no Borussia Dortmund.

Em 2013, o Real Madrid também chegou a ter interesse em contratar Luisito Suárez, que na época atuava pelo Liverpool. Nada disso ocorreu e Benzema seguiu firme e forte jogando o seu futebol no Real Madrid. Mas a verdadeira fase ruim ainda estava por vir.

A queda

Foto: Fran Santiago/Getty

Quando assumiu o Real Madrid, Zinedine Zidane jamais escondeu o apreço pelo futebol do seu conterrâneo que envergava a camisa 9 merengue. Durante os anos da conquista do tri europeu, Benzema jamais deixou de ser titular da equipe, mas a verdade é que foram nesses anos que ele viveu sua pior fase como jogador do Real Madrid.

Se antes ele era o cara dos 20 e poucos gols, agora nem isso. Na temporada 2016/17, marcou apenas 19. Acredite se quiser, havia nessa época quem achasse que Álvaro Morata poderia ser titular em seu lugar, já que quando entrava o espanhol conseguia deixar os seus golzinhos, inclusive meteu 20 nessa mesma temporada.        

Se estava ruim ainda poderia piorar. Na temporada 2017/18, o KB9 marcou míseros 12 gols. Para se ter uma noção, ele jogou mais de 30 partidas de La Liga naquela temporada e marcou só 5 gols! O Paulinho, que era volante do Barcelona na época, marcou mais!

Tá certo que dos poucos gols do Benzema nessa temporada alguns foram bem decisivos, como os da semifinal da Champions e o da final naquele lance do Karius. Mas era inegável: o momento era péssimo, e não se tratava de alguns meses, eram duas temporadas em que Benzema produzia muito abaixo para o camisa 9 titular do Real Madrid. Se algo não mudasse drasticamente, era seguro dizer que o francês estaria com seus dias contados no Real.

Um novo Karim

Foto: Daniel Mihailescu/Getty

E aí, aconteceu. Em 2018, Cristiano Ronaldo deixou o Real Madrid.

Um enorme baque para o clube merengue, que perdia seu grande goleador justamente quando o outro atacante do time vivia uma péssima fase. O cenário para a temporada 2018/19 era esse: o Real Madrid não trouxe alguém para tentar repor a saída de CR7, então Benzema teria que colocar a viola no saco e assumir a responsa de ser o homem-gol do Real Madrid. O maior desafio de sua carreira começava ali. E diferente do que muitos pudessem pensar, para ele, nada poderia ser melhor. 

A saída de Cristiano abriu uma vaga de protagonismo no Real Madrid que muitos acreditavam que seria preenchido por Gareth Bale, mas esse acabou não sendo o caso. O francês começou a se entrosar com o recém-chegado Vinícius Jr e os dois deram lampejos do que acabaria se tornando uma das parcerias mais fortes do futebol europeu.

Em 2018/19, a péssima temporada do Real Madrid não conseguiu impedir que Benzema melhorasse – por muita coisa – seus números em relação à temporada anterior. De 12 gols, o camisa 9 saltou para 30, e ainda manteve sua boa média de assistências. Já na casa dos seus 30 anos, Benzema parecia estar atingindo um auge inesperado. Sua melhor versão ainda estava por vir.

Em 2019/20, com o retorno de Zidane ao comando do time do Real Madrid, Benzema seguiu como carro-chefe da equipe e foi um dos nomes mais decisivos da La Liga naquela temporada – vencida pelo Madrid – com ele ficando muito próximo da artilharia. Seus 27 gols na temporada confirmaram a nova era goleadora do francês, que passava a ganhar mais reconhecimento, pouco a pouco. Em 2020/21, em mais uma temporada muito conturbada do clube merengue, mais uma vez Benzema não deixou a peteca cair, marcando 30 gols pelo time. 

O desempenho do camisa 9 havia saltado tanto durante os anos pós-CR7 que uma coisa antes impensável aconteceu: ele foi novamente chamado para defender a Seleção Francesa, que ele não frequentava desde 2015, após o incidente escandaloso de chantagem com Valbuena.

Nessa temporada, ajudou os Les Bleus a vencer a Nations League, com direito a gol na final. Atuou também pela Eurocopa, onde mesmo com a França eliminada mais cedo ainda conseguiu guardar 4 gols. A temporada 2020/21 de Karim Benzema havia sido excepcional, quiçá a sua melhor individualmente. O reflexo disso veio na Bola de Ouro: o francês ficou na 4ª colocação do ranking, e até poderia tranquilamente estar no top 3. Essa foi sua melhor colocação de sempre na premiação. Mas só até a temporada 2021/22.

Benzema: O melhor do mundo

Foto:David Ramos/Getty

Na temporada 2021/22, com Carlo Ancelotti de volta ao comando técnico, o Real Madrid recebia um Benzema cada vez mais forte e confiante. O francês havia superado os questionamentos quanto aos seus números de gols e confirmado o jogador excepcional que era. E melhor: para isso ele não precisou mudar seu jogo. Karim continuava sendo um 9 extremamente móvel e continuava saindo da área para armar jogadas e participar do ataque como se todo o sistema ofensivo do time fosse representado por ele.

O homem era um atacante completo na concepção da palavra e agora, além de tudo, entregava um grande número de gols. A grande questão era aonde o Real Madrid poderia chegar com ele liderando a equipe. 

Felizmente – para o Real Madrid e para Benzema – em 2021/22, Vinícius Jr saltou de um jovem em evolução para um dos melhores jogadores do mundo. O francês e o brasileiro montaram uma dupla de ataque simplesmente infernal, que não mirava coisa pequena: o objetivo era vencer La Liga e a 14ª Champions League merengue.

No campeonato espanhol, o time de Ancelotti não deu a menor chance para quem quisesse competir e liderou a competição durante quase toda ela. Benzema entregou o seu melhor desempenho individual em uma liga durante toda a sua carreira, marcando 27 gols e sendo, finalmente, vencedor do troféu Pichichi, a artilharia de La Liga. 

A temporada de Benzema por si só foi excepcional em diversos aspectos, não apenas pelo seu ótimo número de gols. Mas houve um fato específico que causou uma mudança de chave e deu início a uma das versões mais assombrosas de um atacante em toda a história da Champions League:

Foi em uma noite europeia, no Santiago Bernabéu, em que o Real Madrid enfrentava e era derrotado pelo Paris Saint-Germain. No jogo de ida, Benzema voltava de lesão e fez uma partida muito apagada, sem ritmo. Na volta, a grande questão era se Karim conseguiria se provar, além de tudo, um jogador capaz de mudar o rumo da história em um momento adverso.

Ele tomou o desafio pra si e não decepcionou. Quando o Real perdia por 2 gols de vantagem e era eliminado nas oitavas de final da Champions, quase que como uma força da natureza, ele virou o jogo com um hat-trick insano, que teve apenas 17 minutos de intervalo entre o 1º e o 3º gol. Em uma noite de Di Stéfano, Benzema classificou o Madrid e ultrapassou a lenda argentina na artilharia histórica do clube. Havia sido apenas uma noite de sorte? As próximas semanas responderiam.

Nas quartas de final, o adversário no caminho merengue era o Chelsea, atual campeão da Orelhuda. Na ida, em Stamford Bridge, ele fez de novo. Londres viu mais uma vez Benzema marcar um hat-trick histórico no mata-mata da Champions League. Naquela altura, ele já era o jogador francês com mais gols em uma edição de Champions. No jogo de volta, ele conseguiu mais uma vez ser decisivo, marcando na prorrogação o gol da classificação para a semifinal. 

Agora quem vinha no caminho era o Manchester City. Benzema já era considerado o grande jogador da temporada europeia, mas agora teria pela frente um dos times mais mortíferos do planeta. Ele olhou para isso e deu risada.

O francês já havia feito um golaço no jogo, quando no segundo tempo saiu um pênalti para o Real Madrid. Benzema foi pra bola, bateu de cavadinha e saiu rindo pra comemorar, sendo que o time ainda perdia naquela altura. Era uma confiança absurda, quase que uma certeza de que a vitória, no fim, seria do Real Madrid. E assim seria.

No jogo da volta, após os gols de Rodrygo levarem o jogo para a prorrogação, ficou a cargo de Benzema definir o confronto, mais uma vez sendo decisivo na prorrogação. Naquela noite, Benzema igualou um recorde histórico de 10 gols no mata-mata da Champions e mandou uma mensagem através do seu jogo e dos seus números: a Bola de Ouro é minha. 

Foto: Aurelien Meunier/Getty

O Real Madrid venceu a final da Champions League e fechou com chave de ouro uma temporada histórica. Histórica muito por conta do desempenho de jogadores como Vinícius Jr, Luka Modric, Rodrygo, Thibaut Courtois, entre muitos outros. Mas especialmente, sem dúvida, por conta de Karim Benzema. Com 44 gols e 15 assistências pelo Real, ele teve de longe a temporada de sua vida. Artilheiro de La Liga, artilheiro da Champions League, jogador mais decisivo do mundo. O futebol europeu se rendeu ao camisa 9 merengue. 

Na temporada atual, Benzema já colheu alguns espólios de 2021/22. Marcou na Supercopa da UEFA e entrou para a história ao ultrapassar Raúl como segundo maior artilheiro da história do Real Madrid. No dia do sorteio da fase de grupos da Champions, recebeu da UEFA o prêmio de melhor jogador da Europa. Mas o espólio principal ainda está por vir e é algo com que ele há muito tempo sonhava.

“Bola de Ouro é um objetivo que tive sempre em mente. Quando Cristiano Ronaldo ganhou no passado e recebeu o prêmio diante da torcida, no Bernabéu, fiquei feliz por ele. Feliz por fazer parte da sua história, mas, depois, pensei: ‘Claro, também quero ganhar’. Posso dizer que nunca estive tão perto de ganhar, fruto das minhas atuações, pelo que fiz aqui nos últimos três ou quatro anos. Podemos dizer que não estou tão longe”.

Benzema foi por muito tempo subestimado e até desrespeitado: pela mídia, pelos haters e até pelos torcedores do seu próprio clube. Mas a melhor resposta que ele deu não foi com um microfone, mas sim com a bola. Benzema renasceu, atingiu sua melhor versão já como um veterano e deixou o campo e a bola falarem por ele. Apesar de durante quase toda a sua carreira os holofotes estarem em outros lugares, no dia 17 de outubro todos estarão nele. Como ele mesmo já disse, joga futebol para os que entendem de futebol, mas em 2021/22, ele jogou para todos, e até o mais leigo e ignorante sabe da mais absoluta verdade da bola: Karim Benzema se tornou o melhor jogador do mundo. 

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Yuri Dantas
Yuri Dantas
Membro do Euro Fut há mais de 7 anos. Escrevi mais de 100 roteiros pro canal, hoje trabalho nas redes sociais e comento no Euro Cast. Tenho também meu próprio canal no YouTube - Yuri Dantas.

Vale a pena conferir

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