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Benzema: O Caminho até a Bola de Ouro

Esse artigo foi originalmente escrito como roteiro para o vídeo acima.

No ano de 2022, o atacante francês Karim Benzema, do Real Madrid, foi eleito o Bola de Ouro da France Football, reconhecido por toda a comunidade do futebol como o melhor jogador do mundo, de maneira praticamente unânime. A trajetória hoje é de um cara que começou como promessa, virou chacota, e eventualmente atingiu o ápice individual do futebol.

O começo

Foto: Icon Sport/Getty

No meio dos anos 2000, Karim Benzema surgiu no Lyon como uma das grandes promessas do futebol francês. Numa época em que Thierry Henry era a grande referência dos Bleus quando se tratava da posição de centroavante, aquele jovem habilidoso do Lyon se mostrava como um possível forte sucessor. Karim era um atacante rápido, habilidoso, e com faro goleador, que não demorou muito a se tornar titular de um time que, à época, era a grande potência da Ligue 1. 

Em 4 anos atuando pelo profissional do Lyon, Benzema entrou em campo em 148 partidas, marcando 66 gols e dando 27 assistências, um número excepcional para um jogador tão jovem.

Nesse período, conquistou ainda 4 vezes a Ligue 1. Tal desempenho fez com que o Real Madrid, que na época passava por uma grande crise no aspecto esportivo, o enxergasse como um dos nomes ideais para compor um pacote de reforços pesadíssimo.

Foi então no verão de 2009 que o clube merengue contratou Xabi Alonso, Kaká, Cristiano Ronaldo, e ele: Karim Benzema. Após 5 anos consecutivos caindo nas oitavas de final da Champions League, o Real Madrid investiu pesado para mudar esse cenário, algo que no primeiro ano, com os novos reforços, acabou ainda se repetindo. 

O início merengue

Foto: Philippe Desmazes/Getty

Cristiano Ronaldo, Kaká, e Xabi eram jogadores mais consagrados, mais estabelecidos. Benzema era um grande destaque de uma liga considerada de nível mais baixo, então ainda havia uma certa dúvida de como seria ele no Real Madrid, um salto brutal em comparação ao Lyon.

Mas para conseguir seu espaço no time merengue ele não teria um caminho livre: a concorrência com o grande atacante Gonzalo Higuaín, que já estava no Real desde 2007, era inevitável. Sua primeira temporada no Real Madrid foi total de adaptação: era reserva na maior parte das vezes e portanto marcou apenas 9 gols.

Já na temporada seguinte, com a chegada de José Mourinho – que deu clara preferência para o francês e o colocou em muito mais partidas do que havia feito Manuel Pellegrini na temporada anterior – Benzema acabou indo muito melhor: jogou 48 partidas e fez 26 gols. Karim se tornou o dono da 9, e aos poucos foi deixando claro que não daria nenhum espaço para Higuaín, que eventualmente deixou o Real rumo ao Napoli.

Em 2011/12, temporada em que o Real Madrid conquistou a Liga com 100 pontos, Benzema teve uma de suas melhores temporadas na carreira: marcou 32 gols e deu 19 assistências, números de craque. Mas aí estava a grande questão: Benzema, diferente do seu parceiro de ataque Cristiano Ronaldo, não era capaz de repetir consistentemente grandes temporadas produzindo muitos gols.

Ele só voltaria a repetir tal número de 32 tentos muitos anos depois, e nesse meio tempo passou por muitas fases de duro questionamento, por parte da mídia e de torcedores também. 

Mas a dúvida quanto a capacidade de Benzema jamais veio de quem trabalhava com ele. Karim era titular absoluto com José Mourinho e assim continuou sendo com Carlo Ancelotti. Todos os anos, o francês mantinha um padrão de fazer pouco mais de 20 gols e também dar um bom número de assistências. Com ele, o Real Madrid voltou a conquistar a Champions League após mais de 10 anos.

Mas mesmo assim os questionamentos existiam. E por quê? Para tentar entender isso, primeiro é preciso entender que tipo de centroavante Karim Benzema é.

Karim Benzema

Foto: David Ramos/Getty

Benzema é o 9, mas não é o homem de área, o cara que se enfia entre os zagueiros e tem como principal função marcar um gol. O francês acaba tendo um estilo de jogo muito mais amplo e flexível, é um cara que tem uma inteligência e uma qualidade técnica que se assemelha a um 2º atacante, o que sempre o permitiu um entrosamento perfeito com Cristiano Ronaldo.

Karim era capaz de abrir espaços e facilitar a vida do português de forma brilhante, o potencializando como nenhum outro companheiro em sua carreira jamais fez. E mesmo agindo como um coadjuvante de luxo, Benzema quase sempre era capaz de entregar um número muito bom de gols produzidos. Mas para muita gente, as comparações entre ele e os outros do seu ramo eram inevitáveis, e era algo que fazia muito sua titularidade no Real Madrid ser questionada.

Afinal, olhavam para Lewandowski, Suárez e Ibrahimović marcando grandes quantidades de gols todos os anos e pensavam: por que o Real Madrid não traz um centroavante assim? E foi algo que esteve perto de ocorrer, haja vista que o próprio Lewandowski revelou que já teve discussões para jogar no Real Madrid, ainda quando atuava no Borussia Dortmund.

Em 2013, o Real Madrid também chegou a ter interesse em contratar Luisito Suárez, que na época atuava pelo Liverpool. Nada disso ocorreu e Benzema seguiu firme e forte jogando o seu futebol no Real Madrid. Mas a verdadeira fase ruim ainda estava por vir.

A queda

Foto: Fran Santiago/Getty

Quando assumiu o Real Madrid, Zinedine Zidane jamais escondeu o apreço pelo futebol do seu conterrâneo que envergava a camisa 9 merengue. Durante os anos da conquista do tri europeu, Benzema jamais deixou de ser titular da equipe, mas a verdade é que foram nesses anos que ele viveu sua pior fase como jogador do Real Madrid.

Se antes ele era o cara dos 20 e poucos gols, agora nem isso. Na temporada 2016/17, marcou apenas 19. Acredite se quiser, havia nessa época quem achasse que Álvaro Morata poderia ser titular em seu lugar, já que quando entrava o espanhol conseguia deixar os seus golzinhos, inclusive meteu 20 nessa mesma temporada.        

Se estava ruim ainda poderia piorar. Na temporada 2017/18, o KB9 marcou míseros 12 gols. Para se ter uma noção, ele jogou mais de 30 partidas de La Liga naquela temporada e marcou só 5 gols! O Paulinho, que era volante do Barcelona na época, marcou mais!

Tá certo que dos poucos gols do Benzema nessa temporada alguns foram bem decisivos, como os da semifinal da Champions e o da final naquele lance do Karius. Mas era inegável: o momento era péssimo, e não se tratava de alguns meses, eram duas temporadas em que Benzema produzia muito abaixo para o camisa 9 titular do Real Madrid. Se algo não mudasse drasticamente, era seguro dizer que o francês estaria com seus dias contados no Real.

Um novo Karim

Foto: Daniel Mihailescu/Getty

E aí, aconteceu. Em 2018, Cristiano Ronaldo deixou o Real Madrid.

Um enorme baque para o clube merengue, que perdia seu grande goleador justamente quando o outro atacante do time vivia uma péssima fase. O cenário para a temporada 2018/19 era esse: o Real Madrid não trouxe alguém para tentar repor a saída de CR7, então Benzema teria que colocar a viola no saco e assumir a responsa de ser o homem-gol do Real Madrid. O maior desafio de sua carreira começava ali. E diferente do que muitos pudessem pensar, para ele, nada poderia ser melhor. 

A saída de Cristiano abriu uma vaga de protagonismo no Real Madrid que muitos acreditavam que seria preenchido por Gareth Bale, mas esse acabou não sendo o caso. O francês começou a se entrosar com o recém-chegado Vinícius Jr e os dois deram lampejos do que acabaria se tornando uma das parcerias mais fortes do futebol europeu.

Em 2018/19, a péssima temporada do Real Madrid não conseguiu impedir que Benzema melhorasse – por muita coisa – seus números em relação à temporada anterior. De 12 gols, o camisa 9 saltou para 30, e ainda manteve sua boa média de assistências. Já na casa dos seus 30 anos, Benzema parecia estar atingindo um auge inesperado. Sua melhor versão ainda estava por vir.

Em 2019/20, com o retorno de Zidane ao comando do time do Real Madrid, Benzema seguiu como carro-chefe da equipe e foi um dos nomes mais decisivos da La Liga naquela temporada – vencida pelo Madrid – com ele ficando muito próximo da artilharia. Seus 27 gols na temporada confirmaram a nova era goleadora do francês, que passava a ganhar mais reconhecimento, pouco a pouco. Em 2020/21, em mais uma temporada muito conturbada do clube merengue, mais uma vez Benzema não deixou a peteca cair, marcando 30 gols pelo time. 

O desempenho do camisa 9 havia saltado tanto durante os anos pós-CR7 que uma coisa antes impensável aconteceu: ele foi novamente chamado para defender a Seleção Francesa, que ele não frequentava desde 2015, após o incidente escandaloso de chantagem com Valbuena.

Nessa temporada, ajudou os Les Bleus a vencer a Nations League, com direito a gol na final. Atuou também pela Eurocopa, onde mesmo com a França eliminada mais cedo ainda conseguiu guardar 4 gols. A temporada 2020/21 de Karim Benzema havia sido excepcional, quiçá a sua melhor individualmente. O reflexo disso veio na Bola de Ouro: o francês ficou na 4ª colocação do ranking, e até poderia tranquilamente estar no top 3. Essa foi sua melhor colocação de sempre na premiação. Mas só até a temporada 2021/22.

Benzema: O melhor do mundo

Foto:David Ramos/Getty

Na temporada 2021/22, com Carlo Ancelotti de volta ao comando técnico, o Real Madrid recebia um Benzema cada vez mais forte e confiante. O francês havia superado os questionamentos quanto aos seus números de gols e confirmado o jogador excepcional que era. E melhor: para isso ele não precisou mudar seu jogo. Karim continuava sendo um 9 extremamente móvel e continuava saindo da área para armar jogadas e participar do ataque como se todo o sistema ofensivo do time fosse representado por ele.

O homem era um atacante completo na concepção da palavra e agora, além de tudo, entregava um grande número de gols. A grande questão era aonde o Real Madrid poderia chegar com ele liderando a equipe. 

Felizmente – para o Real Madrid e para Benzema – em 2021/22, Vinícius Jr saltou de um jovem em evolução para um dos melhores jogadores do mundo. O francês e o brasileiro montaram uma dupla de ataque simplesmente infernal, que não mirava coisa pequena: o objetivo era vencer La Liga e a 14ª Champions League merengue.

No campeonato espanhol, o time de Ancelotti não deu a menor chance para quem quisesse competir e liderou a competição durante quase toda ela. Benzema entregou o seu melhor desempenho individual em uma liga durante toda a sua carreira, marcando 27 gols e sendo, finalmente, vencedor do troféu Pichichi, a artilharia de La Liga. 

A temporada de Benzema por si só foi excepcional em diversos aspectos, não apenas pelo seu ótimo número de gols. Mas houve um fato específico que causou uma mudança de chave e deu início a uma das versões mais assombrosas de um atacante em toda a história da Champions League:

Foi em uma noite europeia, no Santiago Bernabéu, em que o Real Madrid enfrentava e era derrotado pelo Paris Saint-Germain. No jogo de ida, Benzema voltava de lesão e fez uma partida muito apagada, sem ritmo. Na volta, a grande questão era se Karim conseguiria se provar, além de tudo, um jogador capaz de mudar o rumo da história em um momento adverso.

Ele tomou o desafio pra si e não decepcionou. Quando o Real perdia por 2 gols de vantagem e era eliminado nas oitavas de final da Champions, quase que como uma força da natureza, ele virou o jogo com um hat-trick insano, que teve apenas 17 minutos de intervalo entre o 1º e o 3º gol. Em uma noite de Di Stéfano, Benzema classificou o Madrid e ultrapassou a lenda argentina na artilharia histórica do clube. Havia sido apenas uma noite de sorte? As próximas semanas responderiam.

Nas quartas de final, o adversário no caminho merengue era o Chelsea, atual campeão da Orelhuda. Na ida, em Stamford Bridge, ele fez de novo. Londres viu mais uma vez Benzema marcar um hat-trick histórico no mata-mata da Champions League. Naquela altura, ele já era o jogador francês com mais gols em uma edição de Champions. No jogo de volta, ele conseguiu mais uma vez ser decisivo, marcando na prorrogação o gol da classificação para a semifinal. 

Agora quem vinha no caminho era o Manchester City. Benzema já era considerado o grande jogador da temporada europeia, mas agora teria pela frente um dos times mais mortíferos do planeta. Ele olhou para isso e deu risada.

O francês já havia feito um golaço no jogo, quando no segundo tempo saiu um pênalti para o Real Madrid. Benzema foi pra bola, bateu de cavadinha e saiu rindo pra comemorar, sendo que o time ainda perdia naquela altura. Era uma confiança absurda, quase que uma certeza de que a vitória, no fim, seria do Real Madrid. E assim seria.

No jogo da volta, após os gols de Rodrygo levarem o jogo para a prorrogação, ficou a cargo de Benzema definir o confronto, mais uma vez sendo decisivo na prorrogação. Naquela noite, Benzema igualou um recorde histórico de 10 gols no mata-mata da Champions e mandou uma mensagem através do seu jogo e dos seus números: a Bola de Ouro é minha. 

Foto: Aurelien Meunier/Getty

O Real Madrid venceu a final da Champions League e fechou com chave de ouro uma temporada histórica. Histórica muito por conta do desempenho de jogadores como Vinícius Jr, Luka Modric, Rodrygo, Thibaut Courtois, entre muitos outros. Mas especialmente, sem dúvida, por conta de Karim Benzema. Com 44 gols e 15 assistências pelo Real, ele teve de longe a temporada de sua vida. Artilheiro de La Liga, artilheiro da Champions League, jogador mais decisivo do mundo. O futebol europeu se rendeu ao camisa 9 merengue. 

Na temporada atual, Benzema já colheu alguns espólios de 2021/22. Marcou na Supercopa da UEFA e entrou para a história ao ultrapassar Raúl como segundo maior artilheiro da história do Real Madrid. No dia do sorteio da fase de grupos da Champions, recebeu da UEFA o prêmio de melhor jogador da Europa. Mas o espólio principal ainda está por vir e é algo com que ele há muito tempo sonhava.

“Bola de Ouro é um objetivo que tive sempre em mente. Quando Cristiano Ronaldo ganhou no passado e recebeu o prêmio diante da torcida, no Bernabéu, fiquei feliz por ele. Feliz por fazer parte da sua história, mas, depois, pensei: ‘Claro, também quero ganhar’. Posso dizer que nunca estive tão perto de ganhar, fruto das minhas atuações, pelo que fiz aqui nos últimos três ou quatro anos. Podemos dizer que não estou tão longe”.

Benzema foi por muito tempo subestimado e até desrespeitado: pela mídia, pelos haters e até pelos torcedores do seu próprio clube. Mas a melhor resposta que ele deu não foi com um microfone, mas sim com a bola. Benzema renasceu, atingiu sua melhor versão já como um veterano e deixou o campo e a bola falarem por ele. Apesar de durante quase toda a sua carreira os holofotes estarem em outros lugares, no dia 17 de outubro todos estarão nele. Como ele mesmo já disse, joga futebol para os que entendem de futebol, mas em 2021/22, ele jogou para todos, e até o mais leigo e ignorante sabe da mais absoluta verdade da bola: Karim Benzema se tornou o melhor jogador do mundo. 

Euro d’Or – Setembro/22

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Lionel Messi foi eleito por Euro Fut e convidados como o Melhor do Mundo no mês de Setembro!

Todos os votos e votantes podem ser conferidos abaixo:

Times Imortais: o Arsenal dos Invencíveis

Esse artigo foi escrito originalmente como roteiro para o vídeo acima, disponível no canal Euro Fut.

Na série Times Imortais nós falamos de times que marcaram época, tiveram jogadores lendários e venceram títulos de maneira marcante e que os deixaram para todo o sempre na história do esporte. Mas o time de hoje não é só Imortal, ele é também Invencível. Hoje você vai conhecer a história de um dos melhores times ingleses da história, o Arsenal de 2003/2004 comandado por Arsène Wenger e que venceu a Premier League de maneira invicta: o Arsenal dos Invencíveis.

1996 – O começo de uma nova era

Foto: The Asahi Shimbun/Getty

Para falar desse timaço e dessa conquista é impossível não começar da contratação mais importante que essa equipe já fez: o técnico Arsène Wenger.

O Wenger era treinador do AS Monaco, cujo comandou por sete temporadas, instaurando lá uma revolução no clube, com mudanças desde aos treinamentos até à dieta dos jogadores, e com isso venceu logo na sua primeira temporada o título da Liga Francesa, além de chegar até a uma semifinal de Copa Europeia, hoje a Champions.

Após os sete anos ele vai treinar o Nagoya Grampus no Japão e tem um ano muito bem sucedido, onde muda o nível do clube e vence taças, se tornando símbolo no time e na própria liga japonesa, o que fez brilhar o olho do próprio Wenger com uma vontade de sair para treinar um time de maior expressão na Europa.

Wenger chega no Arsenal

Foto: David Cheskin – PA Images/Getty

É então em 1996 que o Arsenal precisava de um técnico e acredite se quiser: um dos nomes mais ventilados lá dentro era o de Johan Cruyff! Só que o lendário treinador holandês tinha acabado de sair do Barcelona dizendo que queria dar um tempo do futebol, e então a diretoria optou pelo desconhecido – pelo menos na Inglaterra – Arsène Wenger. Nem todo mundo gostou: ir (na especulação) de um dos maiores técnicos da história para um francês que estava no Japão parecia o clube não sendo ambicioso o bastante. Existia também um preconceito por parte da imprensa que acreditava que, por ele ser estrangeiro, “não sabia nada sobre o futebol inglês” e não era a escolha certa para um time como o Arsenal.

Ele chega e como sempre implementa suas filosofias, mudando o treinamento e dieta dos atletas, o que não agradou a todos. Tem até uma anedota curiosa do primeiro jogo do Wenger, quando depois de banir os doces dos jogadores eles no ônibus teriam cantado algo como “Queremos nosso chocolate” para tentar fazer a cabeça dele, mas não rolou e eles ficaram só no frango com batata doce mesmo.

“O que é realmente terrível é a dieta na inglaterra. O dia inteiro você bebe chá com leite e café com bolo. se você fosse escolher o que não comer como esportista, é o que tem aqui”

DO LIVRO ARSENE WENGER: THE INSIDE STORY OF ARSENAL UNDER WENGER

O sucesso não é imediato mas ainda assim é rápido: com hoje lendas do clube como Ian Wright, Bergkamp, Vieira e craques como Overmars e Anelka, os “chocólatras do Wenger” vencem a Premier League e a FA Cup na temporada 1997/1998, com a dobradinha sendo o primeiro sinal de que o trabalho do treinador estava dando resultado e mostrou que ele ser estrangeiro não era nenhum problema, muito pelo contrário: como ele mesmo diz, significou uma mudança na cultura do futebol de um time que passou de monocultural para multicultural desde sua chegada.

Nos próximos anos os títulos não vêm, mas não era por culpa do trabalho dele não, e sim por causa do Alex Ferguson, que no comando do Manchester United ganhava título a rodo e não deixava pra mais ninguém, com o Arsenal sendo vice dele na Premier League por três anos consecutivos.

Nesse período o time tem perdas como a saída do Ian Wright, do Overmars e do Anelka, mas vai se encorpando com reforços importantes como o meia Robert Pires vindo do Marseille; o ponta sueco Ljungberg; os laterais Lauren, camaronês, pela direita, e a cria da base Ashley Cole pela esquerda; além de uma das maiores surpresas de todas as janelas de transferências: a virada de casaca do zagueirão Sol Campbell, indo para o Arsenal depois de ter passado quase uma década defendendo o maior rival do clube, o Tottenham, no que foi considerada uma das maiores traições de todos os tempos do futebol.

A chegada do craque Thierry Henry

Foto: John Gichigi/Getty

Todos esses nomes contribuíram para a equipe, mas um cara em especial merece destaque: Thierry Henry. 

O atacante francês é cria das categorias de base do Monaco e inclusive foi revelado pelo próprio Arsène Wenger quando ele estava lá, só virando titular mesmo quando o técnico já havia saído. É lá onde ele se destaca como um jogador importante mas até então de poucos gols, fazendo parte da seleção da França que vence a Copa de 1998. Isso tudo chama a atenção da Juventus, que o contrata naquele mesmo ano.  

Lá ele não deu muito certo, estava jogando mais aberto e longe do gol o que não era a dele, e depois de pouquíssimo tempo é contratado pelo Arsenal em 1999, se reencontrando com o Wenger como a contratação mais cara da história do clube custando 11 milhões de libras. E o investimento deu retorno, porque se até aqui ele marcava pouco, o Wenger transforma ele numa máquina de gols. Pra se ter uma noção, pelo Monaco e Juventus em suas 5 temporadas como profissional ele havia marcado 31 gols, e já na sua primeira temporada com o Arsenal ele marca 26, mostrando um novo lado muito mais artilheiro.

Chega então a temporada 2001/2002, e esse time liderado pelo Henry quebra a seca e vence novamente o doblete, com 32 gols do francês na temporada onde venceu a Premier League e a FA Cup com o que já era chamado de Wengerball, o estilo do time de jogar com passes rápidos e objetivos com um futebol ofensivo e que encantava a quem assistia, além de ser sólido defensivamente.

Na temporada 2002/2003 o time estava a todo o vapor e o Wenger deu uma declaração que deixou bastante gente surpresa:

Não é impossível passar a temporada inteira sem perder e não entendo por que é chocante dizer isso.

A ideia de que um time passaria uma temporada inteira de Premier League, super competitiva do jeito que é, sem perder um mísero jogo sequer era insana. E pra delírio de quem duvidava, de fato parecia impossível: apenas na 10ª rodada da Premier League o Arsenal perde para o Everton fora de casa, e a derrota foi amarga não só pra sequência invicta como pro restante da temporada, com o clube perdendo mais algumas depois e eventualmente sendo o Manchester United mais uma vez que levantava o caneco.

Craques da europa, futebol envolvente e títulos importantes já eram o bastante pra deixar esse time reconhecido como um dos bons daquele período, mas o que aconteceu a seguir é o que tornou o time Invencível.

2003/2004 – Os Invencíveis

Pra começar a temporada 2003/2004 o Arsenal passou longe de ter reforços importantes como nos anos anteriores, e talvez o único deles tenha sido o goleiro Jens Lehmann, vindo para substituir o ídolo David Seaman que havia saído para o Manchester City. Parecia pouco pra um time que queria disputar o título da Premier League, mas só parecia mesmo.

Dito isso, já dá pra gente montar o time titular do Arsenal para aquela temporada: 

O esquema normalmente era um 4-4-2. No gol o Lehmann, que era aquele goleiro moderno e que salvava o time de vez em quando. Na lateral direita o consistente Lauren, e na zaga o experiente Sol Campbell fazia dupla com o jovem Kolo Touré, que havia chegado no clube no ano anterior, com o também novinho Ashley Cole completando pela lateral esquerda, já nessa época absurdo pelo ataque, às vezes quase que como um ponta mesmo. 

Na cabeça de área ficava Gilberto Silva, que também chegou no clube no ano anterior vindo do Atlético Mineiro depois de se destacar na Copa do Mundo daquele ano sendo uma espécie de carregador de piano para caras como o Ronaldinho, Ronaldo e Rivaldo, e foi pra fazer essa mesma função defensiva que ele chega no clube londrino. Fazendo dupla com ele o francês Patrick Vieira, o capitão da equipe que era um meio campiqsta box to box, que muito pela solidez da “Muralha Invisível” – apelido do Gilberto Silva –  conseguia se mandar para o ataque e ser diversas vezes o elemento surpresa da equipe.

Na meia/ponta direita ficava o sueco Ljungberg, que não era nenhum gênio da bola mas era peça fundamental pela sua velocidade e disposição ali no flanco direito do time. Na esquerda jogava Robert Pires, ele sim um jogador extremamente habilidoso, capaz de tirar um coelho da cartola quando ia pra cima dos adversários.

O primeiro nome da frente não era bem um homem de área, e sim uma espécie de segundo atacante ou até meia-atacante: Dennis Bergkamp. O camisa 10 da equipe flutuava bastante e era o grande cérebro da equipe, mesmo que aos 35 anos já não tivesse a mesma disposição de antigamente, e formava uma ótima dupla com o craque da equipe, Thierry Henry, que em dia de jogo do Arsenal só não fazia chover mesmo: criava jogadas, ia pra cima dos adversários com um drible fora do comum – até gol de falta o homem fazia – e era a peça perfeita para um time que encantava a todos que o assistiam. Isso sem contar em caras como o zagueiro Keown, os meias Parlour e Edu Gaspar e os atacantes Wiltord e Kanu, que compunham o elenco do time e sempre entravam nas partidas.

Um começo implacável

Foto: ODD ANDERSEN/Getty

O começo da temporada foi arrasador, e com esse time voando depois de 4 vitórias e 1 empate chegava o confronto contra o Manchester United lá no Old Trafford. Pode parecer exagero, afinal era só a sexta rodada, mas não era nenhum absurdo dizer que essa já era a final antecipada do campeonato. Sim, na 6ª rodada. Isso porque os dois times passaram os últimos anos se alternando em ganhar a Premier League, e quem ganhasse esse confronto ganharia aquele impulso que poderia ser o diferencial pra vencer o campeonato. 

Essa partida ficou conhecida como “A Batalha de Old Trafford”, e como você deve imaginar pelo nome o jogo foi bastante pegado, com chances pra um lado e para o outro mas com o placar ficando no 0x0 na maior parte do tempo.

O Arsenal não estava com o ataque afiado como de costume e, pra piorar a situação, nos 32 do segundo tempo o capitão Vieira leva o segundo amarelo e é expulso depois de dar “um chute” no van Nistelrooy – só que o chute não chegou a acertar, deixando os Gunners indignados.

O clima estava pesado mas o Arsenal soube se defender bem com um a menos… até que no último minuto do jogo, aos 47 do segundo tempo, o zagueirão Keown comete uma falta no Forlán dentro da área… e é pênalti para o Manchester United.

Tudo indicava o fim de um sonho, com o time londrino mais uma vez perdendo a invencibilidade no comecinho da temporada. O van Nistelrooy pega a bola pra bater o pênalti, e nessa hora a torcida do Arsenal prende a respiração, cada segundo que passava pesando uma tonelada.

Nas palavras de Arsène Wenger:

A vida é sobre milímetros. A gente fala dos “Invencíveis”, mas por questão de milímetros eles não existiriam. 

Van Nistelrooy se prepara para a batida, corre pra bola e mete um pancadão nela: o chute explode no travessão, a bola vai para longe do gol e continua o 0x0. Não era pra essa bola entrar. O árbitro apita o fim da partida, com o empate tendo gosto de vitória em final de campeonato.

Para a torcida e para os jogadores, o Arsenal mantinha sua invencibilidade “contra tudo e contra todos”, depois do que eles acreditaram ser um erro na expulsão do Vieira e no pênalti marcado no Forlán. A impressão que dava era que se nem assim eles perderiam uma partida, então não tinha como vencê-los. Esse jogo deu uma casca para a equipe, mais unida do que nunca, que a partir desse momento sabia que passar a temporada sem perder não era uma ideia absurda: parecia destino. Como disse o Vieira:

Não é só sobre o talento que a gente tinha. A gente poderia ir para uma guerra.

O Arsenal vai então ganhando e ganhando – e empatando também, é verdade – mas sem perder nenhum jogo, inclusive engrenando 9 vitórias seguidas já na segunda metade da temporada. Nesse momento a confiança era tanta que eles não queriam só ganhar a Premier League, mas a tríplice coroa.

O pior mês daquela campanha

Foto: Nigel French – EMPICS/Getty

Mas se tem um ponto baixo dessa equipe foi o mês de Abril de 2004. O Arsenal enfrentava o Manchester United pela semifinal da FA Cup, sendo que alguns dias depois pegava o Chelsea pelas Quartas da Champions. Pedreira. E agora, o que fazer? Priorizar a Champions e deixar a FA Cup de lado? Ou ir com força total em todas as competições? Como o objetivo era ganhar tudo, foi por isso que optou o Wenger. Só que não deu certo.

Contra o Manchester United, o time titular perde de 1×0 e é eliminado da FA Cup no que foi um baita baque para os jogadores. No final das contas o time não era realmente imbatível.

Três dias depois pegava agora o Chelsea em casa para o segundo jogo da Champions, após ter empatado em 1×1 pela primeira partida das Quartas. O Arsenal até abre o placar no primeiro tempo, só que depois toma dois gols no segundo, sendo o primeiro em uma falha incomum do Lehman, e o da virada no finalzinho da partida, numa rara falha de marcação. Na mesma semana o clube era eliminado da FA Cup e agora também da Champions League. Esse era o pior momento do time na temporada, que via agora a pressão cada vez mais alta por manter a sua invencibilidade na Liga, a única competição que ainda restava.

E novamente apenas três dias depois de tudo isso, agora esse time com a confiança lá embaixo pegava o Liverpool pela Premier League, no que podia ser o hat-trick de derrotas na temporada. 

O Arsenal dos Invencíveis

Foto: Clive Mason/Getty

Foi numa Sexta-Feira Santa, depois de uma semana nada abençoada, que o Arsenal sai perdendo logo aos 5 minutos de jogo. A confiança dos caras estava no lixo, e parecia provável que tudo que eles conquistaram até ali iria embora de uma vez só, como tirar um curativo rápido para doer menos.

Mas é aí que brilha a estrela do craque da equipe: Thierry Henry marca três gols na partida, incluindo um onde ele sai driblando todo mundo e faz um gol antológico, garantindo o 4×2 no placar e uma vitória que mandava um recado: o sonho ainda estava vivo.

Faltavam 5 rodadas para o término do campeonato, mas a boa vantagem na liderança dos Gunners significava que o time poderia ser matematicamente campeão com apenas um empate em sua próxima partida. O jogo? Simplesmente era contra seu maior rival, o Tottenham, lá no White Hart Lane. 

Imagina a cena: não só eles poderiam impedir o Arsenal de ser campeão já nessa rodada, como uma vitória significaria a quebra da Invencibilidade do time. Poderiam até ganhar o título depois, mas os torcedores do Tottenham lembrariam pra sempre como foram eles que acabaram com os Invencíveis.

Mas força de vontade não bastava contra um Arsenal implacável, que abre 2×0 logo no primeiro tempo, e mesmo vendo o Tottenham reagir e marcar dois no segundo mantém sua invencibilidade com um 2×2 que também significava a conquista da Premier League na casa do seu maior rival. Faltava apenas um sopro final para esse time fazer história.

Chega então o último jogo da Premier League, e um empate era o bastante para o time chegar ao seu principal objetivo. Era contra o Leicester, em casa, e as raposas abrem o placar aos 26 do primeiro tempo, com o Arsenal criando e criando mas sem conseguir marcar, indo para o intervalo com a derrota.

Eu poderia, mas nem adianta fazer suspense: logo no comecinho do segundo tempo, Ashley Cole sofre falta na área e é pênalti para o Arsenal. Quando o Henry vai para a cobrança, nem o mais ferrenho secador achava que ele ia perder. O francês marca então o seu 30º gol na competição e empata a partida. Alguns minutos depois o Bergkamp acha um passe mágico para o Vieira, que tira do goleiro e marca o gol não só da vitória, mas também o gol que os torna de fato Invencíveis: 26 vitórias, 12 empates, 0 derrotas. Um feito que parecia impossível, mas esse time aí mostrou que não.

“Ser Invencível é algo mais profundo, é recusar perder a qualquer custo. É não desistir nunca.”

ARSENE WENGER.

2006 – O fim dos Invencíveis

Foto: Chris Coleman/Getty

Vale ressaltar que o título invencível foi o mais marcante, mas o time ficou sem perder na competição por mais tempo: no total foram 49 jogos de invencibilidade passando por três temporadas diferentes: foram os 2 últimos jogos da Premier League 2002/2003, a temporada inteira 2003/2004, e os 9 primeiros jogos da temporada 2004/2005. Faltava então apenas uma partida para os 50 jogos sem perder, o que deixaria esse time ainda mais lendário.

Pensando de maneira narrativa que o Arsenal é o protagonista dessa história, só tem um time que merece ser o vilão dela, aquele que foi a pedra no sapato do clube durante toda essa campanha: o Manchester United.

Lá no Old Trafford a partida foi como era de se esperar, com o jogo extremamente pegado. Chega a hora que parece ficção, porque aos 28 do segundo tempo o jovem Wayne Rooney cai dentro da área e é pênalti para o United. E quem vai para a cobrança? Van Nistelrooy. 

Deve ter passado um filme na cabeça dele daquele pênalti perdido que por pouco não tirou a invencibilidade da equipe londrina. Dessa vez ele bate rasteiro, tirando do goleiro, e abre o placar. O Arsenal não consegue dar a volta por cima, o Rooney fecha o caixão no finalzinho e com o 2×0 no placar era o fim da invencibilidade, nas mãos – ou no caso nos pés – de um cara que de certa forma “ajudou” a criar ele.

É lógico que a derrota foi muito sentida, mas ainda assim acabou tirando uma baita pressão do time, agora finalmente “podendo perder” depois de tanto tempo. Abaixada a poeira, sensação de missão cumprida né? Bem… mais ou menos. Ainda tinha um título muito desejado que o time não tinha chegado nem perto de conquistar: a Champions League. Mas isso tudo muda na temporada 2005/2006.

A incrível campanha na Champions

Foto: Bob Thomas/Getty

Para essa temporada a base do time era a mesma com algumas mudanças como a saída do Vieira pra Juventus e a presença cada vez mais constante do jovem Fábregas no time titular.  

O Arsenal lidera o seu grupo na Champions e continua bem no mata-mata derrotando o Real Madrid dos Galáticos nas oitavas, reencontra o Vieira quando despacha a Juventus nas quartas, e vence a surpresa Villareal nas semis pra chegar então na sua primeira final na história da competição.  

Só que a final era contra o Barcelona de craques como o Deco, Eto’o e do atual melhor jogador do mundo: Ronaldinho Gaúcho.

E o final desse sonho é melancólico: logo aos 18 minutos de jogo o goleirão Lehmann comete falta no Eto’o e é expulso da partida, se tornando o primeiro jogador a receber o vermelho em uma final de Champions. Mesmo com a desvantagem é o Arsenal que abre o placar com gol de cabeça do Sol Campbell, num jogo que agora sim seria guerra para o time londrino.  

Mas se não brilhava a estrela do Henry ou do Ronaldinho, foram os improváveis Larsson e Belletti que entram no segundo tempo para mudar o jogo: aos 31 do segundo tempo o Larsson participa da jogada do gol de empate do Eto’o; e aos 36 ele de novo dá uma assistência para o Belletti marcar o gol da virada e da vitória catalã na partida, que conquista o caneco e vê o Arsenal nadar, nadar e morrer na praia.

O derradeiro fim daquela equipe

Foto: Clive Mason/Getty

Sem mais fôlego, dá pra dizer que esse sim foi o final daquele time. No final daquela temporada o Bergkamp anuncia sua aposentadoria, além das saídas do Pires, Campbell e da traição do Ashley Cole, cria da base do Arsenal que vai para o rival Chelsea. Nos próximos anos as saídas continuam, com outros invencíveis como o Ljungberg e Gilberto Silva indo embora.

Mas a que mais doeu foi a do Thierry Henry, o maior ídolo da história do Arsenal que vai para o Barcelona em 2007 numa saída que mostra que o time não tinha mais aquele espírito competitivo que o tornou lendário.

E teve outra despedida muito sentida: a do seu estádio. É naquela mesma época – 2006 – que o Highbury é demolido, com o clube se mudando para o moderno Emirates Stadium. É simbólico ver a destruição de um estádio icônico, cheio de conquistas, coincidindo com o fim dos Invencíveis. Ninguém melhor pra falar sobre isso do que o próprio Arsène:  

A gente construiu um novo estádio mas nunca achamos nossa alma: ela ficou em Highbury.

O último dos Invencíveis a sair foi aquele que chegou primeiro: o Wenger deixa o clube em 2018 depois de 22 anos no comando da equipe, e mesmo que nunca tenha repetido o sucesso daquele período, ficará pra sempre na história por ter montado esse time que revolucionou o futebol inglês, dando cada vez mais espaço não só para jogadores estrangeiros como pra técnicos de fora também. E mais do que isso, fica na história por ter comandado um Time Imortal do futebol.

Craques Eternos: Ronaldo Fenômeno

Esse artigo foi escrito originalmente como roteiro para o vídeo acima

A história do futebol brasileiro pode ser contada do ponto de vista de quem é privilegiado. Durante a maior parte da história desse esporte fantástico, fomos e ainda somos a nação que mais foi presenteada pelos deuses do futebol com grandes jogadores. Mas nesse jogo bonito, existem diferentes classes para se referir aos chamados “bons de bola”. Existem os grandes jogadores, existem os craques, os fora de série, os gênios da bola, e existe o fenômeno. Sim, “O”, não “Os”, porque “Fenômeno” só existe um.

Essa é a história de Ronaldo, o Fenômeno, um dos maiores e melhores jogadores da história do futebol mundial e ídolo eterno da Seleção Brasileira. 

Os Primeiros Passos do Fenômeno

Foto: Divulgação

Ronaldo nasceu no Rio de Janeiro, numa cidadezinha chamada Itaguaí. Ele cresceu em um bairro chamado Bento Ribeiro, no subúrbio da capital carioca, sendo o mais novo de três irmãos, estes chamados Nélio Jr e Ione. Desde cedo, o filho de dona Sônia e seu Nélio nutria o amor pela bola, o que o fazia cabular aulas para jogar futsal no Valqueire Tênis Clube, lugar onde Ronaldo iniciaria esse relacionamento tão inseparável com a redonda.

A infância de Ronaldo, período onde chegou a ter o apelido de Dadado, não era cheia de privilégios, mas também não era pobre. Ronaldo estudou em escola particular, pois sua mãe queria uma educação de qualidade pro filho e via isso como prioridade. Mas a verdade é que esse tipo de estudo não era ao que o menino estava destinado. A primeira vez que se viu que ele era diferente dos demais foi em sua época no futsal, atuando pelo Social Ramos. Disputando o campeonato metropolitano, o Dadado marcou 166 gols em um único ano, jogando contra os melhores da sua categoria. Esse foi um vislumbre claro de que o menino tinha uma certa vocação, e que ela estava totalmente relacionada a jogar bola. 

Perto dos 13, Ronaldo tinha um sonho: conseguir entrar para a base do Flamengo, que era o seu time do coração e lugar onde seu ídolo Zico fez história. O garoto participou de uma peneira junto de outros 400 rapazes e foi aprovado com louvor. Só que no dia seguinte ele não apareceu. O motivo? Financeiro.

A passagem para vir de onde morava até o Flamengo custava muito caro, então para seguir seu sonho ele precisou optar por opções mais próximas. Foi então que um camarada chamado Ary de Sá, diretor de um modesto clube de futebol chamado São Cristóvão, propôs um intercâmbio de jogadores com o Social Ramos. O negócio era simples: jogadores que fossem bem no futsal do Social Ramos iriam jogar futebol de campo no São Cristóvão, com eles arcando com os custos de passagem e tudo mais.

Não era seu sonho, mas era a opção mais concreta que ele tinha, e foi essa chance que Ronaldo agarrou. Ele deu os primeiros passos numa cancha de futebol vestindo as cores do alvinegro e, em seu primeiro jogo, mostrou os dotes de um Fenômeno, ao marcar 3 gols na vitória por 5×3 contra o Tomazinho. Isso foi em Agosto de 1990 e era apenas o começo dos seus 2 anos e meio no São Cristóvão, onde cresceu, se desenvolveu como jogador, e se preparou para o próximo passo: que não seria pequeno.

A Ascensão

Foto: Eugênio Salvio/Placar

Aos 15 anos de idade, em 1992, os empresários Alexandre Martins e Reinaldo Pitta puseram as mãos no passe de Ronaldo, pagando 7,5 mil dólares ao São Cristóvão por ele. Valor que pode ser baixo pra um talento desses, mas o clube pequeno e com muitas dificuldades não pensou duas vezes.

Nessa época, Ronaldo chegou até a ser convocado para a seleção brasileira sub-17, onde ganharia muito mais notoriedade ao marcar 8 gols e ser artilheiro do Sul-Americano da categoria, que facilitou para o clube que o comprou depositar confiança no garoto.

Apesar de ter sido formado lá, Ronaldo jamais chegou a fazer um jogo profissional no São Cristóvão. O que nem de longe impede o clube de, até hoje, se orgulhar de ter sido o berço do nascimento do Fenômeno, como é possível ler de longe na arquibancada do estádio deles, que ainda por cima leva o nome de Estádio Ronaldo Luís Nazário de Lima. 

Seus empresários tentaram colocar a promessa no Botafogo e no São Paulo, mas não conseguiram. Assim, o Cruzeiro foi o clube privilegiado de alçar Ronaldo para o futebol profissional. Com 16 anos, fez seu primeiro jogo no dia 25 de maio de 1993, pelo campeonato mineiro.

Foto: Paulo Filgueiras

Mas seu primeiro gol com a camisa do clube só sairia meses depois, em Agosto, num amistoso disputado na Europa contra o Belenenses. Essa excursão rendeu olhares de gente grande na Europa, como a Inter de Milão, que fez ali sua primeira investida pelo gênio, oferecendo 500 mil euros, o que já era muito mais do que o Cruzeiro havia pagado. Mas o clube teve calma. Ainda não era hora de sair. Essa valorização ainda poderia ser muito maior. E foi.

Ronaldo não demorou a explodir e nem precisou de um longo período de adaptação e aprendizado com os profissionais. Quando menos se esperava ele já era o grande destaque do time, mesmo sendo só um rapaz franzino. Em 1993, ele marcou 12 gols em 14 partidas do campeonato brasileiro, sendo o 3º artilheiro do torneio, agora com 17 anos.

Foi nessa época que ocorreu o famoso jogo contra o Bahia em que ele marca 5 gols, 1 deles de pura esperteza, aproveitando a bobeira do goleiro. Em 1994, ele não deixou o ritmo baixar, anotando 22 gols no campeonato mineiro. Ao todo, em sua época no Cruzeiro somando jogos oficiais e amistosos foram 58 jogos e 56 gols marcados, uma média simplesmente bizarra para um adolescente no profissional. 

Se antes o Cruzeiro não aceitou 500 mil euros da Inter por ele, agora os clubes ofereceram muito mais e era impossível segurar. Dentre os interessados, a dupla holandesa Ajax e PSV Eindhoven mantinham o olho firme no jovem Fenômeno, mas os olheiros Piet de Visser e Frank Arnesen, ambos a serviço do PSV, agiram rápido e assim o clube de Eindhoven fechou um acordo de 6 milhões de dólares para contratar Ronaldo Nazário. Mas antes de ir para a Holanda, Ronaldo começou a dar seus primeiros passos com a Amarelinha.

Foto: Henri Szwarc/Bongarts/Getty Images

Em março de 1994, ele recebeu sua primeira convocação para a seleção principal, bem pouco antes da Copa do Mundo. Pouco tempo depois foi convocado novamente, e dessa vez anotou o seu primeiro gol pelo Brasil, em partida contra a Islândia.

Ronaldo encantava a comissão técnica de Carlos Alberto Parreira e assim ele decidiu: aquele menino, que era o futuro do futebol brasileiro, iria já para a sua primeira Copa do Mundo, a dos Estados Unidos em 1994. Por ser muito jovem o Ronaldo não jogou, e apenas testemunhou a conquista do tetra do banco, algo que certamente serviu de enorme aprendizado para ele e o ajudou no decorrer de sua carreira. Foi também aqui que Ronaldo ganhou o apelido que o acompanharia por muitos anos: Ronaldinho. Isso porque na seleção havia um zagueiro chamado Ronaldão, então para diferenciar passaram a chamar o jovem franzino e dentuço pelo diminutivo.   

Depois do Mundial de 94, era hora de iniciar uma nova etapa em sua carreira, a que culminaria no topo do mundo. A caminho do PSV Eindhoven, Ronaldo chegava na Europa para se transformar rapidamente em um dos melhores jogadores do Brasil e em um dos melhores jogadores do mundo.

O Melhor do Mundo

Foto: Divulgação

Ronaldo chegava ao PSV pouco tempo depois da Era Romário do clube holandês. Durante seus áureos anos em Eindhoven, o baixinho se tornou o melhor jogador da história do clube e os liderou com uma chuva de gols a várias conquistas. Claro, ninguém ousava pensar que o jovem que vinha do Cruzeiro fosse ser algo naquele nível, mas a verdade é que era impossível não se empolgar com ele depois dos seus dois primeiros jogos.

Ronaldo levou apenas 9 minutos pra marcar seu primeiro gol pelo PSV, na rodada 1 da Eredivisie 1994/95. No jogo seguinte foi ainda melhor, anotando um doblete. E a terceira partida, como foi? Se na primeira ele marcou um e na segunda marcou dois, a terceira só poderia fazer 3 gols. E assim fez. O PSV foi derrotado na Copa da UEFA pelo Bayer Leverkusen, por 5×4, em jogo que Ronaldo fez um hat-trick. Como não se empolgar? 

Ronaldo justificava o investimento e ainda ia além. Esse início meteórico justificava o quão abismado ficou o assistente técnico do PSV, Ernie Brandts, quando viu Ronaldo jogar pela primeira vez, isso ainda um ano antes dele de fato ser comprado pelo clube holandês.

Ele era de outro planeta. Eu imediatamente duvidei da idade dele. Tão bom aos dezesseis anos, isso era impossível

Mas não era impossível, não para um gênio da bola. Na temporada 1994/95, o PSV não chegou nem perto de vencer a Eredivisie, ficou 14 pontos atrás do campeão Ajax. Mas não por falta de desempenho do Ronaldo, pois o garoto em sua primeira temporada na Europa foi artilheiro do campeonato holandês com 30 gols, 12 a mais que o vice-artilheiro.

Foto: VI-Images/Getty

Ronaldo não viria a vencer a Eredivisie no PSV, pois competia com um time histórico do Ajax. Mas na temporada seguinte, em 1995/96, ele conquistou sua primeira taça na Europa, ganhando a Copa da Holanda. Na Eredivisie, seu desempenho acabou caindo bastante, e ele não chegou perto de fazer os 30 gols do primeiro ano, mas não por culpa do seu jogo. Foi nessa época que Ronaldo já começou a sofrer com um problema que o assombraria na carreira toda: os joelhos.

O jovem teve tendinite nos dois joelhos, precisou passar por cirurgia e perdeu boa parte da temporada. Temporada esta que seria sua última na Holanda, pois mesmo com problemas físicos o desempenho geral do craque brasileiro chamava a atenção de clubes maiores. Afinal, com a camisa do PSV foram 57 jogos disputados e 54 gols marcados, uma média brutal, ainda mais pra um garoto.

Ao fim da temporada 95/96, Ronaldo atendeu o chamado da seleção olímpica brasileira e foi em busca da então inédita Medalha de Ouro. Em Atlanta, Ronaldo se juntou a alguns caras com quem ele faria muita história ainda no futuro, como Roberto Carlos e Rivaldo. O time brasileiro tinha uma geração fantástica, com vários jovens excelentes e alguns grandes veteranos. Mas apesar de tudo o ouro não veio, sendo eliminados pela Nigéria na semifinal e depois conseguindo apenas o bronze.

Só que mesmo com a derrota, Ronaldinho meteu 5 gols na competição e voltava para a Europa como um dos melhores jogadores do mundo e um dos jovens mais desejados pelas potências europeias. Era certo que o PSV não iria conseguir segurá-lo e o clube que conseguiu tirar Ronaldinho de lá é conhecido historicamente por gostar de ter craques brasileiros: o Barcelona

O craque no Barça

Foto: Claudio Villa/Getty

Aos 19 anos, Ronaldo encantava os olhos de Sir Bobby Robson, na época técnico do clube blaugrana. O treinador inglês queria o atacante brasileiro a qualquer custo, pois o via como um jogador fora de série. Anos depois, ele chegou a falar sobre como ficou obcecado por Ronaldinho:

“Ele ainda tinha 19 anos mas eu disse aos diretores do Barcelona que deveríamos comprá-lo, que ele seria não só um tremendo jogador, mas um atleta com potencial.

A negociação com o PSV não era fácil, e o então vice-presidente do Barcelona, Joan Gaspart, precisou aderir a um plano de malandragem para fechar o negócio, como ele mesmo contou:

“Eu até tive que me disfarçar de garçom para conseguir fechar o acordo com ele. Eles ligaram para a CBF tentando parar a transação de Ronaldo com o Barça. Havia dois seguranças que tentaram impedir uma aproximação com Ronaldo ou qualquer outro jogador.

Então encontrei um garçom espanhol no hotel e ele me emprestou suas roupas, me deu uma bandeja e uma Coca-Cola. Coloquei o disfarce, cumprimentei os seguranças e disse a eles que havia um pedido de refrigerante para o quarto, justamente onde estava Ronaldo. Bati na porta e ele abriu.

O contrato foi assinado lá, na cama do quarto”.

Foi assim que o Barcelona conseguiu assegurar a grande joia do futebol mundial. Em 1996/97, Ronaldo jogaria no Camp Nou, numa transferência recorde de 20 milhões de dólares. Ronaldo, próximo aos seus 20 anos de idade, já ia para o terceiro clube, e seria ali onde ele explodiria de uma vez por todas. 

Foto: Matthew Ashton/Getty

Ronaldo saltou de um jovem super promissor para um monstro completo. Seus dribles, arrancadas e finalizações faziam com que ele parecesse um adulto jogando contra várias crianças. Um exemplo perfeito disso foi um dos muitos gols que ele fez naquela temporada que se tornou lendário.

Em partida contra o Compostela, Ronaldinho recebe muito longe do gol, arranca e sai driblando todo o time adversário, enquanto é puxado pela camisa algumas vezes. Ele não só não caiu, como foi até a área e botou a bola na rede. Esse gol, feito ainda na primeira metade da temporada, era prova mais do que suficiente de que Ronaldo Nazário era o melhor jogador de futebol do mundo. 

No fim do ano, ele recebeu esse reconhecimento de forma oficial, sendo eleito pela FIFA como o melhor jogador do planeta. Menos de 3 anos depois de sair do Brasil, Ronaldo chegou ao topo do mundo dos jogadores, e o fez tendo apenas 20 anos de idade, o que o faz até hoje ser o jogador mais jovem de todos os tempos a vencer tal honraria.

Para os que se perguntam sobre a Bola de Ouro, Ronaldo não venceu naquele ano, perdendo para o alemão Matthias Sammer por apenas 1 ponto de diferença. Mas com Bola de Ouro ou não, todo mundo sabia que Ronaldo era o melhor jogador do mundo. E o restante de sua temporada com o Barcelona provou isso.

Em La Liga, Ronaldo foi arrasador: anotou 34 gols para ser o artilheiro isolado da competição e por muito pouco não deu o título ao Barça, perdendo por apenas 2 pontos de diferença pro Real Madrid.

Mas sua brilhante temporada, que teve 47 gols em 49 jogos, rendeu ao Barça alguns troféus, como a Recopa Europeia, a Copa do Rei e a Supercopa da Espanha. Foi a primeira temporada dos sonhos, Ronaldo havia destruído, vencido títulos e sido eleito o melhor do mundo. A decisão do Barcelona de renovar seu contrato para garantir a permanência do gênio estava mais do que tomada. Mas uma lamentável história de ganância colocou um ponto final na história de Ronaldo na Catalunha de forma precoce.

A temporada 1996/97 seria a primeira e última do craque brasileiro vestindo blaugrana. 

IL FENOMENO

Foto: Mike Egerton/Getty

Em um certo dia, Ronaldo e seus dois agentes compareceram ao Barcelona para definir a renovação de contrato. Como cabeça do negócio estava Joan Gaspart, o mesmo responsável por assinar com o brasileiro se disfarçando de garçom. O contrato foi redigido ali mesmo, na frente deles, e estava indo tudo bem. Mas antes de assinar o papel, eles decidiram sair pra comer, e só depois concretizar o negócio. Algo que, segundo Gaspart, foi um erro fatal. 

Ele conta que durante a reunião um dos agentes saiu para atender o telefone, e conversou com o presidente da Inter de Milão. Quando voltaram ao escritório do presidente a situação era outra, e eles insistiram em renegociar o contrato, tentando de propósito destruir as negociações.

E assim, conseguiram. A Inter oferecia muito mais dinheiro e isso fez com que os agentes de Ronaldo travassem o negócio, ainda que, segundo Gaspart, era evidente que o desejo do craque era ficar no Barcelona. Mas essa é uma história com duas versões, pois o próprio Ronaldo, muito tempo depois, chegou a falar sobre o caso.

Eu assinei a renovação do meu contrato no final da temporada e viajei com a seleção brasileira. Cinco dias depois, eles me ligaram para me dizer que não podiam renovar comigo. Nunca esteve nas minhas mãos. O clube não me valorizou como eu pensei que fariam. Eu queria ficar, mas não era minha decisão

Foto: Mark Leech/Getty

Com isso, Ronaldo deu a entender que queria ficar, mas não recebeu o aumento salarial de acordo com seu desempenho. De qualquer forma, qualquer que seja a versão verdadeira, o fato final foi um só: a Inter de Milão tirou o melhor jogador do mundo do Barcelona. Por 32 milhões de dólares, valor recorde na época, Ronaldinho iria jogar na Serie A.

Em 25 de julho de 1997, com a camisa 10, Ronaldo foi apresentado na Inter, e ali ele viveria uma saga repleta de altos muito altos, baixos muito baixos, e também ganharia um apelido que o acompanharia em toda a sua vida. Ali, no Calcio, ele se tornaria O Fenômeno

Na temporada 1997/98, Ronaldo não foi tão bem como no Barcelona, mas já era o bastante pra ser melhor que todos os outros. Foram 34 gols anotados em 47 jogos, sendo 25 na Serie A, onde por muito pouco ele não foi artilheiro. No meio disso tudo, ele mais uma vez recebeu o reconhecimento de melhor jogador do mundo e, desta vez, de forma absoluta, vencendo com uma margem brutal de pontos tanto na premiação da FIFA quanto na Bola de Ouro.

Mas para a Inter, a consagração da temporada viria na Copa da UEFA, atual Liga Europa, onde conseguiriam chegar a grande decisão para enfrentar uma rival local: a Lazio. Naquela final, disputada no Parque dos Príncipes, os laziale descobriram que enfrentar o Ronaldo inspirado era um pesadelo. 

Ronaldo driblou, deu passe, meteu bola na trave, deu elástico e fez um golaço épico, onde ele deixa o goleirão Marchegiani destruído no chão. O homem estava simplesmente imparável naquela noite, e o resultado não poderia ser outro que não o título da Inter, que veio para coroar uma primeira temporada excepcional do craque. A adoração da torcida e da imprensa italiana fizeram surgir o apelido que melhor descreveu o que foi esse jogador. A Itália o batizou de IL FENOMENO. A partir de agora, e para sempre, mais do que Dadado, Ronaldinho ou R9, ele seria O Fenômeno

A Convulsão

Foto: Simon M Bruty/Getty

Ao fim da temporada 1997/98, consagrado e consolidado como o melhor jogador do mundo, Ronaldo voltaria ao palco máximo do futebol, mas desta vez com uma nova aura. A Copa do Mundo de 1998, disputada na França, seria onde o Fenômeno disputaria, de fato, seu primeiro Mundial, uma vez que em 94 ele apenas assistiu do banco a conquista do tetra. Mas agora, como protagonista, a coisa era muito diferente e ele mostrou em campo que estava mais do que pronto para liderar o Brasil na geração pós-Romário

Seu primeiro gol em Copas foi naquela fase de grupos de 98, em partida contra Marrocos na segunda rodada. Ronaldinho recebe grande passe, deixa a bola quicar e fuzila pro gol com categoria. Depois, ele voltou a balançar as redes nas oitavas de final, contra o Chile, anotando dois gols. Um deles batendo pênalti e o outro recebendo na direita e tirando do goleiro com toda facilidade do mundo.

O Fenômeno voltou a ser decisivo para ajudar o Brasil a chegar a grande final, anotando um dos gols do empate contra a Holanda na semifinal e também convertendo o seu na disputa de pênaltis.

Ronaldo iria novamente para uma final de Copa, mas desta vez não para assistir, e sim para jogar como o grande craque do time brasileiro.

A ascensão da carreira de Ronaldo era meteórica, tudo estava acontecendo muito rápido, e mesmo ainda tendo menos de 23 anos ele já era o melhor do mundo e fazia estrago em uma Copa. Parecia um sonho do qual ele certamente não queria acordar. Mas de forma muito súbita, esse sonho se tornou um pesadelo. 

Foto: Picture Alliance/Getty

Durante a concentração da seleção brasileira, um dia antes da final contra a França, aconteceu o fato que abalou o Brasil: Ronaldo Fenômeno teve uma convulsão. Edmundo, que foi testemunha do ocorrido, revelou anos depois com detalhes o que ocorreu com R9 naquele dia, como ele perdeu a consciência e a decisão era de que o craque não jogaria a partida.

No fim das contas, Ronaldo jogou por decisão própria, por não ser nada grave e não querer ficar fora da decisão como ele mesmo chegou a falar posteiormente.

Mas bem ou não, o fato é que o susto abalou Ronaldo e a equipe como um todo. Naquele dia, o Brasil sofreu uma das maiores derrotas de sua história, perdendo uma decisão de Copa do Mundo pelo placar chocante de 3×0, em partida memorável do carrasco Zinedine Zidane, que fez 2 gols.

Sem dúvida alguma, essa foi a primeira grande decepção da carreira de Ronaldinho, e talvez até hoje sua derrota mais dolorosa por todo o contexto envolvido. Mas ele era muito jovem ainda, e tinha toda uma carreira brilhante pela frente. Ronaldo voltou pra Inter de Milão com ainda mais respeito depois de seu grande Mundial e, para a temporada 1998/99, recebeu uma grata surpresa: o seu amado número 9.

A Epopeia de Um Fenômeno

Foto: Grazia Neri/Getty

Ronaldo jogou sua primeira temporada com a Inter usando a camisa 10, uma vez que a 9 era do grande atacante chileno Zamorano. Mas a hierarquia da bola eventualmente o fez ceder a 9 para o Fenômeno, episódio que gerou a famosa história da camisa 1+8, pois Zamorano de forma alguma abriu mão de pelo menos ter alguma referência ao 9 em suas costas.

Ronaldo era adorado pela torcida, era o Fenômeno da Itália, era R9 e era o melhor jogador do mundo. Seu futuro era brilhante. Havia uma enorme empolgação do mundo inteiro de ver aonde aquele gênio iria chegar.

O que era tão especial sobre Ronaldo como camisa 9 é que ele era um jogador que ia muito além dos demais em sua “classe”. Ele não só era um homem de área letal na hora de finalizar, como tinha uma facilidade surreal para sair da área, driblar, armar o jogo e destruir linhas usando de um dos seus principais fatores: a explosão.

Ronaldo era um jogador de articulações muito flexíveis, que o permitia dar dribles quase que impossíveis de replicar para a maioria dos jogadores, e além disso era capaz de arrancar e atingir sua velocidade máxima num estalar de dedos.

Essa assombrosa explosão é um dos principais motivos da quantidade bizarra de gols que ele tem driblando goleiros, pois era tão rápido e tão genial em quebrar a última linha que facilmente conseguia sair sozinho na cara do gol.

Ronaldo não era apenas um gênio, como também nasceu com atributos físicos dignos de um atleta geracional. Ele era muito diferente. Mas talvez os deuses do futebol quiseram compensar tudo isso de alguma forma. Para a infelicidade de todos os amantes do jogo bonito, em pouco tempo ficou comprovado que aqueles problemas que Ronaldo teve nos joelhos ainda em sua época de PSV não eram apenas algo momentâneo.

Foto: Claudio Villa/Getty

Em 1998/99, Ronaldo jogou muito menos do que poderia, novamente sofrendo com tendinite em seus joelhos. Foram apenas 28 jogos na temporada, sendo só 19 na Serie A, o que certamente impactou na péssima campanha da Inter que ficou apenas em 8º lugar. Só que essa tendinite era apenas um indício do que estava por vir.

Na temporada 1999/00, Ronaldo sofreu um enorme baque em sua carreira. Foi no dia 21 de novembro de 1999, em partida contra o Lecce, que o Fenômeno sofreu sua primeira grande lesão no joelho, rompendo um dos tendões do direito. 

Sua ascensão meteórica seria freada por problemas físicos, e após passar por uma cirurgia o melhor do mundo agora teria que superar vários meses de uma dura recuperação para conseguir voltar aos gramados. Retorno este que só aconteceria em 2000, mais precisamente em 12 de abril, justamente em uma final contra a Lazio, agora na Copa da Itália.

Foi contra esse mesmo clube que ele havia feito um grande jogo pela Inter na decisão da Copa da UEFA. Só que dessa vez foi o total oposto, porque esse foi sem dúvida um dos piores dias da vida do Fenômeno. Ele entrou no segundo tempo e mal estava esquentando quando tentou executar um drible e sofreu uma das lesões mais chocantes da história do futebol:

O Fenômeno rompeu o tendão patelar de seu joelho direito, que saiu completamente do lugar, e o fez desabar em prantos no chão. A lesão, para se ter uma ideia, é considerada extremamente rara por especialistas. Uma imagem que rodou e chocou o mundo. 

Segundo Nilton Petroni, fisioterapeuta que cuidou do jogador em 2000, o joelho:

“Explodiu total. Estourou tudo no joelho na hora. É até difícil definir em palavras o que aconteceu ali no momento.”

Foto: RAI

A reação dos jogadores em campo, colocando as mãos na cabeça em choque, era compartilhada por todo mundo que assistia a partida naquele momento. Parecia um pesadelo. O grande gênio do futebol mundial, após passar meses se recuperando de uma cirurgia no joelho, havia sofrido uma lesão ainda pior após voltar aos gramados por apenas alguns minutos.

A imagem da lesão era tão assustadora que levantava a questão: e agora? Quando ele vai voltar a jogar? Ou pior, será que ele ainda vai voltar a jogar? Naquele dia, quem mais perdeu além de Ronaldo foi o próprio futebol. 

Lá foi Ronaldo para mais uma dura cirurgia de reparação de seu joelho. O mais complicado, além de tudo, era o pós-operatório, que exigiria uma gigantesca determinação e aplicação de Ronaldo para superar o exaustivo processo de fisioterapia.

Processo este que durou mais de 1 ano: 15 meses, para ser mais preciso. Não era simples, não era fácil. Como foi vivenciar aquilo, o próprio Ronaldo contou, tempos depois.

“Para mim, a vida parecia começar e terminar no campo de futebol. Quando meu joelho foi destruído, eu senti que a minha vida tinha sido levada embora. Eu só pensava naquele sentimento que eu só podia encontrar no campo de futebol e com a bola aos meus pés”. 

Foto: Jack Guez/Getty

E foi com a Copa do Mundo de 2002 em sua mente que o Fenômeno trabalhou, persistiu e mostrou que seu apelido não era indigno. Mas foi nesse processo também que ele chegou a um fim melancólico de sua trajetória como nerazzurri.

Ronaldo voltou a jogar em 2001, mas durante aquele ano e também em quase toda a primeira metade de 2002 sofreu com diversos problemas musculares, algo natural para um atleta voltando de uma lesão tão séria.

Sua temporada 2001/02 pela Inter teve apenas 16 partidas, nas quais ele ainda conseguiu guardar 7 gols. Pra piorar, ainda participou de uma perda de campeonato italiano de forma traumática, quando a Inter foi derrotada pela Lazio na última rodada da Serie A, quando precisava vencer para ser campeã. Acabou ficando só em 3º lugar.

Ronaldo jogou aquela partida e saiu em lágrimas durante a segunda etapa. Ninguém sabia ainda, mas aquele seria o último jogo do Fenômeno pela Inter de Milão. Por lá, ele jogou 99 partidas, marcou 59 gols e venceu uma Copa da UEFA. 

Pentacampeão

Foto: Gunnar Berning/Getty

Sua grande vitória estava reservada para a amarelinha. Para voltar a jogar pelo Brasil, Ronaldo teve que esperar ainda mais tempo. Sob muitos questionamentos da imprensa, R9 recebeu a confiança de Felipão e voltou a jogar pela seleção brasileira em 27 de março de 2002, poucos meses antes da Copa do Mundo.

Na ocasião, entrou em campo num amistoso contra a Iugoslávia, em Fortaleza, sendo este seu primeiro jogo pelo Brasil desde 1999. Naquele jogo, ele atuou apenas na primeira etapa, mas já foi o suficiente para mostrar que sua vontade de ir à Copa era mais forte do que qualquer um poderia imaginar. E assim, ele foi. A Copa realizada no Japão e Coréia do Sul seria a hora da verdade na carreira de Ronaldo. Era o momento dele mostrar para todos uma coisa: ele ainda não tinha acabado. 

A fase de grupos era o momento ideal para recuperar a confiança e provar que estava adequado fisicamente para o Mundial. E assim, ele o fez. O Brasil enfrentou Turquia, China e Costa Rica, Ronaldo foi titular em todos esses jogos e marcou gol em todos eles, incluindo um doblete contra os costarriquenhos. Foi nesses gols que ficou forte sua comemoração mais icônica, no gesto de erguer e balançar o dedo apontador direito. Comemoração repetida muitas e muitas vezes por quem teve o gênio da 9 como referência. 

Ronaldo não deixou o ritmo cair e seguiu sendo fenomenal no mata-mata do Mundial. Nas oitavas de final, apareceu pra fechar o caixão dos belgas, batendo firme de perna esquerda.

R9 não balançaria as redes nas quartas contra a Inglaterra, mas esse seria seu único jogo em branco no torneio, um que ele deixou pra outro Ronaldo brilhar.

Foto: Gunnar Berning/Getty

Antes da semifinal, Ronaldo tomou uma atitude bizarra para tirar o foco da imprensa de sua condição física: ele fez o famoso e hoje épico corte cascão. Visual que hoje em dia virou símbolo e marca registrada da consagração do Fenômeno naquela Copa do Mundo.

Com seu novo corte de cabelo, fez o gol da duríssima classificação contra a Turquia na semifinal, batendo de biquinho. Assim, mais uma vez, em sua terceira participação em Copa do Mundo, Ronaldo iria para a grande final do torneio.

Só que agora de forma muito mais emblemática do que nas outras. Porque em uma ele era um garoto, sequer entrou em campo. Em outra tinha o mundo em seus pés, vivia um sonho que se tornou pesadelo. Mas agora, a carga emocional era diferente.

Ronaldo havia superado todos os prognósticos, todas as expectativas, todas as dúvidas. Ele havia superado lesões terríveis, meses infindáveis de fisioterapia e o medo de não conseguir voltar a jogar.

Ronaldo reinventou o significado de dar a volta por cima, e a coroação disso tudo viria naquele jogo, naquela final, contra a Alemanha.   

No Estádio Internacional de Yokohama, no Japão, em 30 de junho de 2002, Ronaldo marcou duas vezes, deu o pentacampeonato mundial para a seleção brasileira e entrou de vez para a história do futebol, escrevendo uma das mais belas jornadas que este esporte centenário já viu.

Foto: Gunnar Berning/Getty

Para os que duvidavam de que ele poderia jogar, sobrou vê-lo marcar 8 gols na Copa, incluindo 2 na final e erguer o caneco. Não há melhor frase para descrever essa saga do que a do escritor Luis Fernando Verissimo, que assim disse:

“Ronaldo imitou a trajetória clássica do herói mitológico que desce ao inferno e volta para refazer a história. É o primeiro mortal real a retornar no tempo para corrigir a própria biografia”. 

Os Capítulos Finais na Europa

Foto: Etsuo Hara/Getty

Ronaldo voltou para a Inter com um status completamente diferente de quando havia ido pra Seleção, mas apesar de ter passado os últimos anos praticamente apenas se recuperando de lesão, ele decidiu que não queria mais jogar na Itália, nem para tentar reescrever sua história por lá.

Seja por problemas pessoais com o técnico Héctor Cúper ou pela questão financeira, o resultado foi que o Fenômeno forçou uma transferência e colocou um ponto final em sua história nerazzurri.

O que dizem é que seu desejo era retornar para o Barcelona, clube do qual jamais quis ter saído, mas o mau estado financeiro do clube catalão os impossibilitou de realizar tal movimento no mercado de transferências.

De olho no caso, o Real Madrid, na época montando o famoso esquadrão dos “Galácticos”, não desperdiçou a chance e trouxe para si o maior jogador do mundo, pagando 45 milhões de euros a Inter pelo astro. 

Poucos meses depois, como reconhecimento por sua saga épica na Copa do Mundo, o planeta bola mais uma vez se rendeu a Ronaldo, e o gênio de novo foi eleito o melhor jogador do mundo pela FIFA e também ganhou a Bola de Ouro da France Football.

Foto: Divulgação

Assim, Ronaldo seguiu com muita empolgação sua história como merengue, mas no geral, apesar de ter tido grandes momentos, a verdade é que o contexto como um todo impediu que essa passagem do Fenômeno por lá fosse mais bem-sucedida. 

Ronaldo chegou a ser artilheiro de uma edição da La Liga, em 2003/04, e anotou 104 gols em 177 jogos pelo Real Madrid. Venceu duas vezes a La Liga, uma Supercopa da Espanha e também um Mundial de Clubes. Mas o grande objetivo não veio: a Champions League.

Se for para citar uma marca negativa na carreira de Ronaldo, foi sua fraca história na principal competição de clubes da Europa. No Real Madrid teve vislumbres de mudar isso, especialmente por conta de uma noite específica, quando o Fenômeno destruiu o Manchester United em Old Trafford e foi aplaudido de pé pela torcida rival. Sem dúvida, sua maior noite na competição.

Mas a verdade é que, em sua época, o Real teve grandes craques mas passou longe de ter times realmente sólidos e que pudessem vencer a Champions, e o Fenômeno ficou sem essa taça em seu currículo.

Foto: Antonio Scorza/Getty

Apesar de tudo ele ainda colecionou inúmeros lances e gols mágicos, deixando boas memórias para o torcedor merengue. Somando suas passagens pelo Barcelona e pelo Real Madrid, é até hoje o maior artilheiro brasileiro da história do campeonato espanhol com 117 gols. 

Vivendo os meses finais de sua era no Real Madrid e sofrendo com problemas de controle de peso, Ronaldo foi disputar mais uma Copa do Mundo, no Mundial de 2006, na Alemanha. Copa essa que é considerada um enorme fiasco do Brasil, pois apesar do grupo super estrelado o que se viu em campo foi vários jogadores desinteressados e mal preparados.

O grande momento brasileiro do torneio foi protagonizado pelo próprio Fenômeno, pois com os 3 gols que ele marcou – 2 contra Japão e 1 contra Gana – se tornou o maior artilheiro da história das Copas com 15 gols, recorde que ele não possui mais hoje em dia. Seu derradeiro jogo na história das Copas foi a precoce eliminação nas quartas de final, contra a França

O retorno para o Real Madrid, na temporada 2006/07, culminaria em um fim de ciclo ainda na metade da temporada. Ronaldo passou a ser ainda mais questionado por uma suposta falta de comprometimento e por estar acima do peso, e assim eventualmente a situação ficou insustentável.

Foto: AFP

No mercado de inverno, em janeiro, O Fenômeno negociou com dinheiro do seu próprio bolso uma rescisão contratual com o Real Madrid. Livre no mercado, ele já tinha um novo destino: o rival do seu antigo clube na Itália, o Milan

Ao sair, agradeceu a todos nos merengues, exceto ao seu treinador: Fabio Capello.

Em busca de retomar o bom nível, Ronaldo voltava pro futebol italiano com empolgação. Jogou 14 partidas e fez 7 jogos nos meses restantes da temporada 2006/07, e viu de longe o Milan vencer a Champions League, sem poder participar por regras da época por ter chegado no meio da competição.

Na temporada seguinte, veio o baque que colocou um fim em sua carreira na Europa: de novo, o joelho o derrubava em solo italiano. Em partida contra o Livorno, rompeu os ligamentos do joelho, passou por nova cirurgia, e ficou fora de ação pelo resto da temporada 2007/08.

Ao fim dela, e tendo feito apenas 20 jogos pelo clube, seu contrato com o Milan acabou e o clube decidiu não renovar. Ronaldo agora estava com problemas físicos e de peso, vindo de uma nova recuperação de lesão ligamentar no joelho e sem clube. Parecia o fim. 

Fenômeno para a Eternidade

Foto: Antonio Lacerda

Em 2008, Ronaldo voltou para o Brasil para seguir tratamento de sua lesão no joelho sofrida no Milan. Na ocasião, teve as portas do Flamengo abertas para treinar a vontade, e assim viu crescer uma expectativa quanto a possibilidade dele atuar no clube carioca, uma vez que já era de conhecimento o fato de ser o seu clube de infância. Mas no fim, não aconteceu. Muitos anos depois, o próprio Ronaldo esclareceu o caso.

“Para mim, foi a mesma decepção que para a torcida do Flamengo. Eu tinha certeza absoluta que a diretoria uma hora ia me propor alguma coisa. Mas não fizeram nada”.

Mas se o Flamengo deu bobeira, o Corinthians não cometeu o mesmo erro. Segundo Ronaldo, o presidente do clube alvinegro na época foi bem direto quanto ao desejo de assinar com ele, e assim no dia 9 de dezembro de 2008, Ronaldo foi apresentado oficialmente como jogador do Corinthians, onde viveria a etapa final de sua carreira como jogador de futebol.

Era um Ronaldo com problemas, mas ainda era Ronaldo. Era uma estrela e um jogador que sabíamos que se jogasse ¼ do que jogou no seu auge, ainda assim seria brilhante. E assim foi.

Foto: Mauricio Lima

Foi só em 4 de março de 2009 que Ronaldo voltou aos gramados, em partida contra o Itumbiara pela Copa do Brasil. O primeiro gol pelo Corinthians seria depois, num clássico contra o Palmeiras, em que ele sai do banco pra marcar de cabeça aos 47 do segundo tempo.

Apesar de estar longe da sua melhor forma física e do seu auge técnico, Ronaldo jogando no Brasil era um verdadeiro evento. O Fenômeno ainda era capaz de lances de brilhantismo, de fazer os defensores rivais parecerem crianças, e de marcar gols como o gênio que era.

Como exemplo, é impossível não citar o que ele fez na final do campeonato paulista de 2009, quando em plena Vila Belmiro marcou um gol digno de Pelé, dando um corte de letra no marcador e encobrindo o goleiro de fora da área com o que em teoria era seu pé mais fraco. 

Depois de conquistar o campeonato estadual, seguiu sendo destaque do time paulista e foi decisivo na conquista daquele que foi seu último título no futebol: a Copa do Brasil de 2009. Ronaldo fez 2 gols nas oitavas de final contra o Athletico Paranaense e fez 1 gol na final do torneio contra o Internacional.

Foto: Buda Mendes/Getty

No ano seguinte, em 2010, o Corinthians não viveu uma boa temporada mas assegurou vaga na Libertadores de 2011. Foi nessa competição que a carreira de Ronaldo chegou ao fim, pois após ser eliminado ainda na fase de play-offs, contra o Tolima, o Fenômeno decidiu parar.

Em 14 de fevereiro de 2011, Ronaldo anunciou sua aposentadoria do futebol aos 34 anos de idade. Citou as dores que sentia e o hipotiroidismo como motivos para parar.

Ele jogou 69 partidas e fez 35 gols pelo Corinthians, tendo conquistado um campeonato paulista e uma Copa do Brasil. No Parque São Jorge, é considerado ídolo e lembrado com carinho pela Fiel até os dias de hoje.  

Meses depois, ocorreu o que não poderia faltar: a despedida da Seleção Brasileira. Afinal Ronaldo foi um dos maiores jogadores da história do Brasil, marcou 62 gols em 98 jogos e conquistou todos os títulos possíveis com a amarelinha.

Em 7 de junho de 2011 um amistoso foi organizado para se despedir do Fenômeno, e o Brasil enfrentou e venceu a Romênia no Pacaembu. Ronaldo entrou, jogou e saiu aplaudido por todo o estádio. Ali, se despedia de uma vez por todas um dos maiores jogadores de todos os tempos e ídolo do Brasil. 

Craque Eterno: Ronaldo Fênomeno

Foto: Mark Leech/Getty

Ronaldo, o Fenômeno, disputou 616 partidas e marcou 414 gols. Em sua carreira profissional, atuou pelo Cruzeiro, PSV Eindhoven, Barcelona, Inter de Milão, Real Madrid, Milan e Corinthians. Defendeu as cores da Seleção Brasileira, onde marcou 62 gols.

Entre os prêmios individuais, venceu o prêmio de melhor jogador do mundo da FIFA em 1996, 1997 e 2002. Ganhou a Bola de Ouro em 1997 e 2002.

Ao todo venceu 18 títulos oficiais, incluindo duas Copas do Mundo, duas Copas América, uma Copa das Confederações, uma Copa da UEFA e duas Ligas. 

Em seu pós-carreira se envolveu com diversas áreas de negócios: chegou a ser comentarista da TV Globo e depois virou proprietário de clubes, como o Real Valladolid, da Espanha, e do Cruzeiro, clube que o revelou. 

Ronaldo encantou o Brasil, a Europa e o mundo com sua genialidade. Em 2020, a revista France Football, que dá a Bola de Ouro, escolheu o time dos sonhos de todos os tempos e Ronaldo ficou como titular, como o melhor 9 da história.

Foto: Claudio Villa/Getty

O que nos faz pensar: se ele chegou nesse patamar passando muitos anos da carreira com lesões gravíssimas e problemas com o peso, o que teria sido de Ronaldo se tivesse passado toda a sua vida com um físico inquebrável como o de Cristiano Ronaldo? Estaríamos comparando ele aos melhores jogadores de todos os tempos?

Ibrahimovic, que foi flagrado olhando pra Ronaldo como quem vê uma figura divina, disse que pra ele R9 é o melhor da história. Van Nistelrooy, que jogou com Ronaldo, disse que ele tinha a maior habilidade que ele já viu. Elogios como esse se acumulam e não são raros, vindo de alguns dos melhores que já pisaram em gramados neste planeta.

O patamar que ele estaria sem lesões nós nunca saberemos, mas a verdade é que a história de Ronaldo, escrita com cruéis linhas de sofrimento, se tornou símbolo de resiliência com sua emocionante história de superação.

Ele derrotou as lesões, venceu as dúvidas, e escalou até o topo do mundo, se tornando ídolo e referência de inúmeros craques do futebol atual e um expoente máximo do futebol brasileiro e do jogo bonito. Ao longo de toda a sua carreira, o termo que o melhor representou foi, sem dúvida alguma, “Fenômeno’” Mas nesse vídeo, finalizamos com um que também lhe serve perfeitamente: Eterno.

Craques Eternos: Eusébio, o Pantera Negra

Esse artigo foi originalmente escrito como roteiro para o vídeo acima

Apesar de não ser um país campeão do mundo, a história de Portugal no futebol sempre foi riquíssima de grandes times que marcaram época e de grandes craques que fizeram história. Em uma geração, todos conheciam Rui Costa, Deco e Figo; em outra, se acostumaram a ver a qualidade de Bernardo Silva, Bruno Fernandes e da lenda Cristiano Ronaldo. Ao mesmo tempo, nos últimos trinta ou quarenta anos, se torna cada vez mais comum a ascensão e consolidação de craques africanos na elite do futebol europeu.

Mas há muito tempo já havia um craque africano e também português fazendo história na Europa e construindo um legado eterno. Hoje você vai ver a história de um dos maiores jogadores do século passado: Eusébio, o Pantera Negra.

Início da Lenda

Foto: cena do filme ‘”RUTH”, que conta a história de Eusébio.

Eusébio da Silva Ferreira nasceu em 25 de janeiro de 194 em Maputo, capital de Moçambique, que foi colônia portuguesa até 1975. Seu pai era Laurindo António da Silva Ferreira, um ferroviário, homem branco, nascido em Angola, e que faleceu quando o Pantera tinha apenas oito anos. Sua mãe atendia pelo nome de Elisa Anissabeni, mulher negra, natural de Moçambique. Eusébio não era filho único – longe disso. Era o caçula de uma família com 4 filhos, que vivia numa sociedade em situação de grande pobreza, algo que por si só já é o bastante para causar uma infância repleta de dificuldades, e que aumenta ainda mais quando há tantas bocas para se alimentar e quando o pai da família falece tão cedo.

Apesar disso, o menino Eusébio não se abalava. Sua felicidade era uma só: jogar bola descalço, em campinhos improvisados, com qualquer coisa que fosse minimamente redondae pudesse ser chamada de bola. Em Moçambique, Eusébio aos quinze anos já jogava por uma equipe de futebol, “Os Brasileiros Futebol Clube”, e tinha o objetivo de jogar pelo Desportivo, na época uma filial do Benfica no país africano, mas acabou sendo rejeitado duas vezes devido a um problema no joelho.

Um de seus amigos na época era Hilário da Conceição, que seria futuramente atleta profissional do Sporting CP. Hilário e Eusébio jogaram juntos quando eram crianças no FC Arsenal, no qual Eusébio tinha dificuldades devido a sua estatura, afinal era mais novo do que os demais. No entanto, era inegável a habilidade do garoto, tanto que aos 16 anos já era apelidado de Pelé por seus amigos, em referência ao gênio do futebol mundial daquela época.

E se a filial do Benfica não aceitou Eusébio, a do Sporting recebeu indicação do próprio Hilário e não cometeu o mesmo erro. O clube leonino foi o primeiro da carreira de Eusébio, onde ele disputou mais de 40 partidas e marcou quase 80 gols, números muito acima do normal. Naturalmente, acabou chamando a atenção dos clubes de Portugal, e além disso fez saltar os olhos de José Carlos Bauer, ex-jogador do São Paulo, que viu Eusébio jogar e o indicou para o tricolor paulista, que no entanto o rejeitou. Naquele mesmo ano de 1960, Bauer também o indicou para um homem que já havia sido seu técnico em outro momento, e que agora comandava o Benfica. Esse homem era o húngaro Béla Guttmann.

Leão virou Águia 

Foto: Keystone/Getty

Guttmann viu com bons olhos a vinda do então jovem de 17 anos Eusébio para os Encarnados, mas com uma ascensão tão meteórica na filial do Sporting, era inevitável que os Leões também fossem lutar pelo rapaz. A história que contam é de que o Leão de Lisboa já tinha tudo acordado com o Lourenço Marques para que Eusébio trocasse a filial pela matriz, no entanto os dirigentes do Benfica usaram da mais genuína malandragem, colocaram Eusébio em um avião deles e o fizeram voar em direção dos Encarnados, de Moçambique para Portugal. No local, encaminharam o jovem para um hotel e ainda fizeram a mãe de Eusébio assinar um contrato em nome do jogador, oferecendo uma boa quantia de dinheiro como estímulo.

Ele viajou como um Leão e acabou se tornando uma Águia, praticamente sem querer. O negócio já estava feito e não havia nada que o Sporting pudesse fazer, pois Eusébio não queria quebrar a palavra de sua mãe. O outrora apelidado de “Pelé” quando menino eventualmente passou a ser o Pantera Negra, apelido que fazia referência a sua força e velocidade, que agora serviriam ao Benfica, onde apenas viria a estrear no ano seguinte, em 1961. Na ocasião, entrou em campo num péssimo dia, quando o Benfica foi derrotado por 4×1 contra o Vitória de Setúbal. Mas o bom presságio estava ali, e Eusébio marcou seu primeiro gol com a camisa vermelha.

Vale ressaltar que, naquela época, o Benfica era simplesmente o atual campeão da Copa dos Campeões, tendo acabado com o reinado do Real Madrid que havia vencido as 5 primeiras edições da principal competição de clubes da Europa. Eusébio era um jovem craque e chegava, em tese, para compor um grupo que já era extremamente forte, com jogadores históricos como Costa Pereira, Mário Coluna, José Águas e Domiciano Cavém.

Nesse grupo, Eusébio estava pronto pra mostrar seu futebol para a Europa: um jogador extremamente rápido, com muita força física, qualidade técnica e letalidade notória na hora de finalizar. Guardadas as devidas proporções, o Pantera era um jogador com características muito parecidas com as de Pelé – não à toa era comumente comparado ao Rei do Futebol, e iniciaria assim sua brilhante jornada no futebol.

Início Glorioso

Foto: Evening Standart/Getty

A primeira temporada de Eusébio no Benfica não foi tão boa no campeonato português. Como é até os dias atuais, a briga era entre os Encarnados, Porto e Sporting, e naquela edição da liga os Leões ficaram com a taça, fazendo 7 pontos a mais do que o Benfica, que ficou atrás também do Porto na tabela. Algo que de certa forma poderia servir como uma boa resposta a perda de Eusébio para os rivais, afinal mesmo sem ele conseguiram vencer o principal título do país.

No entanto, o time de Béla Guttmann tinha uma frente ainda mais importante para lutar e essa era a Copa dos Campeões, onde o Benfica era o atual campeão e queria estender esse reinado por mais um ano.

A chegada de Eusébio só tornou aquele time mais forte, e o Pantera Negra aos poucos foi se tornando dono do time. A primeira eliminatória do Benfica naquela edição foi nas oitavas de final contra o Áustria Viena — já que a Champions não tinha fase de grupos naquela época, e direto na segunda fase pois o time pulou a primeira por ser o atual campeão.

Após um empate em 1×1 na Áustria, os Encarnados passaram por cima na volta, vencendo por 5×2 num jogo em que Eusébio marcou o seu primeiro gol europeu. Na fase seguinte o adversário era mais complicado: o Nuremberg da Alemanha surpreendeu ao vencer a primeira partida das quartas de final contra o Benfica por 3×1. Mas a decisão seria no Estádio da Luz, e aí o buraco foi mais embaixo pros alemães. Eusébio marcou 2 dos 6 gols benfiquistas naquele dia, em uma vitória esmagadora por 6×0, que carimbou a passagem do Benfica pra semifinal da Champions.

O rival no caminho para a final seria o inglês Tottenham, que conseguiu não tomar gol de Eusébio na eliminatória, mas perdeu o jogo de ida por 3×1 em Portugal, e mesmo com os Spurs vencendo em Londres por 2×1, não foi o bastante para avançar à grande decisão. Em seu primeiro ano na Europa, Eusébio já iria disputar a sua primeira final da Copa dos Campeões, o principal torneio de clubes do continente. 

Foto: Reprodução

O rival da grande decisão? Simplesmente o Real Madrid, que tava louco pra recuperar a coroa da Europa após ter perdido a chance de ser hexa na edição passada pro Benfica. A final ocorreu na Holanda, no Estádio Olímpico de Amsterdã, em 2 de maio de 1962, para um público de mais de 60 mil pessoas. O que se viu em campo foi nada menos do que um verdadeiro espetáculo: no primeiro tempo, num frenesi de gols de ambos os lados, o Real Madrid saiu vencendo por 3×2 com hat-trick do imparável Ferenc Puskas. José Águas e Domiciano Cavém haviam marcado para o Benfica, e logo no começo da segunda etapa, Mário Coluna conseguiu empatar a partida para os portugueses.

O jogo estava 3-3 e era um confronto digno dos dois times mais fortes da Europa, onde quem tivesse uma carta na manga sairia com a taça. E pra sorte dos encarnados, eles tinham uma que atendia pelo nome de Eusébio da Silva Ferreira. Aos 20 do segundo tempo, o Pantera Negra marcou de pênalti para virar a partida e apenas 3 minutos depois, numa cobrança de falta ensaiada, acertou um chutaço no canto direito do goleiro, ampliando o placar para 5×3 e selando o bicampeonato europeu do Benfica. O jovem de 20 anos, que até pouco tempo era apenas um jogador de uma filial do Sporting em Moçambique, agora era um dos protagonistas da conquista da principal taça do futebol europeu. 

Com a conquista do bicampeonato europeu, o técnico húngaro Béla Guttmann requisitou um aumento em seu salário para seguir comandando o time dos Encarnados. Apesar de todo o sucesso e competência do treinador, a então diretoria do Benfica negou prontamente, e assim ele se revoltou e decidiu deixar o clube português. Antes disso, ele proferiu uma frase: “Sem mim, nem em cem anos o Benfica conquistará uma taça continental.”. Talvez meras palavras de revolta, vazias e que logo seriam esquecidas e sumiriam como poeira ao vento. Ou talvez não. Em todo caso, o técnico chileno Fernando Riera foi o homem escolhido pra dar continuidade ao forte Benfica, que iria em busca de vencer tudo na temporada seguinte. 

Eusébio e Pelé 

Foto: Mirrorpix/Getty

Em 1961, quando conquistou sua primeira Copa dos Campeões, o Benfica não conseguiu se tornar campeão mundial ao perder a final da Copa Intercontinental para o Peñarol. Agora em 1962, eles tinham um argumento a mais para tentar outra vez: Eusébio. Só tinha um pequeno problema.

Naquele ano, o campeão da Libertadores da América foi o Santos. O Santos de Pelé. O Rei do Futebol, o melhor jogador do mundo, com o qual o jovem Eusébio tantas vezes foi comparado, agora seria o rival dele na disputa pelo título mundial. Algo que, sem dúvida, era fantástico, poder enfrentar uma verdadeira lenda viva. Mas ao mesmo tempo era terrível.

Em 1961, o Benfica já havia enfrentado o Santos em um jogo amistoso em Paris, no qual Eusébio marcou 3 gols e Pelé 2. Mas no fim o Santos venceu por 6×3, mostrando sua superioridade. Em 1962, Pelé e Eusébio se enfrentaram mais duas vezes em partidas amistosas, dessa vez pelas seleções de Portugal e Brasil, e mais uma vez o Rei saiu vitorioso nas duas. Será que agora, valendo taça, seria diferente? 

Foto: Popperfoto/Getty

Em 19 de setembro de 1962, o Benfica viajou até o Brasil para enfrentar o Santos no Maracanã com mais de 85 mil espectadores ansiosos pelo jogo de ida da Copa Intercontinental. Sem cerimônia, Pelé se apresentou de forma clara para os europeus, marcando 2 gols na vitória por 3×2 do Peixe.

Mas a margem era pequena e o jogo da volta seria no Estádio da Luz, em Portugal, com mais de 70 mil portugueses empurrando o Benfica. Mas como eu disse, se por um lado era bom enfrentar o Rei do Futebol, por outro era terrível. Em pelo Estádio da Luz, Pelé comandou um verdadeiro espetáculo, marcando 3 gols e dando uma assistência na vitória aterradora do Santos por 5-2. Eusébio marcou um dos dois gols que diminuíram o massacre daquele dia. Mais uma vez, o Benfica era vice no Mundial, perdendo para um adversário mais do que digno. 

No entanto, a história dos confrontos entre Eusébio e Pelé não acabava ali. O destino ainda queria que eles se encontrassem mais uma vez, no palco máximo. 

Domínio Nacional e Frustrações Europeias  

Foto: Kent Gavin/Getty

Se no primeiro ano Eusébio não conseguiu conquistar o campeonato português, na temporada seguinte a coisa seria muito diferente. Em sua segunda edição disputando o campeonato, Eusébio já conseguiu a sua primeira taça da liga portuguesa, com o Benfica batendo o Porto pelo título com 6 pontos de vantagem. O artilheiro do campeonato foi o encarnado José Torres, marcando 26 gols, enquanto o menino Eusébio marcou 23 tentos, chegando muito perto da sua primeira artilharia, o que seria apenas o início da sua veia goleadora na liga portuguesa.

O grande objetivo da temporada 1962-63 era naturalmente tentar repetir o feito do Real Madrid e iniciar uma dinastia europeia. Eliminando primeiro o Norrkoping da Suécia, depois o Dukla Dejvice da República Tcheca e o Feyenoord da Holanda, o Benfica estava mais uma vez na final da Copa dos Campeões, onde iria enfrentar o Milan da Itália. No caminho até a final, Eusébio marcou 5 gols em 6 partidas, sendo o artilheiro do Benfica na competição.

A grande final contra o Milan foi em 22 de maio de 1963, para um público de 45 mil pessoas no estádio Wembley, na Inglaterra. Não demorou muito pra Eusébio mostrar porque era considerado um dos melhores jogadores da Europa ainda tão jovem, logo aos 19 minutos abrindo o placar contra o Milan, arrancando pela direita até invadir a área e soltar um chutaço cruzado, sem chance pro goleiro, um gol na mais pura característica do craque lusitano.

Mas o que começou como a final dos sonhos acabou se tornando um pesadelo. Após ir muito bem no primeiro tempo e ir pro intervalo com a vantagem, na segunda etapa o Benfica deu branco e tomou dois gols do artiilheiro daquela Champions, José Altafini – o Mazzola – num espaço de apenas 11 minutos. Ali acabou o sonho do tri europeu para o Benfica e, pela primeira vez, as palavras ditas por Béla Guttmann começaram a assustar. Ali começava o que é conhecido até os dias de hoje como A Maldição de Béla Guttmann. 

Foto: Reprodução

Em 1963-64, apesar de cair nas oitava da Copa dos Campeões o Benfica tinha uma certeza que iluminava os seus dias: eles estavam criando um monstro. O bicampeonato português veio com estrondosa temporada de Eusébio, que pela primeira vez foi artilheiro da liga nacional, marcando 28 gols, 6 a mais do que o vice-artilheiro.

Aquilo nada mais era do que um pequeno prelúdio do que estava por vir, pois Eusébio viria a emplacar uma série de artilharias na liga portuguesa, não dando chance pra mais ninguém ser o principal goleador do país. Em 1964-65, voltou a repetir o número de 28 gols, no ano do tricampeonato nacional do Benfica. Aquela temporada, assim como a de 1962-63, teve tudo para ser o grande ano mágico dos Encarnados, pois mais uma vez eles tiveram a chance de conquistar o tricampeonato da Copa dos Campeões. 

A campanha individual de Eusébio na Copa dos Campeões de 1964-65 foi assombrosa: 3 gols na primeira eliminatória, 1 gol na segunda eliminatória, 3 gols nas quartas de final (contra o Real Madrid) e 2 gols nas semifinais. Vale o lembrete de que naquela época, a Copa dos Campeões – hoje a Champions – não tinha fase de grupos, eram duas fases eliminatórias iniciais que classificavam os times pras quartas de final.

Eusébio marcou em todas essas fases e foi o artilheiro da competição, empatado em número de gols com seu companheiro José Torres. O rival do Benfica na decisão seria mais uma vez italiano, agora o outro time de Milão: a Internazionale. Eusébio estava no seu auge, melhor impossível. Era o artilheiro do campeonato português e o artilheiro da Champions, não havia melhor jogador na Europa àquela altura.

Só que mais uma vez, o Benfica saiu derrotado. Aos 42 minutos do primeiro tempo, um gol do brasileiro Jair imprimiu mais um vice-campeonato europeu aos Encarnados. E o pior: o gol veio num frangaço do goleiro lendário Costa Pereira.

Foto: SL Benfica/Getty

Mais uma vez, Eusébio não tinha nada a trazer de uma final europeia além de frustração. E mais uma vez, a maldição de Béla Guttmann assustava. Apesar de tudo, era inegável o desempenho individual fantástico de Eusébio, e como reconhecimento, naquele ano de 1965, ele venceu a Bola de Ouro da France Football, sendo reconhecido como o melhor jogador da Europa. Eusébio foi o primeiro e até o dia de hoje o ÚNICO jogador que venceu a Bola de Ouro atuando em Portugal. Vale o destaque também de que Eusébio era português e moçambicano, então apesar de costumarmos dizer que o Weah foi até hoje o único africano Bola de Ouro, também podemos considerar o Eusébio como o primeiro africano a vencer o prêmio, além de indiscutivelmente ter sido o primeiro homem negro a receber a principal honraria do futebol europeu. 

Na temporada de 1965-66 o sucesso coletivo do Benfica não veio, com o time perdendo o campeonato nacional para o Sporting, assim deixando escapar a chance de um tetra seguido. Só que Eusébio não fraquejou e assegurou a sua terceira artilharia seguida do campeonato português, guardando 25 gols.

Aquela temporada era mais do que especial, pois culminava no principal evento do futebol. Era ano de Copa do Mundo, a Copa de 66 na Inglaterra, e Portugal teria um trunfo mais do que valioso: o Pantera Negra, melhor jogador da Europa, jogava para defender as cores lusitanas e chegaria com tudo para o Mundial. 

Mundial de 66

Foto: Popperfoto/Getty

Desde o começo, era sabido que a Copa do Mundo de 1966 não seria nada fácil para Portugal, com o grupo logo de cara já mostrando isso: enfrentariam Bulgária, a até então fortíssima seleção da Hungria e os atuais bicampeões do mundo, o Brasil de Pelé e cia. Mais uma vez, Eusébio iria se encontrar com o lendário Pelé, o qual ele já havia enfrentado em alguns amistosos e na final do mundial de clubes, e até então havia perdido sempre. Era a hora da revanche, no palco máximo, onde todos os grandes jogadores querem estar. 

A primeira partida de Portugal foi logo contra a Hungria, uma oportunidade de ouro para a seleção das quinas mostrar a que veio, e eles não desperdiçaram, vencendo os húngaros por 3×1, com dois gols de José Augusto e 1 de José Torres, este com assistência de Eusébio

A segunda partida foi uma vitória completa por 3×0 contra a Bulgária, onde Eusébio marcou o seu primeiro gol na competição. A partir dali, o homem não pararia mais.

Foto: Popperfoto/Getty

A terceira e última partida da fase de grupos marcaria o reencontro entre Eusébio e Pelé, numa partida de caráter absolutamente decisivo. O Brasil havia vencido a Bulgária e sido derrotado pela Hungria, portanto chegava pra última partida precisando vencer de qualquer jeito ou seria eliminado – lembrando que naquela época a vitória dava apenas 2 pontos.

Esse jogo ficou marcado como um dos maiores da história de Portugal. Para parar Pelé, os portugueses usaram a estratégia de parar o Pelé do jeito que dava – muitas vezes na porrada – e de depender do Pantera Negra lá na frente.

Assim, veio uma vitória por 3×1 contra os atuais bicampeões do mundo, onde Eusébio destruiu, marcou duas vezes, e mandou Pelé e a seleção brasileira de volta pra casa ainda na fase de grupos.

O homem que quando garoto foi apelidado de Pelé, um nome que naquela época parecia tão distante, algo quase que fictício, derrotaria o ídolo no palco máximo do futebol. Naquele dia, Eusébio se apresentou para o Brasil inteiro e para o mundo. Foi também nesse dia que o Pantera Negra e Pelé começaram uma boa amizade, segundo palavras do próprio Rei. Pelé chamava Eusébio de irmão e, em uma entrevista em 2016 quando perguntado sobre Messi x Cristiano, cravou:

“Não podemos esquecer outro, não podemos esquecer Eusébio. Coloco-o à frente desses dois.”

Portugal então avançou e enfrentou a Coreia do Norte nas quartas de final, partida na qual Eusébio estava impossível e marcou 4 gols na vitória por 5×3 dos lusitanos. Portugal estava nas semifinais da Copa do Mundo e teria pela frente os anfitriões: a seleção da Inglaterra. O Pantera Negra até marcou, mas não foi o suficiente para impedir a derrota de Portugal, que caiu por 2×1 frente aos ingleses.

Na disputa de terceiro lugar, Eusébio foi às redes de pênalti contra o lendário goleiro Lev Yashin, e ajudou Portugal a derrotar a União Soviética, concretizando assim aquela que é, até hoje, a melhor campanha da história da seleção portuguesa nas Copas do Mundo. Eusébio foi com sobras o artilheiro daquela Copa do Mundo, com 9 gols marcados. 

Melhor da História do Futebol Português

Foto: Popperfoto/Getty

A temporada 1966-67 mostrou que Eusébio não estava nem um pouco abalado pelas recentes derrotas na final da Champions e na semifinal da Copa do Mundo. O craque atingiu seu melhor registro de gols no campeonato português, cravando 31 bolas na rede e levando o Benfica a mais uma conquista da liga nacional.

O Pantera Negra estava faminto e em 1967-68, a coisa foi ainda mais brutal: Eusébio marcou 42 vezes nas 26 rodadas do campeonato português, uma média absurda superior a 1,6 gols por jogo e, mais uma vez, guiou os encarnados para a conquista da liga portuguesa, junto a sua 5ª artilharia seguida no campeonato. Uma artilharia colossal, uma média de gols absurda e que cada vez mais colocava Eusébio num lugar que ele ocupa até os dias de hoje: o de melhor jogador da história do futebol português. Em Portugal, ninguém jamais jogou mais do que Eusébio

Mas apesar de tudo, o gênio de Moçambique ficou com uma eterna marca em sua carreira: a frustração de não conseguir repetir a conquista da Europa, feita em sua primeira temporada com o Benfica. Em 1967-68, mais uma vez, Eusébio foi a guerra com todas as suas forças na Europa, levando novamente o Benfica à decisão da Copa dos Campeões e sendo mais uma vez artilheiro da competição. Não poderia ser possível que o Benfica perdesse a terceira final de Copa dos Campeões seguida, justamente após Béla Guttmann proferir tais palavras, que até hoje assustam os arredores do Estádio da Luz. Mas sim, foi possível.

Os encarnados empataram contra os ingleses do Manchester United no tempo normal, mas sucumbiram na prorrogação e foram derrotados por 4×1 pelo lendário United de Matt Busby.

Eusébio havia disputado a sua quarta e última final da Copa dos Campeões, tendo vencido a primeira e perdido as outras 3. É inegável que Eusébio alçou o Benfica a um patamar que o clube jamais voltou a alcançar até os dias de hoje, mas sempre vai ficar a sensação de frustração de que poderia ter sido mais, poderia ter sido melhor. Hoje, o Benfica já poderia ser tri, tetra ou até pentacampeão europeu, graças ao presente que foi ter um gênio que raramente aparece no futebol. Mas ainda assim, Eusébio marcou uma era nos encarnados, que jamais será esquecida e que o faz até hoje ser o maior ídolo da história do clube. 

As despedidas

Foto: Ron Pornall/Getty

Nos anos seguintes, Eusébio ainda faturou mais duas artilharias do campeonato português, com 20 gols em 1969-70 e 40 gols em 1972-73, já aos 31 anos de idade. Além disso, guiou o Benfica para ainda mais 5 conquistas no país, totalizando em sua carreira 11 campeonatos portugueses vencidos, até hoje o maior vencedor dessa competição. Além da Copa dos Campeões, Eusébio também venceu 5 Taças de Portugal, assim totalizando a conquista de 17 títulos de maior grandeza pelo Benfica.

Além disso, foram 7 artilharias do campeonato português e mais 3 artilharias da Copa dos Campeões. Dentre essas artilharias locais, duas delas garantiram a Eusébio a Chuteira de Ouro da Europa, prêmio dado ao jogador com mais gols em todas as ligas do continente na temporada. Foram as de 1967-68, com 42 gols, e de 1972-73, com 40 gols. 

Em 1975, Eusébio colocou um fim a sua história no Benfica. Nos anos seguintes, teve breves passagens por diversos clubes em diversos páises como os Estados Unidos, México, Canadá e também em Portugal, onde vestiu a camisa do Beira-Mar e do Tomar. Vale o destaque de que durante suas passagens nos Estados Unidos, chegou a enfrentar novamente Pelé, que também atuava lá naquela altura, pelo New York Cosmos, enquanto Eusébio jogava pelo Las Vegas Quicksilver.

O último clube do Pantera Negra foi o New Jersey Americans, onde ele se aposentou em 1979, sofrendo com diversas lesões àquela altura. Notável como o Pantera ficou 15 anos no Benfica, mas depois disso jogou em 7 clubes diferentes em 3 anos. Parecia que estava destinado a vestir a cor dos encarnados mesmo.

Eusébio, o Pantera Negra

Foto: Anadolu Agency/Getty

Eusébio marcou 733 gols em 745 partidas, entre jogos considerados oficiais e não-oficiais. Pelo Benfica foram 473 gols em 440 jogos, sendo com sobras o maior artilheiro da história do clube. Por Portugal, foi às redes 41 vezes em 65 partidas.

Dentre suas muitas conquistas individuais, estão as de 9º melhor jogador do século XX pela IFFHS, 8º melhor jogador do século XX pela Placar e 10º melhor jogador do século XX pela World Soccer.

Em 5 de janeiro de 2014, o mundo do futebol esteve de luto. Morreu Eusébio, o Pantera Negra, aos 71 anos, vítima de uma parada cardiorrespiratória. Seu corpo foi velado no Estádio da Luz, palco de suas maiores glórias, sua casa de sempre, que até hoje tem uma magnífica estátua do maior jogador da história daquele lugar, ninguém além de Eusébio.

Até os dias de hoje, Eusébio é recordado como o jogador que mudou a história da seleção de Portugal e do futebol português como um todo, sendo responsável por fazer o país inspirar respeito nas Copas do Mundo e por marcar uma época de um Benfica temido no cenário europeu, que derrubou outros gigantes em diversas ocasiões. Eusébio, craque, gênio, atleta negro, moçambicano, português, africano e também europeu, independente de qual termo você prefira usar para se referir a ele, merece muito mais um que melhor simboliza o que ele é para a história do futebol: eterno.

Euro d’Or – Agosto/22

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Neymar Jr. foi eleito por Euro Fut e convidados como o Melhor do Mundo no mês de Agosto!

Todos os votos e votantes podem ser conferidos abaixo:

Euro d’Or: A Bola de Ouro do Euro Fut!

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A FIFA e a France Football podem escolher os melhores, então por que não o Euro Fut entrar na brincadeira?

Anunciando o Euro d’Or: quadro com o objetivo de escolher, mensalmente, os melhores jogadores da Europa.

Mas não faremos isso sozinhos: Todos os meses, iremos convidar pessoas para participar do quadro, nos enviando seus votos de 1º, 2º e 3º lugar, com os 3 jogadores que, na visão do convidado, foram os 3 melhores jogadores da Europa no mês em questão. Depois, contaremos todos os votos para chegar a um top 3.

Os votos têm o seguinte peso:

1º: 5 pontos

2º: 3 pontos

3º: 1 ponto.

E quem serão os convidados? Podem ser páginas que falam sobre futebol europeu, pessoas muito bem versadas no assunto e até mesmo jornalistas conhecidos pelo público. O detalhe é: todos os meses, iremos convidar um pessoal diferente!

É isso, fiquem então de olho aqui no site e nas nossas Redes Sociais para acompanhar quem será o vencedor de cada mês!

Bosman: a lei que mudou o futebol

Pouco mais de vinte anos atrás, um acontecimento mudou o futebol europeu para sempre: quando o jogador Jean-Marc Bosman processa o seu clube em busca de seus direitos, ele desencadeia uma mudança sem igual que, além de dar mais liberdade para os jogadores europeus, acaba criando um efeito dominó e uma desigualdade absurda nas principais ligas europeias.

Aqui vamos falar de tudo que envolve a Lei Bosman e como ela mudou o futebol para ser o que é hoje.

Jean-Marc Bosman

Foto: Reprodução

Para explicar a Lei Bosman é necessário falar do cara que dá nome a ela, Jean-Marc Bosman. E para um jogador ter mudado a história do futebol, dá para imaginar que um craque de bola, não? Mas nada disso:

O Bosman era um meia belga que jogou no Standart de Liège pela maior parte da sua carreira, mas é difícil dizer que alguém além dos torcedores do clube conheciam ele nessa época. Em 1988 ele vai para o menos conhecido RFC Liège, e lá não dá pra gente dizer se jogou bem ou não porque a verdade é que a gente não sabe muito do que ele fez dentro do campo, e sim fora dele.

Isso porque em 1990 o seu contrato com o time belga acaba, e ele acerta a sua ida para o USL Dunkerque da França. Só faltava combinar com o RFC Liège, que não quis liberar o jogador.

Mas pera aí, o contrato dele não tinha acabado?

O futebol antes de Bosman

Foto: Standart Liège

É aí que entra como funcionava o futebol europeu antigamente: quando um clube contratava um jogador ele adquiria o passe dele, o que basicamente significava que eles eram donos daquele atleta, e ele só poderia jogar então pelo seu clube. O contrato então era meio que algo a parte, ou seja, um vínculo empregatício por um número X de anos com um valor Y de salário e que era necessário para ele poder de fato jogar as competições pelo time, já que eram jogadores profissionais. Então o passe garantia a compra do jogador, enquanto o contrato oficializava o salário por um número determinado de tempo.

A verdade é que em cada lugar a regra era um pouco diferente já que cada país tem suas próprias leis, mas de maneira geral era assim que funcionava.

Então quando o contrato do Bosman acabou, ele negociar com o Dunkerque não adiantava de nada se o RFC Liège não liberasse. O Liège pediu um valor que era muito alto pro pequeno Dunkerque, que então desistiu do jogador, melando a negociação.

Nisso o Bosman não podia jogar, porque não tinha contrato, e nem sair, porque o passe era do Liège. Com todo o poder em suas mãos, o clube então oferece um novo contrato com uma redução de 75% do salário para o jogador, já que ele “não tinha escolha” a não ser aceitar.

Mas diferente dos outros o Bosman não aceitou esse contrato, e como tal acabou sem jogar mais para o clube e sem poder sair – ah, e sem também receber. 

Depois de um tempo ele até chegou a começar em outros clubes como o Saint-Quentin da França, mas lá ele não jogou por muito tempo. A verdade é que poucos clubes queriam se meter nessa confusão toda, então o Bosman fazia parte ali de uma “Lista Negra da Europa” e não conseguiu mais seguir a sua carreira profissional.

Lei Bosman: a decisão que mudou pra sempre o futebol

Sua decisão mais importante foi então na justiça, quando ele vai para a Corte de Justiça Europeia e processa o RFC Liège, a Federação Belga – já que ela ficou do lado do clube e não dos jogadores – e a própria UEFA pelos mesmos motivos, num processo judicial que, como sempre, demorou bastante tempo. 

É aí que entra um ponto importante: um dos argumentos de seus advogados era o Tratado de Roma, assinado em 1957 pelos países da Comunidade Europeia – hoje União Europeia. Entre vários pontos, o tratado prezava pela liberdade de europeus de transitarem e trabalharem em todos os países da União Europeia, então a ideia era que a decisão do clube em barrar a ida do Bosman para a França seria uma violação desse acordo.

Em 1995 o processo finalmente chega ao fim, e a decisão é em favor do Bosman, criando assim a “Bosman Ruling”, ou em português a Lei Bosman. Ela decidia que segurar um jogador sem contrato era ilegal, e portanto toda essa ideia de “passe” foi pro espaço, agora valiam apenas os contratos.

Isso permitiu que os jogadores pudessem escolher seus próximos clubes e ter mais controle sobre sua própria carreira, uma mudança gigante para o futebol. Vale lembrar que essa mudança é válida para a Europa, mas em outros continentes e países leis similares tiveram o mesmo propósito, como por exemplo a Lei Pelé no Brasil. 

Só que lembra o argumento da liberdade de trabalho em países da União Europeia? Isso acabou também interferindo em outra coisa:

Até aquele momento, um time europeu só poderia ter cinco jogadores estrangeiros em seu elenco para um jogo de competição europeia – para a liga de cada país a regra variava, mas era algo em torno disso mesmo. A regra era na verdade 3+2: você poderia utilizar três estrangeiros, mais dois se esses dois fossem da suas categorias de base. Fora isso, têm que ser jogadores do seu país. Era o caso por exemplo do “Milan dos Holandeses”, que tem esse apelido muito porque os seus três holandeses, Rijkaard, Gullit e Van Basten, eram os únicos três estrangeiros da equipe, o resto sendo todos italianos e aí eles se destacavam bastante por isso.

A Lei Bosman mudou isso, já que o julgamento decidiu que esse limite prejudicava a liberdade dos trabalhadores europeus em países estrangeiros, e assim esse limite foi embora. Os jogadores de fora da europa ainda são considerados estrangeiros, mas os europeus não, e essa mudança revolucionou o futebol como a gente conhece.

Qual o impacto da Lei Bosman?

Foto: Arsenal

Mas e o que mudou de fato com a Lei Bosman? Bem, a que motivou o processo trouxe a primeira mudança: sem o passe, um jogador poderia agora assinar com outro clube assim que seu contrato acabasse. 

Primeiro, isso trouxe uma maior liberdade para os jogadores. Além disso, deu a eles maior poder de negociação: como o clube não precisava mais pagar um valor pela compra do jogador sem contrato, eles podiam exigir um valor muito maior em salários. Isso ficou exemplificado muito bem pouco tempo depois, com a ida do zagueiro Sol Campbell do Tottenham para o Arsenal de graça, graças a Lei Bosman, e sendo o primeiro jogador a receber 100 mil libras por semana no país, outro impacto direto da lei.

Segundo, é nessa época em que começa a aumentar a demanda para os famosos agentes de jogadores. Até esse ponto eram os clubes que negociavam tudo, até porque o jogador não tinha o que fazer. Com o maior poder de decisão veio a necessidade de ter alguém ajudando com essas questões financeiras, e assim os agentes foram virando figuras cada vez mais importantes no mundo do futebol. Então se hoje a gente tem os chamados “super agentes”, que mandam e desmandam no esporte, é muito por causa da Lei Bosman.

E agora devido à outra faceta, não ter o limite de jogadores estrangeiros foi outro componente que mudou demais o futebol europeu. Por exemplo, se antes a Premier League era composta de maioria inglesa, não demorou muito para os estrangeiros dominarem ela, algo presente até hoje.

O lado ruim da Lei Bosman

Foto: PSG

A combinação das duas acabou criando um abismo gigantesco entre os clubes grandes e os médios da europa: podendo sair para qualquer clube, os jogadores vão claro escolher não só os times grandes pelo lado esportivo, mas porque eles podem oferecer os maiores salários. Assim, começou a existir uma concentração de craques em times como o Real Madrid, Barcelona, Bayern entre outros, que cada vez mais ricos mais tinham um elenco melhor, ganhavam títulos, ficavam mais ricos e conseguiam contratar mais craques – vários deles inclusive “de graça”, aí sobrava dinheiro e por aí vai.

Um exemplo bem recente: chegando no fim do seu contrato, Mbappé ficou com todas as cartas na mão para decidir o seu futuro, com times como o Real Madrid dispostos a enviar rios de dinheiro para contar com o jogador. Mas mais do que isso, o Mbappé resolveu ficar no PSG, já que seu aumento salarial o tornou o jogador mais bem pago do mundo.

E o Real que é outro gigante não fica de mãos abanando não, pois recentemente também contratou o Rüdiger de graça, e na janela anterior havia chegado o Alaba. Sem precisar pagar valores de transferência, o Real pôde usar esse valor em outros jogadores, como o Tchouaméni, e aumentar ainda mais a diferença de elenco para os outros times da europa. Virou uma briga de gigantes, e os médios e pequenos não chegam perto de conseguir competir.

Antes da Lei Bosman, a Champions League era bastante disputada por clubes de diversos lugares da europa, já que os craques de seus países normalmente ficavam por lá mesmo. Pegando ali um período de 10 anos antes da Lei, de 1985 até 1995, a Champions havia sido vencida por clubes de 7 países diferentes, sendo alguns deles mais alternativos como o Steua Bucareste da Romênia e o Estrela Vermelha da Sérvia.

De 1995 para cá são 28 edições de Champions vencidas por apenas times de 5 países diferentes: Espanha, Itália, Portugal, Inglaterra e Alemanha, ou seja, a concentração de craques tá toda nessas principais ligas da europa e não mais dividida como antigamente.

É lógico que não é o único motivo: a competição ter mudado o formato e ter hoje mais times de cada uma dessas principais ligas ajuda a evitar essas zebras, mas ainda assim, claramente o que tirou a competição foi essa disparidade e não o número de vagas. 

Jean-Marc Bosman

Foto: FIFPro

E depois disso tudo, como ficou o próprio Bosman? Mesmo que tenha causado uma revolução no esporte, não dá pra dizer que como jogador ele se deu bem não: durante o período do processo ele roda alguns pequenos clubes, mas nunca se firma e meio que dá para dizer que sua carreira acabou ali mesmo em 1990, quando não assinou com o Liège. Quando vence o processo ele ganha um dinheiro de compensação, mas que é muito pouco comparado com o que os jogadores começaram a ganhar logo depois da Lei Bosman.

Hoje o Bosman tem dificuldades financeiras, muitas vezes sem trabalho, e quando tem é ganhando algo perto de um salário mínimo, longe dos contratos milionários que ele ajudou a tornar realidade.

Eu tenho orgulho da Lei porque ainda vão falar dela por muitos anos, talvez até quando eu não esteja mais aqui. Talvez eles pensem que devessem me agradecer, só isso.

Jean-Marc Bosman

Essa é a Lei Bosman, que revolucionou o futebol, elevou o patamar dos principais jogadores da Europa, e criou esse abismo gigantesco entre os principais times para o resto. Uma mudança que era necessária, mas que acabou resultando, talvez, em um problema ainda maior.

Brasil Penta: todos os títulos da Seleção

Esse artigo foi escrito originalmente como roteiro para o vídeo acima.

O Brasil é pentacampeão da Copa do Mundo, e por isso considerado o maior país quando o quesito é futebol. Hoje vamos passar por toda a trajetória da Seleção Brasileira, por cada uma dessas cinco conquistas.

Suécia 1958

A Copa do Mundo de 1958, sediada na Suécia, contemplou uma geração que carregava o enorme peso de lavar a alma dos brasileiros após o enorme trauma que foi a Copa de 1950, quando ao sediar a competição mais importante do futebol a Seleção Brasileira conseguiu chegar no que foi basicamente a decisão, teve o Maracanã lotado com 200 mil pessoas para apoiar a equipe, e acabou sendo derrotada para o Uruguai, algo que por muito tempo foi o maior trauma da história do futebol brasileiro.

O chamado Maracanazo foi um baque tão forte para a Seleção Brasileira que nos fez até abandonar a cor branca usada até então e substituí-la pela amarelinha dos dias de hoje. 

Era uma época diferente, o Brasil não era ainda respeitado e temido no mundo da bola. A Copa do Mundo já existia desde 1930, mas ainda não havíamos sido campeões nem uma única vez.

Foto: Popperfoto/Getty

O que havia de diferente em 1958, além de uma preparação e um planejamento melhor, era aquilo que mais é decisivo nas 4 linhas: jogadores. O técnico Vicente Feola contava com jogadores mais experientes e respeitados como o capitão Bellini, Didi, Zito, Djalma Santos, Vavá e Zagallo.

Além deles, a Seleção Brasileira contava com uma dupla que jamais viria a ser derrotada jogando juntos em toda a história: Pelé e Garrincha

Claro, hoje é fácil falar sobre o Pelé, mas na época ele era apenas um menino de 17 anos. Pense como seria hoje, a Seleção Brasileira ir para uma Copa do Mundo com um garoto surgindo no futebol brasileiro e ele chegasse lá e simplesmente destruísse. Foi isso o que houve em 58, algo simplesmente de outro mundo.

Mas não foi da noite pro dia, porque o Pelé e nem o Garrincha começaram como titulares. Ambos eram reservas na estreia contra a Áustria e no segundo jogo da fase de grupos, contra a Inglaterra, que foi um amargo empate em 0x0.

Foi apenas no 3º jogo, contra a União Soviética, que ambos iniciaram e dali não mais sairiam do time, principalmente porque a partir da fase de mata-mata o menino de 17 anos chamado Pelé começou a se apresentar para a Europa e para o mundo. 

Foto: picture alliance/Getty

Na época, com a quantidade de participantes menor do que é hoje, não haviam oitavas de final. Nas quartas de final, o primeiro mata-mata, o Brasil enfrentou o País de Gales. Vitória suada, dura, por 1×0, com gol adivinha de quem? De Pelé. O que poderia ser um simples golpe de sorte, um rapaz de 17 anos sendo decisivo em uma Copa do Mundo, na verdade se mostrou outra coisa na semi-final, quando o Brasil trucidou a França por 5×2, com um hat-trick de Pelé. Sim, 17 anos e hat-trick na semifinal da Copa.

Depois de confirmar a final de maneira surpreendente, havia ainda a questão de superar o que foi o trauma de 50. O Brasil estava mais uma vez em uma final, mas dessa vez era o oposto de 1950.

No dia 29 de junho, no Estádio Rasunda, estávamos fora de casa, em outro continente, decidindo uma final de Copa contra a Suécia em pleno território sueco. Parecia que o pesadelo iria se repetir quando, aos 4 minutos, Nils Liedholm fez bela jogada na entrada da área e abriu o placar.

Mas agora o Brasil tinha Garrincha, que partiu pra jogada individual na direita, cruzou pra área e deixou Vavá em condições de só empurrar pro gol. Dali pra frente os ânimos se acalmaram, o Brasil botou a bola debaixo do braço e deu uma aula de futebol aos europeus. Vavá, de novo, virou o jogo aos 32′, mais uma vez com assistência de Garrincha, e o Brasil foi pro intervalo vencendo.

No segundo tempo, Pelé simplesmente decidiu que não ia mais ter jogo e aos 55′ fez um dos gols mais antológicos de todos os tempos, recebendo na área, dando um chapéu no defensor, e fuzilando pro gol. Zagallo fez o quarto gol aos 68′ e os suecos até tentaram reagir com gol de Agne Simonsson aos 80’, mas no fim Pelé fechou a conta e confirmou a vitória brasileira por 5×2, numa jogada que ele mesmo inicia com passe de calcanhar.

Foto: Reprodução

O Brasil era pela primeira vez campeão mundial de futebol, e Bellini foi o primeiro capitão a erguer a Jules Rimet com a camisa da Seleção Brasileira. A primeira conquista de um pentacampeonato que até hoje só nós temos. E ali também começou o reinado de Pelé no mundo da bola. 

Chile 1962

Foto: Popperfoto/Getty

Se o Brasil chegava com um forte trauma e inseguranças para o Mundial de 58, pode-se dizer que a situação em 62 era o oposto. Garrincha e Pelé, já consolidados por anos como os melhores jogadores do Brasil, chegavam desta vez não como reservas, mas mais maduros e como os líderes técnicos de uma seleção cheia de moral, que não ia mais em busca da sua primeira conquista e sim de um bicampeonato.

O comando técnico agora não pertencia mais a Vicente Feola e sim Aymoré Moreira, que decidiu basicamente dar continuidade ao trabalho do seu antecessor. O retrato disso é que, na estreia da Copa de 62, o Brasil contava com 9 titulares que haviam iniciado a final contra a Suécia em 58: Gilmar, Djalma Santos, Nílton Santos, Zito, Garrincha, Didi, Vavá, Pelé e Zagallo.

Num grupo com Tchecoslováquia, México e Espanha, não havia dúvidas de que o Brasil era amplo favorito, e isso se confirmou com uma boa vitória na estreia contra o México, com gols de Pelé e Zagallo

Mas no segundo jogo, contra a Tchecoslováquia, veio o grande baque: Pelé se lesionou. E não foi apenas uma lesão simples que o tirou de um jogo: o camisa 10 da Seleção Brasileira simplesmente não conseguiu mais entrar em campo no restante daquela Copa. Pra piorar, o Brasil empatou aquele jogo em 0x0, saindo com uma séria dúvida: será que sem o Pelé, dá pra gente?

Um desfalque aterrador. Mas mesmo nessas circunstâncias, Amarildo foi o escolhido para o lugar do Rei e não decepcionou: no 3º jogo da fase de grupos, marcou os 2 gols do Brasil na vitória por 2×1 sobre a Espanha. Naquela Copa de 62, o Brasil podia se dar ao luxo”se jogar sem o seu principal jogador, porque do lado dele havia outro gênio geracional: Mané Garrincha.

Foto: Popperfoto/Getty

Nas quartas de final, o Brasil despachou a Inglaterra por 3×1, 2 gols de Garrincha e um de Vavá.

Nas semifinais, contra os anfitriões chilenos, mais uma vez o Mané botou o jogo no bolso, guardou 2 gols e Vavá marcou outros 2, vitória contundente por 4×2 e vaga na final carimbada.

No dia 17 de junho, no Estádio Nacional do Chile, o Brasil foi em busca do bi.

A decisão foi contra a seleção que o Brasil não havia conseguido vencer, no jogo em que o Pelé se lesionou: a Tchecoslováquia. E assim como na final de 58, os adversários começaram melhores e saíram na frente, com Josef Masopust infiltrando e recebendo sozinho na área, só tendo o trabalho de tirar do goleiro.

Mas quis o destino que Amarildo, que substituiu Pelé no time titular, empatasse o jogo após bela jogada individual e batida cruzada. No segundo tempo, o Brasil botou a bola no chão e mais uma vez Amarildo foi decisivo: fez bela jogada individual na esquerda e botou a bola na cabeça de Zito no 2º pau pra virar o jogo.

E pra fechar a conta, o goleirão Viliam Schrojf entregou a paçoca e Vavá não perdoou. Brasil 3×1, bicampeão mundial de futebol de maneira absoluta, superando a perda de seu melhor jogador durante quase todo o torneio. O Brasil alcançava Itália e Uruguai, que também tinham 2 títulos cada, e a partir daquele momento em 1962 nunca mais uma seleção teve mais títulos de Copa do que o Brasil.

Com aquela vitória no Chile, estava mais do que provado que o futebol brasileiro era o mais forte do mundo, e que aquela geração havia exorcizado qualquer fantasma do passado, e assim o capitão Mauro Ramos ergueu a segunda taça Jules Rimet da história do futebol brasileiro.

México 1970

Foto: FIFA

“A melhor seleção de futebol de todos os tempos”. 

Uma frase bastante ouvida em todos os lugares quando se fala do emblemático Esquadrão de 70.

Mas o processo até lá foi doloroso. Em 1966, chegando como amplo favorito à Copa do Mundo na Inglaterra, o Brasil acabou caindo na fase de grupos, ficando atrás de Portugal do Eusébio e da forte Hungria, uma das mais fortes do futebol naqueles tempos. A decepção era grande, ainda mais por saber que tínhamos uma geração absurda e que era um desperdício gigantesco cair em uma Copa sem sequer disputar o mata-mata.

Para a Copa de 70 no México, o planejamento não foi dos melhores. O técnico agora era Mário Jorge Lobo Zagallo, o mesmo que havia sido bicampeão do mundo pelo Brasil em campo, agora comandando de fora das 4 linhas.

Mas havia um detalhe: ele havia assumido a equipe faltando apenas 3 meses para o Mundial, substituindo João Saldanha que, segundo dizem, foi demitido por rebater uma crítica do então presidente do Brasil sobre a sua convocação. O General Médici comandava o país em 70, durante a ditadura militar. Algo simplesmente grotesco, mas que no fim acabou dando certo por linhas bastante tortas. 

Nunca, jamais, uma convocação de uma seleção foi tão despreocupada como a convocação pra Copa de 70. O Brasil tinha uma variedade gigante de jogadores absurdos. Carlos Alberto Torres, Clodoaldo, Gérson, Rivellino, Jairzinho, Tostão e, obviamente, um tal de Pelé, que vivia talvez o seu auge em termos técnicos, físicos e mentais – o camisa 10 do Brasil era o maior e melhor jogador do mundo e chegava ao México como o grande astro da Copa, com a cabeça tranquila para aquela que seria a sua última disputa no palco máximo do futebol.

Foto: Mirrorpix/Getty

O Brasil caiu num grupo relativamente complicado: Inglaterra, a atual campeã do mundo; Tchecoslováquia, os rivais da decisão do bicampeonato em 62; E por fim, a modesta Romênia.

Mas pro Esquadrão de Zagallo, o que parecia complicado foi na verdade um passeio. A seleção passou pro mata-mata com 100% de aproveitamento, incluindo um sonoro 4×1 contra a Tchecoslováquia. É nesse jogo que teve o famoso “gol que Pelé não fez”, quando ele tenta chutar do meio do campo.

Contra a Inglaterra, 1×0 com belo gol de Jairzinho, com mais um lance histórico protagonizado por Pelé: uma cabeçada do Rei foi defendida de forma milagrosa pelo goleiro inglês Gordon Banks, que é considerada por muitos até hoje como a “defesa do século”. Curiosamente, Pelé e Banks viraram amigos, e na ocasião do falecimento do inglês em 2019, Pelé lembrou da defesa e homenageou seu colega:


“Foi a melhor defesa que eu já vi, ao vivo e em todos os milhares de jogos a que eu já assisti”

O mata-mata novamente começou já nas quartas, e o Brasil teve pela frente um confronto sul-americano contra o Peru, que na época contava com o grande Teófilo Cubillas, um dos maiores de sua história. Mas não foi o suficiente pra ameaçar aquele time, que venceu por 4×2 com gols de Rivellino, Jairzinho e Tostão, que anotou duas vezes. 

Não era Copa América, mas de novo a Seleção Brasileira teve um sul-americano pelo caminho agora na semifinal, dessa vez o Uruguai. Uma oportunidade de ouro pra se ter uma revanche após o que aconteceu na Copa de 50, embora evidentemente fosse um contexto bastante diferente.

O Brasil despachou a celeste por 3×1 com gols de Clodoaldo, Jairzinho e Rivellino, porém mais do que o resultado, essa partida ficou marcada na história dos Mundiais por lances que sequer terminaram em gol. Para quem é ligado no mundo da bola, é simplesmente impossível nunca ter ouvido a história da “cotovelada do Pelé no uruguaio”, quando o gênio da camisa 10 aproveitou de um lance isolado na lateral do campo para revidar de maneira brutal uma forte entrada que havia recebido, mandando o clássico picolé de osso na cara do Dagoberto Fontes.

Foi também nessa partida que o futebol viu um de seus lances mais marcantes, quando Pelé dá um sensacional drible no goleiro sem tocar na bola e finaliza depois, mas a bola acaba não entrando, se tornando até o dia de hoje um dos momentos de maior lamentação da história das Copas, uma bola que merecia entrar demais.

Foto: FIFA

Mas o importante é que o Brasil estava na final. Todavia, teríamos pela frente uma Seleção que também era bicampeã do mundo na época: a Itália, que havia eliminado a fortíssima Alemanha na semifinal.

Disputada no Estádio Azteca em 21 de junho de 1970, a final tinha tudo pra ser bastante equilibrada. E até foi por um período.

Logo aos 18′, em jogada pela esquerda, Rivellino manda pra área e Pelé dá uma senhora testada firme para abrir o placar, num gol que rendeu uma das fotos mais icônicas da história do futebol, com Pelé comemorando o gol nos braços de Jairzinho.

A Itália conseguiu o empate aos 37’ graças a uma bobeada do Clodoaldo que Roberto Boninsegna não perdoou. Mas apesar do jogo ir empatado pro intervalo, com o nível de jogo daquele Esquadrão era questão de quanto tempo os italianos iriam aguentar competir.

Aos 66′, Gérson, o Canhota de Ouro, abriu pro lado e mandou um balaço de fora da área para botar o Brasil na frente de novo. E o Brasil não recuaria pra manter vantagem coisa nenhuma. Pouco depois, aos 71′, o Canhota mandou um lançamento de muito longe na cabeça do Pelé, que só precisou ajeitar pro Jairzinho guardar o terceiro.

Ainda deu tempo do Capita, Carlos Alberto Torres, fechar a conta numa linda jogada coletiva que terminou com o lateral direito chegando como um foguete na área para fuzilar. Um gol icônico, que representava o brilhantismo daquela seleção.

Foto: Alessandro Sabbattini

Brasil 4, Itália 1, uma das vitórias mais acachapantes na história das decisões de Copa do Mundo, que apenas confirmou o que já se sabia: aquela Seleção de 70 era imparável, não havia nenhum adversário à altura, e não por acaso o Brasil teve 100% de aproveitamento. Nessa jornada, Jairzinho meteu gol simplesmente em todos os jogos da Copa. Todos. Com essa conquista, Zagallo se tornou o primeiro a ser campeão da Copa como jogador e treinador. Pelé, o primeiro e único jogador a vencer 3 Copas do Mundo.

Carlos Alberto Torres ergueu a Jules Rimet e o Brasil se sagrou tricampeão mundial de futebol, sendo a primeira Seleção a vencer 3 vezes a Copa do Mundo. Uma copa cheia de momentos marcantes e com um Brasil considerado um dos melhores de todos os tempos.

Estados Unidos 1994

Foto: Onze/Getty

Entre os anos de 1958 e 1970, basicamente na Era Pelé, o Brasil disputou 4 Copas do Mundo e venceu 3. Um desempenho simplesmente absurdo, sem precedentes, que havia deixado o trauma de 50 no passado e estabelecido uma nova potência no futebol mundial, uma seleção que colocava medo e respeito nos adversários. Depois dali, mesmo com o Pelé se aposentando da Seleção Brasileira, era razoável pensar que o Brasil seguiria firme e forte nas Copas. O tetra, o penta, o hexa? Era questão de tempo. Mas não foi bem assim que as coisas aconteceram.

74, 78, 82, 86 e 90. Foram 5 Copas do Mundo consecutivas sem o Brasil sequer chegar à final. Nesse meio tempo, viu-se diferentes histórias memoráveis nos Mundiais, como a poderosa Alemanha de Muller e Beckenbauer; O Carrossel Holandês de Michels e Cruyff, uma das equipes mais marcantes da história da competição; A surpreendente Itália do artilheiro Paolo Rossi, que castigou o Brasil; e o desempenho apoteótico de Maradona em 86, que reverbera até os dias de hoje em conversas sobre grandes atuações individuais. 

Mas nada de Brasil. E não era por falta de qualidade: entre os anos 70 e 80, o Brasil foi agraciado com vários jogadores históricos, como Zico, Rivellino, Paulo Roberto Falcão, Sócrates, Dinamite, Leandro, Júnior, Cerezo, e muitos outros mais. Mas apesar de tantos craques, sempre faltava algo. 

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1994 marcava o aniversário de 24 anos da conquista do tri. A pressão em cima daquela geração do futebol brasileiro era gigantesca. Como pode a maior seleção do mundo estar há tanto tempo sem conquistar a Copa? Pra piorar, a classificação para o Mundial dos Estados Unidos não foi das mais tranquilas. Nosso melhor jogador, Romário, que estava afastado da Seleção por desentendimentos com a comissão técnica, precisou voltar nos finalmentes para colocar o Brasil no Mundial num jogo emblemático contra o Uruguai, momento que talvez tenha sido o grande divisor de águas pro mental daquela Seleção. 

Mas apesar de ter fortes valores individuais em todos os setores, o time de 94 talvez não fosse dos mais empolgantes. Tínhamos Taffarel, Ricardo Rocha, Mauro Silva, Dunga, Zinho, a sensacional dupla Bebeto e Romário e muitos outros grandes jogadores, mas em termos de qualidade a Seleção de 94 estava abaixo de muitas outras seleções brasileiras, até mesmo algumas que não foram campeãs mundiais. A empolgação não era das maiores, e dá até pra dizer que aquele time de Carlos Alberto Parreira era meio desacreditado por muitos. 

Mas fato é que aquele time era extremamente sólido. No grupo com Rússia, Suécia e Camarões, passou em primeiro com duas vitórias e um empate, apenas 1 gol sofrido e 6 marcados. Romário, que há pouco tempo estava fora da seleção, marcou em todos os 3 jogos.

A primeira partida do mata-mata, agora a fase de oitavas de final contra os Estados Unidos, foi complicada. O Brasil teve Leonardo expulso no fim do primeiro tempo e não fazia um bom jogo. Esse jogo tava tão esquisito que Romário, um dos atacantes mais letais da história do esporte, driblou o goleirão americano e com a meta vazia chutou pra fora. Mas viria dos pés dele a jogada pro gol de Bebeto, que sacramentaria o fim daquele susto, de um jogo que acabou sendo extremamente perigoso.

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As quartas de final contra a Holanda foi um jogo extremamente emblemático. Romário abriu o placar num cruzamento de Bebeto. O segundo gol, marcado por Bebeto, rendeu a icônica celebração em homenagem ao filho que ele esperava na época. Mas apesar desse ser o gol do 2×0, o Brasil ainda cedeu o empate, e a vitória só veio com o chutaço de Branco de falta e de muito longe, já depois dos 80′.

Na semifinal, já vimos um jogo muito menos aberto do que contra a Holanda, onde o Brasil teve muitas dificuldades contra a Suécia. Romário repetiu aquele lance contra os Estados Unidos, tirando do goleiro e perdendo com o gol vazio, dessa vez o zagueirão sueco tirando em cima da linha.

Mas era um cara que poderia perder uma mas não duas. No final, já nos 80′, o baixinho Romário apareceu no alto pra mandar de cabeça, entre os zagueiros grandalhões da Suécia, para decidir e devolver a Seleção Brasileira a final da Copa do Mundo onde ela merece sempre estar.  

Em 17 de julho, no Rose Bowl, quis o destino que a Itália, rival da decisão de 70, fosse nossa adversária mais uma vez numa final de Copa, e mais uma vez no confronto direto pela hegemonia, onde quem vencesse seria tetracampeão, se isolando como o maior ganhador da Copa do Mundo

A fortaleza italiana de Maldini e Baresi na defesa, de Donadoni no meio, e do craque Roberto Baggio no ataque. Não era um adversário simples, o jogo era dificílimo – e foi o que se viu em campo. Duas equipes extremamente disciplinadas e com defensores incansáveis. Ambos os times tentaram uma infinidade de arremates de longe, num 0x0 que levou o jogo para a prorrogação. Até que Romário recebeu uma bola livre, no 2º pau, e chutou pra fora.

É louco ver como alguns lances são esquecidos de acordo com o resultado. Romário, o craque daquela Copa, talvez fosse cobrado se o Brasil tivesse perdido o título.

Com o 0x0 que perdurou por 120 minutos de bola rolando, a primeira final de Copa do Mundo do Brasil em 24 anos foi decidida nos pênaltis. Como diria o Galvão, haja coração.

Baresi já começou isolando, bom para o Brasil. Mas Pagliuca catou a cobrança de Márcio Santos logo depois, então a vantagem não durou nada. Os demais cobradores fizeram sua parte e colocaram a bola na rede, até finalmente Massaro parar em Taffarel e o Brasil mais uma vez ficar na frente.

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No fim, os brasileiros sequer precisaram bater o 5º pênalti, porque na cobrança final da Itália, Baggio mandou a bola fora do Rose Bowl e um grito que estava entalado há 24 anos pode ser solto: “É TETRA”.

Dunga ergueu a taça, que já não mais era Jules Rimet. Era essa taça mais moderna que conhecemos hoje em dia. O Brasil comandado por Parreira era tetracampeão mundial de futebol e estava mais uma vez no topo da hierarquia de seleções de maneira isolada. 

Coréia do Sul e Japão 2002

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Depois da conquista do tetra em 94, o Brasil retomou sua força e confiança e não demorou nada pra voltar ao palco máximo do futebol. Em 98, liderados pelo gênio Ronaldo, que contemplou o tetra do banco de reservas ainda novinho, agora formando dupla com o Rivaldo, o Brasil chegou a sua 6ª final de Copa do Mundo, embora esta seja uma lembrança nada agradável pro povo brasileiro.

Mas mesmo perdendo, o fato era que aquela geração mostrou que era de um nível alto e deu lampejos do que poderia vir a ocorrer em 2002, com aqueles caras chegando muito mais maduros e preparados mental e fisicamente. Em 1997, Ronaldo venceu a Bola de Ouro, enquanto Rivaldo faturou a honraria em 99. Não é todo dia que se vê uma Seleção tendo seus dois principais jogadores como Bola de Ouro, então a expectativa pro Mundial sediado na Coréia do Sul e no Japão era altíssima, especialmente se considerarmos outros excepcionais jogadores que também chegavam comendo a bola, como o goleiro Marcos, Cafu, Roberto Carlos, Lúcio, Gilberto Silva e claro, o jovem Ronaldinho, que despontava como um craque da bola. 

Mas nem tudo eram flores. O técnico Luiz Felipe Scolari assumiu o time apenas 1 ano antes da Copa, após várias tentativas e erros no comando técnico da Seleção Brasileira.

Mesmo ele não teve vida fácil, afinal conseguiu a proeza de ser eliminado da Copa América contra a seleção de Honduras. Mais impressionante do que isso é o fato dele não ter sido demitido e ter conseguido se manter no cargo até a disputa do Mundial e, aos trancos e barrancos, garantir a vaga nas Eliminatórias.

Hoje é fácil falar bem, mas o fato era: a Seleção de 2002 chegou a correr risco de ficar de fora da Copa. Para aumentar a desconfiança, Felipão deixou Romário de fora da convocação por desentendimentos com o atacante, mesmo este vivendo uma excelente fase jogando no futebol brasileiro. 

Mas de todas as turbulências, talvez a maior tenha sido o triste caso de Ronaldo Fenômeno. O gênio que explodiu e se tornou sem dúvidas o melhor jogador do mundo passou a sofrer com sérias lesões no joelho, sendo a pior delas a que ocorreu em 12 de abril de 2000, quando Ronaldo voltava a vestir a camisa da Inter de Milão após um período se recuperando justamente de uma cirurgia no joelho direito, mas após pouco tempo em campo esse mesmo joelho acaba cedendo e rompendo os tendões e os ligamentos, uma lesão absurdamente séria e cuja imagem choca até os dias de hoje.

O que parecia é que Ronaldo não conseguiria jogar a Copa de 2002. Foi um longo período de 15 meses de recuperação para o Fenômeno, que de forma surpreendente conseguiu retornar e assegurar uma vaga entre os convocados. 

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Muitas dúvidas, muitas incertezas, muita desconfiança: assim foi o caminho até o penta. 

O grupo da Seleção Brasileira era relativamente tranquilo. Turquia, Costa Rica e China não apresentaram grandes problemas pro time de Felipão, que sem dúvida alguma fez bom uso dessas partidas para ganhar corpo e chegar bem para a fase de mata-mata, que abriu com a Bélgica no nosso caminho nas oitavas de final. 

Apesar de ainda não ser a Ótima Geração Belga™, o jogo foi bastante complicado pro Brasil. Nada de gols no primeiro e na metade do segundo tempo, mas aos 22 minutos lançamento de trivela de Ronaldinho e Rivaldo abriu o placar com um golaço sensacional de fora da área. Ronaldo fechou a conta no finalzinho e o Brasil avançou pras quartas.

Nas quartas de final a parada era ainda mais dura com a fortíssima seleção da Inglaterra.Não era flor que se cheire, e aos 22 minutos Owen mostrou isso após aproveitar falha bizonha de Lúcio e abrir o placar pro English Team. Mas naquele dia Ronaldinho Gaúcho estava inspirado. Numa jogadaça pelo meio, com pedalada e tudo, ele rolou pro Rivaldo empatar. E no segundo tempo, um lance histórico daquela Copa. Falta de muito longe pro Brasil, Ronaldinho vai cruzar a bola na área e ela acaba dentro do gol. Brasil nas semis.

Foto: Mark Leech

A Turquia foi a adversário, a mesma que havíamos vencido por 2×1 na fase de grupos num jogo bastante difícil. Um detalhe bastante curioso sobre essa partida é que, antes dela, Ronaldo fez o tão memorável ‘corte cascão’, sob o pretexto de desviar o foco da imprensa de sua condição física e fazer eles focarem no seu corte bizarro.

A Turquia repetiu a dose e mais uma vez tentou complicar a vida do time brasileiro, mas no começo do segundo tempo um gol de biquinho do Ronaldo Fenômeno foi o bastante pra colocar o Brasil na grande decisão. E a foto icônica: o dedinho apontando na comemoração com o penteado cascão. 

No dia 30 de junho de 2002, no Estádio Internacional de Yokohama, o Brasil enfrentou a tão sempre temida Seleção da Alemanha na final da Copa do Mundo. Um time que talvez não contasse com grandes valências individuais como o Brasil, mas que definitivamente não podia ser subestimado, porque a Alemanha é a Alemanha

Mas tem um porém: Fenômeno é Fenômeno. Após um primeiro tempo equilibrado, na segunda etapa, aos 67′, Ronaldo que vinha daquela lesão seríssima estava no topo do mundo e voando, tenta passar no meio de dois, cai, corre atrás, desarma, rouba a bola e aí o Rivaldo mete a patada pro gol.

O resto todo mundo sabe. Oliver Khan bateu roupa e Ronaldo não perdoou no rebote.

E não parou por aí. Já na reta final de jogo, aos 79′, Kleberson manda da direita e após lindo corta-luz de Rivaldo, que é quase um crime não contar como assistência, o Fenômeno dominou, abriu pra direita e bateu firme no canto, decidindo de vez e dando o pentacampeonato mundial de futebol para o Brasil

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Cafu foi o último capitão a erguer a taça da Copa do Mundo com a camisa da seleção brasileira, em um momento que até os dias de hoje está na memória dos brasileiros que são amantes do futebol. A comemoração também resultou naquele fotão de Ronaldo e Rivaldo beijando a taça ao mesmo tempo, os craques daquela Copa. Superação incrível de Ronaldo e de toda a seleção, que 12 meses antes passava por crise.

Especialmente porque desde então, o Brasil não tem sido bem-sucedido em Copas do Mundo. A grande decepção com a seleção de 2006, a desilusão em 2010 com direito a jogar perdendo o juízo, o terrível 7×1 dentro da nossa casa e a eliminação dolorosa para a Bélgica: assim, lá se vão 20 anos que o Brasil não vence o Mundial e que o sonho do Hexa permanece ainda incompleto.

Ainda assim, depois de tudo isso, apenas uma seleção no mundo ganhou uma, duas, três, quatro, cinco vezes. A Seleção Brasileira, Pentacampeã Mundial.

Times Imortais: Espanha do Tiki-Taka

A história de hoje é de uma seleção que sempre figurou entre as melhores como coadjuvante, até tudo isso mudar e um time mágico surgir e se tornar uma das melhores seleções de todos os tempos, que no melhor estilo tiki-taka conquistou o mundo e duas Euros: A Espanha de 2008, 2010 e 2012.

A necessidade de mudança

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Para contar essa história a gente precisa dar uma rebobinada e voltar ao ano de 2004. Hoje a gente está acostumado com a Espanha sendo uma potência no futebol, mas naquela época a coisa era um pouco diferente.

É verdade que a Espanha sempre se situava entre as melhores do mundo, mas ainda assim existia uma enorme desconfiança sobre quão longe esse time pudesse chegar. Sabe essa parada da “Geração Belga”, uma seleção que está no topo, com craques no time, e ainda assim muitos não levam a sério por não ter ganhado nada? Com a Espanha era mais ou menos isso. Claro, eles tinham vencido uma Eurocopa – em 1964 -, só que até aí a Grécia e a Dinamarca também, então nunca ter ganhado uma Copa do Mundo diminuia o peso da Seleção, que ficava abaixo de Brasil, Itália, Alemanha, França e as outras campeãs.

Na Copa de 2002 a Espanha foi uma das decepções do torneio e havia sido eliminada para a Coréia do Sul depois de uma arbitragem muito polêmica, e sua saída da Eurocopa 2004 também foi tratada como um desastre na época: em um grupo com Portugal, Grécia e Russia, não conseguiu se classificar e foi eliminada antes mesmo das oitavas. Hoje dá pra ver com outros olhos: as seleções classificadas Grécia e Portugal chegaram na final, com a azarã Grécia sendo campeã, então o “vexame” da Fúria nem foi tão grande assim, mas na época era um sinal claro de que algo precisava mudar.

E foi por isso que logo depois disso, ainda em 2004, um técnico cascudo e bastante respeitado no país foi contratado para comandar a seleção da Espanha, com a dura missão de mudar o patamar da equipe: Luís Aragonés.

A nova Espanha de Luís Aragonés

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Até então o Aragonés era mais conhecido por ser uma lenda do Atlético de Madrid: foi jogador do clube por uma década, e depois como treinador passou pelo Atleti em diversos momento diferentes, somando entre elas quinze temporadas no comando do clube de Madri, sendo um dos técnicos mais vitoriosos de sua história, hoje só sendo superado mesmo pelo Simeone.

Só que fora isso rodou por diversos clubes da Espanha sem ter muito sucesso, e era visto muito como um cara que chegava pra apagar os incêndios, arrumar a casa, mas depois não tinha muito mais pra oferecer. Tanto que seu último trabalho havia sido no Mallorca, quando pegou o time em uma situação bem complicada e conseguiu levar à 11ª colocação no campeonato: ou seja, resolve os problemas, mas tava longe de ser um técnico de ponta.

Seu impacto não foi imediato, e essa nova Espanha começava a ser montada ainda sem sucesso: na Copa de 2006 o time cheio de jovens foi eliminado para a França de Zidane ainda nas oitavas, e mais uma vez ficava claro que ainda tinha que mexer em muita coisa: nessa época se cogitava até mandar o Aragonés embora depois de menos de dois anos no cargo.

Até então e durante sua carreira a filosofia do técnico era simples: segura a casa e mata o jogo no contra-ataque. Só que com o elenco da Espanha isso não tava dando certo. Assim, ele identificou duas das principais qualidades técnicas do time para escolher uma nova forma de atuar: o controle da posse de bola e o passe apurado; e pensando nessas características “nascia” o Tiki-Taka da seleção da Espanha.  

O caminho para a Eurocopa

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Depois de perder para a Suécia e para a Irlanda do Norte nas qualificatórias para a Euro 2008, a mudança de estilo finalmente surtiu efeito e a Espanha não perdeu mais, liderando o seu grupo e se classificando para a competição com certa tranquilidade. Uma das principais mudanças da equipe foi a saída polêmica do Raul, atacante ídolo do Real Madrid e até o momento figurinha carimbada na seleção, mas que o técnico optou por preterir no lugar dos jovens David Villa e Fernando Torres, já mostrando sinais de como pretendia montar seu time, também consolidando na equipe caras como o David Silva e Cesc Fábregas que tavam em um ótimo momento.

Vale a pena ressaltar que naquela época o Barcelona já praticava o Tiki-Taka – uma herança que veio ali desde o comando do Van Gaal, e foi aperfeiçoada pelo Pep Guardiola – por isso fazia também sentido que alguns dos principais jogadores desse time também fizessem parte da seleção: caras como o Puyol, Xavi e o Iniesta, esses dois últimos que já se tornavam dois dos melhores meias do mundo.

Um cara menos falado mas que também era peça chave daquele time merece destaque: o brasileiro naturalizado espanhol Marcos Senna. Ele era aquele volante que fazia o “trabalho sujo” do time, recuperando as bolas e dominando o meio campo, permitindo que os astros do time pudessem brilhar lá na frente. Se você já se perguntou “como pode ter tanto meia que só ataca nesse time?”, ele é um dos motivos.

Euro 2008

Chegando na Eurocopa 2008, a Espanha se encontrava no Grupo D com Rússia, Suécia e Grécia, mas o que poderia parecer um grupo fácil era tido com muita cautela depois do que aconteceu com a Espanha nas competições passadas.

Para o primeiro jogo contra a Rússia, o time da Espanha era: Casillas, o capitão, no gol. Sergio Ramos na lateral direita, Puyol e Marchena na zaga com Capdevila na esquerda.

Aí no meio Marcos Senna e Xavi, com Iniesta pela meia esquerda e David Silva pela direita, se alternando e lembrando que os dois também chegavam toda hora no ataque, que era composto de David Villa e Fernando Torres. Esse era o time que chegou como titular e assim se manteve na competição.

O jogo foi um sonoro 4×1 fora o baile, com hat-trick do Villa e um gol do Fábregas, que entrou no segundo tempo, já mostrando o poder dessa seleção que além de ter um time muito forte também tinha caras como o Fábregas e Xabi Alonso como opção no banco.

Agora pegava a Suécia do Ibrahimović, num jogo que foi muito mais pegado mas mostrou a resiliência da Fúria: Fernando Torres abre o placar, mas logo em seguida o Ibra empata para a Suécia. Mesmo dominando o jogo, foi só no acréscimos que o Villa desempata e basicamente garante a classificação da Fúria.

Contra a Grécia, atual campeã da Euro, mandou um time misto e começou perdendo com gol do Charisteas, mas virou o jogo com de la Red e Güiza, dois caras reservas absolutos da equipe, mas que tavam em campo já que vários titulares haviam sido poupados. Dessa vez sem sustos a Espanha estava então classificada para a próxima fase.

Depois de derrotar a atual campeã da Euro, a próxima adversária era um desafio ainda maior: pegava nas quartas a atual campeã do mundo, Itália.

A primeira taça

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E foi um jogo duro: sempre sendo aquele time bem defensivamente, a Itália de Buffon conseguiu conter os avanços da Fúria, que também defendeu bem e viu o jogo terminar 0x0, depois da prorrogação indo para os pênaltis.

O artilheiro David Villa cobra a primeira e marca, mas Fabio Grosso deixa tudo igual para a Itália. Em seguida Santi Cazorla também converte, e aí De Rossi bate para a defesa de Casillas, 2×1 com a Espanha na frente.

Marcos Senna e Camaronesi também convertem, 3×2, enquanto o Güiza bate bem mal e o Buffon pega. Só que o Di Natale também cobra mal, o Casillas – herói das cobranças – pega mais um e encaminha a vitória, no que o Fábregas cobra a última e garante a Fúria na semifinal da Euro.

Agora a semifinal parecia ser mais tranquila, já que a Espanha encarava a Rússia, time que goleou na fase de grupos, e nas semis não foi diferente: dominou a partida, com o Iniesta jogando muito, e venceu por 3×0, com gols do Xavi, Güiza e David Silva, chegando agora na final cada vez mais como favorita, mesmo que com um desfalque importante: David Villa se machucou nesse jogo e ficou de fora da decisão.

Chegava então a derradeira final, contra a Alemanha, jogo onde a Espanha precisava exorcizar alguns demônios para quem sabe conquistar seu primeiro título em muito tempo. A Alemanha contava com caras como o Ballack, Lahm, Podolski, Schweinsteiger e Klose e prometia ser dureza para a Espanha.

Só que a gente tá falando de uma seleção imortal, e que começou a ter essa fama muito por causa dessa partida: a Fúria colocou a Alemanha na roda, e mesmo sem o Villa teve o Fábregas a mais no meio campo, que foi dominado pela seleção espanhola que mandou no jogo do começo ao fim. Mesmo tendo vencido apenas por 1×0 com gol do Fernando Torres, em momento algum deixou a Alemanha gostar do jogo e planejar um empate.

O jejum foi quebrado e enfim a Espanha era campeã novamente, em uma campanha histórica onde venceu de maneira invicta, tendo o David Villa como artilheiro com 4 gols e o Xavi sendo eleito o melhor jogador da competição. Mas uma Euro não faz um time imortal, e a verdade é que a história desse time tava só começando a ser escrita.

Tchau, Aragonés. Bem-vindo, del Bosque!

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Após a Euro, um dos principais responsáveis por esse time se despedia: o técnico Luís Aragonés saiu do comando da seleção rumo ao Fenerbahçe, deixando então uma lacuna no time que logo foi suprida com a chegada do técnico Vicente del Bosque. Será que seria esse o fim do Tiki-Taka, e o início de uma nova filosofia?

Ao contrário do Aragonés, o del Bosque era ídolo justamente do principal rival Real Madrid, tendo sido jogador do time por quase toda sua carreira, vencendo cinco vezes a liga espanhola, e depois como treinador também foi vitorioso, com duas ligas espanholas e duas Champions, e acabou só saindo mesmo por uma briga política que teve na época.

Mas se teve alguma mudança, ela foi positiva: o del Bosque manteve o estilo Tiki-Taka do time e tornou a seleção ainda mais cascuda, vencendo todos os dez jogos nas qualificatórias para a Copa de 2010, marcando 28 gols e sofrendo apenas 5.

Nem tudo são flores, e depois de chegar a um recorde onde venceu 15 partidas oficiais seguidas – e 35 sem perder- acabou sendo eliminada para os Estados Unidos na Copa das Confederações de 2009, num jogo que foi tratado como um apagão, e que dava maus indícios para as chances da seleção na Copa: afinal essa era a história de sempre, de um time que chegava forte e na hora H acabava vacilando, e esse jogo dava sinais dessa história se repetindo.

Copa de 2010 – This time for Africa!

Time que iniciou a competição

A base do time tinha sido mantida, mas para a Copa de 2010 algumas mudanças importantes haviam sido feitas em um processo de renovação: o jovem zagueiro Piqué assumia a titularidade ao lado do Puyol, enquanto os meias Xabi Alonso e Busquets também faziam parte do time titular, que agora muitas vezes alternava entre jogar com um ou dois atacantes lá na frente, com caras como o Pedro e Jesus Navas sempre entrando nas partidas.

Vindo como favorita para o título, o medo de um apagão só aumentou mais ainda quando a Copa começou. O grupo da Espanha não era visto como difícil, com Chile, Suíça e Honduras, mas o primeiro jogo contra a Suíça foi uma derrota, 1×0 para os suíços num resultado que já ligava o alerta vermelho para a Fúria. Será que vinha aí mais uma decepção da seleção que mais amarelava na história?

O segundo jogo deu uma tranquilizada: Del Bosque lançou um time mais ofensivo e funcionou: 2×0 contra a seleção de Honduras, com o artilheiro David Villa fazendo uma partida incrível e marcando os dois gols da vitória, só não marcou três porque ainda perdeu um pênalti. Deu pra dar uma respirada.

Agora pegava o Chile pelo último e decisivo jogo da fase de grupos, em um jogo bem pegado mas com o artilheiro David Villa abrindo o placar com um golaço, e depois com o Iniesta ampliando o placar, garantindo a vitória mesmo com o gol tomado logo em seguida: 2×1 e estava então classificada para o mata-mata da Copa do Mundo.

Foto: Jaspen Juinen/Getty

Nas oitavas, encarava agora Portugal do Cristiano Ronaldo, em mais um jogo de amplo domínio da Fúria mas com dificuldades de marcar gols. Só que adivinha? David Villa deixou o dele, e com o 1×0 no placar a Espanha avançava para a próxima fase.

O jogo das quartas ia ser contra o Paraguai, então você deve estar pensando que ia ser mais fácil, porém esse duelo foi um teste pra cardíaco e um dos mais difíceis de toda a Copa:

O Paraguai assustou logo no comecinho com um gol que foi anulado, mas fora isso o primeiro tempo foi lá e cá mas sem nenhuma chance muito clara pra qualquer um dos lados.

Só que o segundo tempo foi um absurdo: logo no começo um ataque do Paraguai, Piqué faz falta no Cardozo dentro da área e é pênalti! Nessa hora aquele medo do famoso apagão deve ter passado pela cabeça de todos torcedores e jogadores espanhóis, quando o próprio Cardozo vai para a cobrança, chuta e… o Casillas defende! 

E depois dessa moral toda agora é a vez da Espanha atacar, com David Villa, que é derrubado na área e pênalti pra Espanha! Xabi Alonso bate e marca o gol, mas o árbitro marca uma invasão da área e manda repetir! E na segunda batida… o goleiro Villar defende!

Então eles foram do céu ao inferno ao céu ao inferno, e o jogo pegou fogo. Só que se a Espanha precisa marcar um gol, quem que resolve esse problema? Depois de uma jogadaça do Iniesta, o David Villa aproveita um rebote do Pedro e abre o placar, garantindo a vitória e a classificação para as semis da Copa, feito que não conseguiam desde 1950!

A Espanha campeã mundial

Foto: Laurence Griffiths/Getty

Só que agora pegava a Alemanha, que seria um osso duríssimo de roer: se a Espanha penou pra avançar, a Alemanha nas oitavas goleou a Inglaterra por 4×1 e nas quartas passeou contra a Argentina, goleando por 4×0.

Mas o ataque incrível deles ficou só no papel, já que a Espanha soube dominar o jogo e não deixou a Alemanha atacar como gostaria, mas sem conseguir também abrir o placar. Isso até o final do jogo, quando na hora que precisava o Puyol apareceu na área e garantiu a vitória do time com um gol de cabeça.

Chegava então no dia 11 de Julho a final da Copa do Mundo de 2010, que antes mesmo de começar já era histórica, já que os finalistas eram Espanha e Holanda, duas seleções que nunca haviam conquistado uma Copa, ou seja: teríamos campeão inédito.

Então o confronto entre a Holanda inspirada pela Laranja Mecânica do Cruyff e a Espanha do Tiki-Taka teria lógico que ser uma maravilha técnica, certo? Só que foi a maior porradaria! Foram 14 cartões na partida, com a Holanda tomando 9 e parando a Espanha da única maneira que conseguiu, que foi na truculência mesmo, incluindo um chute absurdo do De Jong na barriga do Xabi Alonso que nem tomou vermelho.

Fora a treta generalizada, teve o Robben comendo a bola e quase marcando em algumas chances, mas ninguém conseguiu marcar e o jogo foi para a prorrogação, que se encaminhava para os pênaltis…

Mas você conhece o tal do Iniestazo? Porque já no finalzinho da prorrogação, o Fábregas toca para Andrés Iniesta, um dos caras mais importantes dessa Espanha, que é decisivo e marca o único gol da partida, o mais importante da história da seleção espanhola, o gol que decide o jogo e o título inédito de Copa do Mundo para a Fúria.

Naquele momento, esse time lindo de se ver jogar, imparável, entrava na lista dos times imortais do futebol, e de quebra o patamar da seleção espanhola era outro, com um recado dado: não vamos parar.

Atacante pra quê? Euro 2012

Se tinham duvidado antes de 2008, e se duvidaram antes da Copa, sobrou agora algum corajoso para duvidar da Espanha depois do que ela conquistou? Talvez a maior pergunta era se o time iria estar motivado para ganhar a Euro logo depois de vencer a Copa, mas o que não faltou em nenhum momento para esse time foi vontade, já que se qualificou para a Euro 2012 ganhando todos os oito jogos que disputou, e chegava na competição como favorita.

O Del Bosque continuou, e a base do time pra essa competição ainda era a mesma, com algumas mudanças importantes: o zagueirão Puyol havia se aposentado da seleção após a conquista da Copa, e no lugar dele agora era o Sergio Ramos que fazia a dupla com o Piqué, com o Arbeloa assumindo a lateral direita e Jordi Alba como titular na esquerda.

No ataque um desfalque importantíssimo: David Villa quebrou a perna e não foi convocado, obrigando o técnico a experimentar mais no ataque: mesmo com centroavantes como Negredo, Llorente e Fernando Torres no banco, ele ousou a colocar em campo em diversas partidas nenhum atacante de ofício. Então por exemplo para a estreia o time tinha seis meio-campistas escalados: Busquets, Xavi, Xabi Alonso, David Silva, Iniesta e o Fábregas ali meio que de falso nove.

Sem nenhum atacante em boa fase e vários meias jogando muita bola a solução foi essa, e ainda assim a Espanha foi a primeira colocada em um grupo com Itália, Irlanda e Croácia: empatou em 1×1 com a Itália, depois goleou a Irlanda com um sonoro 4×0 – com o Torres voltando ao time e marcando um doblete – e finalmente um 1×0 magrinho contra a Croácia, com gol do Navas.

A Espanha do Tiki-Taka

Foto: Laurence Griffiths/Getty

Nas quartas pegava agora a França, que mesmo com Ribéry e Benzema não estava muito forte, e até por isso a Espanha mostrou sua superioridade com aquele esquema dos seis meias e venceu por 2×0, com dois gols do Xabi Alonso.

A semifinal foi o jogo mais difícil para a seleção, que pegava Portugal em mais um clássico ibérico, muito pegado, cheio de cartão amarelo mas dessa vez sem nenhum golzinho, sendo decidido então nos pênaltis.

O cobrador oficial Xabi Alonso bate o primeiro e perde, mas João Moutinho também perde e fica tudo igual. Iniesta, Pepe, Piqué e Nani marcam os seus, aí o Sergio Ramos marca de cavadinha e o Bruno Alves perde o dele, no que o Fábregas cobra o último e garante a classificação, levando a Espanha para mais uma final.

A finalíssima era contra a Itália, e baseado no 1×1 no primeiro jogo dava prever uma final bastante disputada. Mas não foi assim.

Foi um passeio completo da Espanha, que sem centroavantes mostrou que só dominando o jogo com seus meias era capaz de golear uma partida. Começou com o David Silva, depois o Jordi Alba ampliou ainda no primeiro tempo, que foi todo da Espanha. O segundo tempo teve a Itália tentando mais, mas quem marcou de novo foi a Fúria, que no finalzinho amplia com o Fernando Torres e Juan Mata, sacramentando assim a maior goleada de uma final de Eurocopa, 4×0, o bicampeonato da Espanha e a declaração: somos hoje o melhor time do mundo.

A falta de renovação

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Mas no futebol, todo time que marca época chega ao fim em algum momento. E existem vários possíveis motivos: o elenco pode ser renovado e o novo time não dá conta, os jogadores ficam acomodados, um novo técnico chega e não dá certo e por aí vai.

No caso da Espanha a renovação não foi o problema, e sim a falta dela.

Isso porque os jovens promissores de 2004 agora chegariam para 2014 como jogadores já experientes e fora do seu ápice. Os melhores meias do mundo por um bom tempo, Xavi e Iniesta, não conseguiram ser substituídos à altura, e o mesmo dava pra dizer do goleirão Casillas e dos atacantes David Villa e Fernando Torres, vivendo momentos muito diferentes do que lá em 2008.

E tem mais: cada vez mais os times sabiam como neutralizar o Tiki-Taka, e era então previsível ver a Espanha jogar e saber como neutralizá-la.

O fim de uma era

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Ainda assim chegou na Copa das Confederações de 2013 como uma das favoritas, mas na final contra o Brasil já mostrava suas fraquezas: não conseguiu dominar o jogo como das outras vezes e o Brasil goleou por 3×0, com gol do Neymar e dois do Fred.

A Copa de 2014 chegou e a base do time era a mesma, com a exceção do Azpilicueta agora como lateral direito e o Diego Costa titular no ataque. Depois de tudo que a gente viu aqui ninguém ouso não considerar uma das favoritas, só que foi uma das maiores decepções da Copa:

O primeiro jogo da fase de grupos foi contra a Holanda, que tava doidinha para uma vingança e amassou a Espanha sem dó, num sonoro 5×1 com dois gols do Robben e do van Persie, incluindo uma performance desastrosa do Casillas, longe de ser o mesmo que fechou o gol no passado, e Xavi e Iniesta pouco inspirados.

Depois do vexame, o clima tava tão ruim que os próprios jogadores disseram que algo tinha que mudar para o próximo jogo contra o Chile. Fábregas e Xabi Alonso, em entrevista coletiva, criticaram o tiki-taka e deram um “recado” ao treinador:

O que essa equipe fez nos últimos seis anos foi história, mas não se pode viver disso. Temos que vencer o Chile. Dessa vez não se pode ter um futebol tão de posse, de toque de bola, passe, passe e passe… Temos que ser mais dinâmicos

– Fábregas.

Mas nada mudou, e o Chile venceu a partida por 2×0, decretando a eliminação precoce da atual campeã do mundo. Esse era, definitivamente, o fim de uma geração.

O final foi digno de uma despedida: já eliminada, a Espanha goleou a Austrália por 3×0, com gols de David Villa e Fernando Torres, lembrando os bons tempos da dupla, e um do Juan Mata. Mesmo eliminada, a Fúria se despediu da melhor maneira que sabia: com um espetáculo.

Lentamente houve uma renovação, e os mais experientes foram se aposentando enquanto alguns jogadores davam cara nova ao time, como Pedri, Gavi e Ansu Fati para quem sabe trilhar uma nova história.

A Espanha bicampeã da Eurocopa e vencedora da Copa do Mundo já se desfez, mas esse time aí é, sem dúvida alguma, Imortal.