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Craques Eternos: Johan Cruyff

Esse artigo foi escrito originalmente como roteiro para o vídeo acima

Existem jogadores históricos e existem treinadores históricos – e existiu um certo holandês que foi as duas coisas. 

Hoje você vai conhecer a história de Johan Cruyff, uma das maiores mentes da história do futebol.

Ajax Desde Sempre

Foto: ullstein/Getty

Nascido em 25 de abril de 1947 em Amsterdã, na Holanda, Hendrik Johannes Cruijff, mais conhecido como Johan Cruyff, quase sempre teve sua vida ligada ao Ajax, pois sua mãe, Petronella, trabalhou no clube como faxineira quando ele ainda era criança. Já o seu pai, Hermanus, fornecia frutas ao clube de Amsterdã como parte de seu trabalho como dono de uma mercearia.

O garoto Cruyff jogava bola ali nas ruas e acabou sendo chamado pro Ajax por uma pessoa que trabalhava no clube, que via ele sempre ali deitando em cima de guris mais velhos. Assim, seguindo a tradição de família, Johan também iniciou uma relação com os ajacieden aos 10 anos, quando entrou pras categorias de base da equipe a pedido de sua mãe, e o motivo é bem curioso: acontece que o Johan Cruyff tinha uma deficiência nos pés, que provocava uma má formação e o obrigava a utilizar aparelhos ortopédicos. Sim, por incrível que pareça, um dos maiores craques da história do futebol cresceu com um sério problema nos pés, o que só deixa claro desde o início como ele teve que superar barreiras que para outros poderiam ser consideradas impossíveis.

Atendendo as expectativas de sua mãe, Johan conseguiu superar seus problemas físicos e em 1964 se tornou jogador profissional do Ajax, estreando aos 17 anos em uma derrota da equipe contra o Groningen, em partida válida pela Eredivisie. Mas apesar do mal resultado, ele já deixou um ótimo cartão de visitas, marcando o seu primeiro gol como profissional logo em sua estreia – dando indícios do futuro meia-atacante artilheiro que se tornaria.  

E essa derrota não foi um resultado atípico, porque na temporada debutante do craque holandês o alvi-rubro da Holanda passava por uma péssima fase, tanto que acabou terminando a temporada 1964-65 em 13º lugar no campeonato holandês – apenas duas posições acima da zona de rebaixamento. Naquela ocasião, o campeão da Eredivisie foi o Feyenoord, um dos eternos rivais do Ajax.

Mas para a temporada seguinte, eles seriam presenteados com a junção de dois fatores que hoje a gente pode dizer que mudou para sempre a percepção do futebol na Europa e quem sabe no mundo inteiro: esses dois fatores são Rinus Michels e Johan Cruyff

Cruyff e Michels 

Foto: Alamy

Em 1965, o Ajax assinou com um ex-jogador do clube para comandá-lo à beira do campo. Foi aquele que se tornaria o maior treinador de sua história: o holandês Rinus Michels, que era repleto de ideias revolucionárias em mente para mudar completamente o nível de jogo do Ajax. E sabe quem também era cheio de ideias diferenciadas e enxergava muito além dos outros num campo de jogo? Johan Cruyff. Quando você junta um revolucionário em campo com um na área técnica, o resultado é óbvio: revolução.

Essa parceria não demorou nem um pouco pra mostrar resultados e, logo na primeira temporada completa juntos, eles já conseguiram levar o Ajax ao título do campeonato holandês. De quase rebaixado em uma temporada e tendo que ver o rival levar o título pra casa, o Ajax foi campeão com sobras da Eredivisie na temporada 1965-66, com 7 pontos de vantagem pro segundo colocado, que foi o próprio Feyenoord – além de ser o melhor ataque e a melhor defesa da competição. Foi aqui que começou a ganhar vida o conceito que mais tarde ganharia o nome de Futebol Total – marcado pela ideia de jogadores que não tinham posições fixas no campo de jogo, estavam sempre se alternando em campo, uma hora aqui e outra hora ali, como figuras de um carrossel. 

Na temporada seguinte, em 1966-67, os comandados de Rinus Michels liderados por Johan dentro de campo não tiraram o pé do acelerador – em especial o gênio, que fez a sua primeira temporada com credenciais de um dos melhores jogadores do mundo. O Ajax faturou o bicampeonato da Eredivisie, mais uma vez deixando o Feyenoord em segundo e agora com a absurda marca de 122 gols marcados – dos quais 33 foram de autoria de Johan Cruyff, artilheiro da competição. O detalhe é que são 34 rodadas, então ele teve uma média de quase 1 gol por jogo em sua terceira temporada como jogador profissional.

Além disso, Johan também marcou um dos gols da final da Copa contra o NAC Breda, que deu ao Ajax a dobradinha da liga e copa nacional daquela temporada. No fim de 1967, esse desempenho fenomenal levou Cruyff aos seus primeiros prêmios individuais: o de melhor jogador holandês do ano e a Chuteira de Ouro da Europa. Já era mais do que perceptível que o alvi-rubro de Amsterdã estava criando um monstro e isso só tendia ficar ainda mais claro no decorrer dessa história. 

Em 1967-68, o Ajax seguiu dominando o futebol holandês e confirmou isso com o tricampeonato seguido da Eredivisie – com Johan Cruyff mantendo os excelentes números de gols e sendo vice-artilheiro da competição com 26 bolas na rede. Com a força local mais do que comprovada, Cruyff e Michels agora tinham a responsabilidade de levar a conquista a outro patamar: estava na hora de ir para a Europa. 

As Primeiras Grandes Frustrações de Cruyff

Foto: Sepia Times/Getty

Pela terceira temporada seguida, o craque do Ajax marcou um número expressivo de gols no campeonato holandês, com 25 cravados na edição de 1968-69. No entanto, o campeão acabou sendo o rival Feyenoord, uma vez que o Ajax focava suas forças em conseguir o topo do futebol europeu, que era a taça da Copa dos Campeões – atualmente conhecida como Champions League.

Com uma grande campanha, o time comandado por Rinus Michels teve como primeira prova de fogo o adversário das quartas de final, Benfica, que na época era um dos times mais fortes do mundo, liderado pelo craque Eusébio, o Pantera Negra. O confronto foi tão equilibrado que precisou de 3 jogos pra definir um classificado, pois nessa época não havia desempate por pênaltis ou gol qualificado – e nesses 3 jogos, o gênio marcou 3 gols e ajudou o Ajax a avançar.

Após eliminar o menos desafiador Spartak Trnava nas semifinais, eles finalmente chegaram a decisão da Champions e tinham tudo pra conseguir a glória máxima, só que tiveram pela frente o Milan, um time mais experiente e mais acostumado aos grandes jogos europeus, fato que foi traduzido no placar da final: 4×1 pros rossoneros. 

E para completar o combo de frustrações, na temporada 1969-70, o arquirrival dos Ajacieden, o Feyenoord, se tornou o primeiro clube holandês a vencer a Champions League, um fato que jamais poderia ser apagado da história. Mesmo sendo outra vez campeão holandês, o quarto título da Eredivisie da então curta carreira do gênio Johan Cruyff guardou uma frustração muito grande, a qual serviu como motivação para o que ele construiria na década de 70 – uma década que ficaria eternizada para sempre nos livros de futebol com a lendária camisa 14, a qual ele começou a utilizar justamente em 1970 e por um motivo extremamente casual: após um período sem poder jogar, Johan teve o número 9 que ele utilizava dado para outro jogador, e assim ele teve que escolher outro número e optou pela camisa 14, a qual viraria marca registrada para sempre do gênio. 

O Tri do Futebol Total 

Foto: Manners Magazine/Amp

Na temporada 1970-71, Johan liderou o determinado Ajax na busca de igualar o feito do Feyenoord e impedir que o seu maior rival fosse o único clube holandês campeão da Champions League. O caminho dos amsterdammers teve como rivais de peso o Celtic e o Atlético de Madrid, porém nenhum foi capaz de pará-los até a grande decisão contra o Panathinaikos, treinado pelo lendário Ferenc Puskas.

Mas não havia lenda que pudesse impedir o Futebol Total de dominar a Europa e assim o Ajax venceu por 2×0 e se consagrou campeão europeu no mítico Estádio de Wembley. O Feyenoord teve o gostinho de ser o único clube holandês a vencer a Champions por apenas 1 aninho. Para coroar ainda mais o ano dos ajacieden, Johan Cruyff foi eleito o Bola de Ouro da France Football no fim de 1971, se tornando o primeiro jogador holandês a levar a honraria pra casa. Mas se você pensa que isso deixou Cruyff e cia satisfeitos está muito enganado, porque eles ainda queriam muito mais.  

O Ajax esnobou completamente o Intercontinental de Clubes e abriu mão de enfrentar o campeão da Libertadores, tendo em mente apenas um objetivo: unificar as coroas da Holanda e da Europa, conquistando as duas na mesma temporada.

Mas para isso, eles tiveram um susto logo de cara: uma das mentes responsáveis pela criação daquela equipe fenomenal, o técnico Rinus Michels, decidiu encerrar seu ciclo no clube holandês e rumou para a Espanha, onde passaria a treinar o Barcelona. O romeno Stefan Kovacs assumiu o cargo e não deixou a peteca cair, porque mesmo sem Michels, a alma do Futebol Total ainda estava no campo, afinal o Cruyff era considerado também um dos grandes responsáveis por aquele time pois agia como uma extensão do técnico nas 4 linhas, orientando e instruindo todos os seus companheiros sobre como eles deveriam se comportar naquele esquema. Parecia até que ele dava jeito pra ser técnico um dia, quem sabe?

Foto: UEFA

Para o azar dos rivais do clube alvi-rubro da Holanda, na temporada de 1971-72 o Johan atingiu o seu auge e não deu a menor chance pra quem tivesse que enfrentá-lo. O camisa 14 foi artilheiro da Champions League com 5 gols e deu o bicampeonato europeu ao Ajax, que derrotou a Inter de Milão na final por 2×0, com dois gols de Cruyff – e o detalhe é que essa final foi em Roterdã, cidade do Feyenoord. Na Eredivisie, tampouco o Ajax deu sopa: campeão com sobras, 30 vitórias em 34 jogos, e vendo Johan ser artilheiro com 25 gols. Os amsterdammers ainda faturaram a Copa da Holanda, fechando a histórica Tríplice Coroa daquele que foi o melhor ano que o Ajax já teve. Para fechar aquele perfeito 1972, eles aceitaram jogar o Intercontinental de Clubes e venceram o Independiente lá na Argentina – como o Mundial era diferente naquela época – levando enfim o título de campeão do mundo. 

Em 1972-73, Cruyff já tinha em mente que não faltava mais absolutamente nada para conquistar no Ajax e iniciou aquela que seria sua última temporada pelo clube – ao menos nessa passagem.

Liderados pelo camisa 14, os amsterdammers apenas confirmaram o que todos já sabiam: que eles eram os melhores. Mais uma vez campeão holandês com mais de 100 pontos, o verdadeiro grande obstáculo da temporada era o tricampeonato seguido da Champions, que para ser alcançado teve algumas pedras bem grandes no caminho.

Nas quartas de final, caiu o poderoso Bayern. Nas semifinais, foi a vez do gigante Real Madrid. E na grande decisão, a vitória por 1×0 contra a Juventus confirmou o feito emblemático: o Ajax foi o primeiro clube depois do Real Madrid a conquistar a Champions League em 3 anos seguidos.

No fim daquele ano de 1973, Johan Cruyff foi pela segunda vez eleito o Bola de Ouro da France Football – não deixando dúvida alguma nas conquistas de qual era o melhor time e quem era o melhor jogador da Europa. Mas apesar de todas as coisas boas, algo mexeu com Cruyff naquele fim de temporada. Os jogadores do Ajax fizeram uma votação secreta pra decidir o capitão e ganhou o Pet Keizer, outro jogador histórico do clube. Assim, o gênio decidiu: era chegada a hora de dizer adeus.       

A Capela de Johan Cruyff – Parte I

Foto: Popperfoto/Getty

Em agosto de 1973, Johan Cruyff seguiu os passos de Rinus Michels e assinou contrato com o Barcelona, se tornando a transferência mais cara da história do futebol naquela época, custando 1 milhão de euros aos cofres do clube catalão. Esse valor era tão surreal nos anos 70, que o governo espanhol não quis aprovar o negócio e, por esse motivo, o Barça teve que fazer uma gambiarra administrativa e registrar a compra do Cruyff como uma peça de máquina de agricultura.

Tal investimento de peso era justificado demais, afinal o Barcelona passava por uma fase extremamente complicada: estava há 13 anos sem vencer o campeonato espanhol, chegando até mesmo a correr risco de rebaixamento em algumas ocasiões. E quem melhor pra resolver esse problema do que o melhor jogador do mundo? E vale o destaque de como o Cruyff foi ousado nesse movimento. Ele era o principal jogador do continente, qualquer clube iria querer contar com ele, mas o cara escolheu justamente um clube que vivia uma fase ruim, ele quis esse desafio de construir algo em um lugar que precisava de uma revolução – assim como foi no Ajax

Johan vestiu a camisa 14 do Barcelona e levou a impressionante quantidade de uma temporada para tirar o clube blaugrana da fila na La Liga. Sim, já em 1973-74, o Barça teve o retorno do seu investimento de forma imediata, sendo campeão com 8 pontos de vantagem pro 2º colocado, o Atlético de Madrid, com o gênio holandês marcando 16 gols naquela campanha.

Era o Futebol Total do Ajax sendo implementado no Barcelona através de Michels na beira do campo e Cruyff dentro das quatro linhas, uma união que mudaria como o barcelonismo enxerga o futebol, sendo a fundação de uma filosofia que ditaria para sempre a fórmula do sucesso no clube catalão. Foi também aí que começou uma relação de irmandade entre o Ajax e o Barcelona, que graças a esses 2 gênios do futebol se tornaram clubes irmãos de espírito, com uma forma similar de sentir e viver o jogo bonito. 

E essa parceria de sucesso entre Michels e Cruyff ainda teria mais um capítulo histórico, aquele que colocou o Futebol Total no mapa do mundo. No meio de 1974, ambos se uniram mais uma vez, agora para representar o seu país no maior palco do futebol mundial: a Copa do Mundo. 

O Carrossel Holandês

Foto: Popperfoto/Getty

A Copa do Mundo de 1974, com sede na Alemanha Ocidental, foi a primeira e única da carreira de Johan Cruyff, e ficou marcada para sempre na história por ser aquela Copa do Carrossel Holandês, onde o mundo inteiro finalmente conheceu o Futebol Total.

Afinal, eram outros tempos, não importava o que fizessem na Champions League que isso não iria chegar a todos os lugares. Mas Copa do Mundo é outra coisa, é uma competição que move o mundo inteiro do futebol e concentra todas as atenções em sua realização.

Logo de início, o indomável Johan já causou polêmica ao retirar uma das tradicionais 3 listras que simbolizam a Adidas, marca responsável por fornecer o uniforme da Seleção Holandesa naquele mundial. O motivo é que o craque era patrocinado pela Puma e se recusava a aparecer ostentando o símbolo da empresa rival. Ele até chegou a ameaçar não jogar o torneio, sendo que ele era o astro da competição já que o Pelé não quis ir. O jeito foi arrancar fora umas das listras – por esse motivo, as fotos que você vê do Johan Cruyff daquele mundial são sempre com as duas listras, que viraram meio que um charme. Já pensou se pudesse ser assim hoje em dia, o que ia ter de uniforme mutilado?

Mas com polêmica e tudo, no fim das contas valeu a pena deixar ele rasgar uma listra e podia até ter deixado rasgar mais, porque aquele Mundial foi um verdadeiro espetáculo de futebol dos holandeses liderados por Michels e Cruyff. O Futebol Total aplicado, com os jogadores de camisa laranja se movendo o tempo inteiro e alternando suas posições com uma intensidade enorme, rendeu àquela equipe o apelido de Carrossel Holandês – que pode facilmente ser entendido quando você observa a dinâmica de um carrossel. A Holanda massacrou seus adversários, incluindo Argentina e Brasil, em partidas nas quais o Johan Cruyff destruiu, fazendo gol em ambas, para levar seu país à decisão da Copa do Mundo, justamente na primeira participação do lendário 14.

Foto: Bob Thomas/Getty

Só que pro azar deles, o rival da final seria um velho conhecido: a Alemanha Ocidental, que tinha a equipe base do poderoso Bayern de Munique – o atual campeão da Champions na época, contando com jogadores excepcionais como Sepp Maier, Paul Breitner, Gerd Muller e o Kaiser Beckenbauer. E se Cruyff já havia batido eles na Champions League jogando pelo Ajax, desta vez o final não seria o mesmo. De virada, a Alemanha venceu a Holanda e levou o caneco para casa.

Acontecia então a maior derrota da carreira do gênio holandês. Mas no fim das contas, a genialidade de Johan e o futebol dos holandeses é tão lembrado ou até mais que a vitória dos alemães – e esse é o tipo de legado que marca gerações, algo que as vezes, ou quase sempre, a pura e simples vitória não é capaz de fazer. 

No fim de 1974, a Europa mais uma vez se rendeu ao talento de Johan Cruyff e o holandês foi eleito o Bola de Ouro da France Football pela 3ª vez – se tornando o maior vencedor da história da honraria naquela época.

O Fim do Craque Total

Foto: Icon Sport/Getty

Johan Cruyff seguiu com sua carreira no Barcelona, mas longe de viver os mesmos anos de glória que teve jogando no Ajax. O clube catalão estava abaixo de seus concorrentes locais e apenas conseguiu vencer mais um título com o gênio holandês, que foi a Copa do Rei da temporada 1977-78. E 78 era ano de Copa do Mundo, mas Cruyff decidiu não participar da competição, e assim nunca mais voltou a vestir a camisa laranja holandesa. O motivo ele só revelaria 32 anos depois, em 2010, quando disse que sofreu um assalto em sua casa na cidade de Barcelona, quando viu sua família correr sério risco de vida. Passado o evento, Johan decidiu que não conseguiria estar focado no futebol pra disputar a principal competição do mundo da bola.

Pra piorar, ele ainda se viu frustrado com a violência excessiva do futebol espanhol, e assim decidiu pendurar as chuteiras em 78, pondo um ponto final em sua passagem como jogador do Barça e inicialmente se imaginava que também seria a sua carreira.

Acontece que, e lá vem coisa bizarra, parece que ele perdeu muito dinheiro sendo enganado por um caloteiro, incluindo grana colocada na criação de porcos, e aí viu no futebol dos Estados Unidos uma oportunidade de ganhar mais dinheiro antes de parar de vez, então foi jogar por um período na América. Lá, ele mais uma vez reeditou a dupla com Rinus Michels, desta vez no Los Angeles Aztecs, sendo considerado na época o MVP, o jogador mais valioso da liga. Ele ainda vestiu a camisa do Washington Diplomats também durante algum tempo. 

Foto: Getty

Cruyff teve um problema de lesão em 1981 e também relatam que ele odiava jogar em grama artificial, o que era comum na época. Então ele acabou tendo curtas passagens em diferentes clubes nessa fase final de sua carreira, quando chegou a negociar com o Leicester mas voltou mesmo pra Espanha, dessa vez para jogar por uma temporada no modesto Levante, emprestado pelo Washington Diplomats.

Ainda sem se encaixar, fez apenas 10 jogos lá e tomou a decisão de voltar às origens e assim foi o momento do bom filho à casa retornar. Johan Cruyff assinou com o Ajax novamente em 1981, talvez com a ideia de viver uma última dança com os amsterdammers. Mas sua tão citada personalidade inquieta e incontrolável acabaria transformando esses últimos anos no futebol holandês em algo muito mais complicado do que se poderia imaginar. 

Johan ainda dividiu o campo com duas jovens promessas do Ajax durante esse período, que seguiram seu legado com a camisa da Holanda – dois rapazes chamados Frank Rijkaard e Marco van Basten

Foto: VI-Images/Getty

Campeão holandês em 81/82 e ganhando o doblete nacional em 1982-83, o Ajax decidiu que não iria renovar o contrato do maior jogador de sua história, pois o considerava velho demais aos 36 anos.

Assim, Johan Cruyff pôs um fim definitivo em sua história como jogador do Ajax – mas ele não o fez com alegria e vontade própria, o que acabou deixando-o magoado e querendo provar que os engravatados que o puseram para fora do seu amado clube estavam redondamente enganados. A maneira que ele encontrou pra fazer isso? Simplesmente assinando com o arquirrival do Ajax: o Feyenoord. Foi um movimento tão chocante que a própria torcida do clube de Roterdã era contra, mas ele não tava nem aí. Pensa que loucura, mal comparando seria como se o Barça não quisesse renovar com o Messi e aí ele se vingasse assinando com o Real Madrid.

Cruyff, agora camisa 10, uniu forças com mais um de seus futuros sucessores na Laranja Mecânica: um jovem chamado Ruud Gullit. O resultado disso é que bem, digamos que aqui ficou uma lição: você não mexe com a honra de um dos melhores jogadores de todos os tempos.

Na temporada 1983-84, o Feyenoord foi campeão da Eredivisie – após 10 anos sem conseguir – e da Copa da Holanda. O Ajax? Engoliu seco a decisão, porque ficou apenas em 3º no campeonato enquanto via Johan levantando taças. Assim, com a dignidade restaurada e em paz consigo mesmo, Johan encerrou de uma vez por todas a sua brilhante e magistral carreira, como um dos melhores e maiores atletas a jogarem futebol neste mundo.  

Ao longo de seus 20 anos de carreira, Johan Cruyff se consagrou dono de 22 troféus, incluindo 10 ligas nacionais – das quais 9 foram a Eredivisie e uma La Liga – e também o marcante tricampeonato da Champions League. Ele marcou 403 gols em sua carreira sendo 271 pelo Ajax.

Mister Johan Cruyff

Foto: Bob Thomas/Getty

Johan Cruyff não conseguiu passar sequer um ano longe do esporte que ele tanto amava e assim seguiu o caminho que todo mundo já esperava que ele seguiria: se tornou técnico do futebol.

As ideias revolucionárias de Cruyff e Michels mudaram para sempre a história do Ajax e agora ele poderia seguir o legado do Futebol Total e levar o jogo bonito a um novo patamar – desta vez, sem Rinus Michels, agora ele era o chefe. Fechou com o Ajax em junho de 1985, curiosamente logo depois daquela treta toda, e teve carta branca do clube de Amsterdã para implementar suas ideias.

Johan tinha à sua disposição um jovem elenco com fome de bola, com destaque pra dois que ele já tinha até dividido o campo, Rijkaard e van Basten. Teve até um certo jovem que iniciou sua carreira justamente nessa época, um conhecido da torcida do Arsenal chamado Dennis Bergkamp.

Seu período como treinador dos ajacieden não durou muito, mas em duas temporadas ele conseguiu liderá-los para vencer duas vezes a Copa da Holanda e uma Recopa da Europa.

Apesar de não ter vencido a Eredivisie, sua equipe jamais deixou de mostrar um futebol extremamente vistoso, marcando 120 gols no holandês de 1985-86 e tendo seu artilheiro van Basten com 37 gols na competição. Não havia como negar que o futebol do time de Johan Cruyff era puro entretenimento. 

Em 1988, Johan fez o mesmo caminho da época de jogador e saiu do Ajax para o Barcelona, onde retomaria seu trabalho de mudar o patamar dos blaugranas como clube e marcaria seu nome para sempre no futebol, desta vez como treinador. 

A Capela de Johan Cruyff – Parte II 

Foto: Neil Simpson/Getty

O interessante é que antes mesmo de começar como treinador do Barça ele havia mudado a maneira do clube enxergar e lidar com o futebol: quando ainda era jogador, ele convenceu o então presidente culé, Josep Nuñez, a criar um centro de formação de jogadores da base seguindo os mesmos padrões da base do Ajax.

O objetivo era dar extrema atenção aos jogadores criados no clube para que eles chegassem ao profissional já habituados a filosofia de jogo do time principal, algo que redefiniu o que hoje conhecemos como La Masia – mais uma das coisas que mostram como esses dois clubes, o Ajax e o Barça, foram se tornando parecidos com o passar do tempo, muito pela influência de figuras como Rinus Michels e especialmente o próprio Cruyff.

Essa influência de Johan sobre os jovens do Barcelona pôde ser vista numa entrevista de Guardiola, que foi seu pupilo no Barça. O técnico catalão descreveu de maneira bem legal a relação com o holandês:

Não se entende a minha vida profissional sem a presença de Cruyff. Ele foi determinante na academia de futebol. Cruyff não me convenceu, eu me apaixonei por aquilo. Ele me dizia que se eu jogasse com dois toques era lento, com três era ruim e com um poderia chegar a ser bom.

Quando assumiu o clube catalão, o Barcelona havia vencido apenas uma La Liga desde a temporada de 1973-74, justamente aquela quando Johan, como jogador, ajudou a tirar o time de uma fila de 13 anos sem conquistar o campeonato espanhol. Além disso, o rival Real Madrid vinha de uma sequência de títulos espanhóis que ainda não estava para acabar – era um dos times mais emblemáticos da história do futebol espanhol, eternizado com o nome La Quinta del Buitre.

Isso sem falar que o clube tinha vivido uma frustração gigantesca na temporada de 1985-86, perdendo a final da Champions League para o Steaua Bucareste nos pênaltis, vendo escapar por entre os dedos a chance de ser pela primeira vez campeão da Orelhuda. Sim, o Barcelona ainda não havia vencido a principal competição do futebol europeu. Situaçãozinha complicada, hein?

Mas se ele foi pro Barcelona da primeira vez em um péssimo momento, por que não repetir a dose, né? Johan estava mais do que determinado a mudar esse cenário e colocar o Barça na primeira prateleira do futebol europeu. 

Um novo Barcelona

Foto: Getty

Com total carta branca para moldar o Barça, Cruyff dispensou vários jogadores mais velhos e começou a investir em jovens das categorias de base do clube e na contratação de outros jovens espanhóis com potencial. Aos poucos, ele foi formando a base de um time que sucederia o domínio espanhol do Real Madrid, e logo em suas duas primeiras temporadas já conseguiu ajudar o Barça a ter um respiro, sendo vice-campeão de La Liga em 1988-89 e 3º lugar em 1989-90. E ainda conseguiu faturar dois canecos: a Recopa da Europa de 1988-89 e a Copa do Rei de 1989-90, uma conquista toda especial por ter sido contra o Real Madrid.

Só que o melhor ainda estava por vir. O Barcelona entrou na década de 90 já com alguns craques estrangeiros fenomenais contratados como Ronald Koeman, Michael Laudrup e Hristo Stoichkov – além de jogadores espanhóis que já estavam no time como Guillermo Amor, Pep Guardiola, Andoni Zubizarreta e Txiki Begiristain, e iniciou a dinastia vitoriosa que rendeu àquele time o nome de Dream Team.

Em 1990-91, o Barcelona de Johan Cruyff venceu o campeonato espanhol e fez cair por terra o sonho do Real Madrid de ser hexacampeão de La Liga – e fez isso com a identidade de sempre de Cruyff: o futebol bonito. Foram 74 gols marcados, sendo disparado o melhor ataque do torneio e terminando com 10 pontos de vantagem para o vice Atlético de Madrid

Mas essa temporada também marcou o primeiro grande susto da vida de Johan Cruyff, causado pelo seu vício em fumar cigarros. O então técnico do Barcelona sofreu uma insuficiência coronária e teve que colocar pontes de safena para lidar com o problema. Foi nessa época em que ele abandonou o cigarro e chegou até a participar de campanhas contra o tabaco.

Mudança de patamar

Foto: Mark Leech/Getty

Em 1991-92, os culés engataram mais um título do campeonato espanhol, fazendo até mais gols que na campanha anterior – 87 bolas na rede. Mas a cereja do bolo seria a tão esperada conquista da Champions League. O trabalho de Johan Cruyff no comando técnico do Barcelona entraria de vez para a história do clube em 20 de maio de 1992, no Estádio Wembley, quando o Barcelona venceu a Sampdoria por 1×0 com gol de falta do Ronald Koeman na prorrogação e se consagrou pela primeira vez campeão da Champions League. O detalhe é que o Barça jogou essa final de laranja, tradicional cor da Seleção Holandesa. Coincidências da vida.

Mas sabe aquela história de como Cruyff era um cara de personalidade forte, que não tem medo de falar o que vem na telha? O preço disso foi cobrado quando o Barcelona foi enfrentar o São Paulo no Intercontinental de Clubes, com direito a uma história muito bacana onde Cruyff e Telê Santana se encontraram no hotel e ficaram maravilhados um com o outro, conversando empolgados sobre futebol até altas horas da madrugadA e fazendo um pacto: se algum jogador dos 2 times não jogasse de acordo com o que eles acreditavam ser futebol bonito, então esse jogador seria substituido na hora.

Johan mandou que o Barça iria vencer sem nem precisar de prorrogação e ainda debochou dos rumores de que o São Paulo, treinado por Telê Santana na época, era um time muito forte fisicamente, que corria o tempo inteiro. O treinador holandês disse que ”quem precisa correr são os covardes”. Bem, O resultado disso foi que o tricolor paulista venceu por 2X1 e saiu campeão do mundo. Johan reconheceu as groselhas que falou e disse que “se for pra ser atropelado, que seja por uma ferrari”, como forma de elogiar aquele timaço brasileiro. 

Foto: Getty

Em 1992-93, o Barcelona seguiu sua dinastia espanhola, vencendo mais uma vez a liga. Para completar, após isso conseguiu pôr as mãos no melhor jogador do mundo daquela época, o craque histórico Romário.

O resultado disso é que mais uma vez o Barcelona faturou o campeonato espanhol: era o tetracampeonato seguido da equipe comandada por Johan Cruyff. Mas apesar das alegrias, viria um enorme baque. Cruyff mais uma vez levou o Barcelona à final da Champions League em 1993-94, mas foi nessa ocasião que o clube sofreu uma de suas maiores derrotas, quando foi amassado pelo Milan por 4×0 na decisão. Sofrimento à parte, nem isso era capaz de manchar o trabalho brilhante do treinador holandês na Catalunha.

Para a temporada 1994-95 o Barcelona teve várias mudanças, perdendo caras importantíssimos como Laudrup, Stoichkov e Romário – esse muito por conta das desavenças com Cruyff.

Era o começo do fim da Era Cruyff em Barcelona e o começo do fim do Dream Team.

Nos anos seguintes, Johan não conseguiu mais levar o Barça a conquista de nenhum título, e assim finalmente decidiu colocar um ponto final naquela história no final da temporada de 1995-96. Cruyff saiu do Barcelona como o técnico mais longevo do clube – e segue sendo até hoje, com 413 partidas ao longo de 8 temporadas. Foi vitorioso com 11 taças, incluindo 4 Ligas, uma Copa do Rei e a primeira Champions League do clube. Um era marcante e inesquecível. 

O legado

Foto: Bob Thomas/Getty

Não havia dúvida alguma de que o Barça era o melhor time do futebol espanhol e um símbolo do jogo bonito durante o período em que Cruyff esteve lá. Johan havia implementado uma filosofia de jogo de tal forma que encarnou em todos os âmbitos do clube blaugrana, moldando o que ele seria pelo decorrer de sua grandiosa história. Havia um Barcelona antes e um depois de Johan Cruyff.

Mais uma vez, o gênio holandês havia construído um legado que, apesar das muitas vitórias, ia muito além delas. O que Cruyff deixou para o Barcelona não foi apenas um presente, mas sim um futuro e uma identidade. Os torcedores culés, que hoje podem dizer que sentem orgulho da filosofia do Barça, podem fazê-lo porque um dia Johan começou uma revolução. Porque um dia ele esteve ali. 

O que outros treinadores fizeram nas décadas seguintes foi dar sequência a uma viagem numa estrada já pavimentada por ele. Como disse uma vez Pep Guardiola, treinador histórico do futebol atual que tanto aprendeu de seu mestre durante o período em que foi jogador de sua equipe:

“Cruyff pintou a capela e desde aí todos os treinadores do Barcelona meramente a restauraram ou melhoraram”.

Mas o que Cruyff representa para o futebol não se limita ao Ajax, à Holanda ou ao Barcelona, mas sim ao jogo como um todo. Johan mudou todas as percepções desse esporte maravilhoso e obrigou todos a evoluírem e se tornarem melhores – ele mudou o patamar do futebol como jogo, como esporte tático e como entretenimento. Não há nenhum exagero quando dizem que ele é uma das – ou talvez a pessoa mais importante da história do futebol europeu e mundial.

Adeus, Johan 

Foto: Stuart Franklin/Getty

Depois de sua carreira como treinador, Johan Cruyff decidiu ficar um tempo descansando e passou a assumir funções que exigissem menos de sua frágil saúde. Chegou a virar comentarista de futebol e trabalhou na diretoria da Seleção Holandesa, do Ajax e do Barcelona. Ao longo dos anos, ele pôde ver como sua influência foi positiva para o Barcelona e o Ajax, clubes que foram campeões europeus nas últimas 3 décadas seguindo a filosofia de jogo implementada pelo craque e apostando em suas academias de jovens na formação do elenco. 

Em muitos anos, Johan acabou sendo honrado com uma série de premiações que reconhecem o tamanho colossal que ele teve para o futebol durante décadas de trabalho. Dentre a enorme quantidade, podemos citar como os principais:

Estar na Seleção de Todos os Tempos da Copa do Mundo pela FIFA. E ele nunca a venceu, pra você ver o tamanho desse cara.

Ser eleito pela FIFA e IFFHS o 2º melhor jogador do século XX, atrás apenas de Pelé.

Ser escalado pela France Football no segundo Dream Team de todos os tempos, perdendo o lugar no primeiro esquadrão para Ronaldo Fenômeno.

Vencer o Prêmio Laureus do Esporte Mundial de 2006, um prêmio concedido a esportistas que fizeram uma significativa contribuição para suas modalidades.

Pouco a pouco, foi ficando cada vez mais claro que Johan Cruyff havia se tornado imortal para a história do esporte. Mas se a figura era para sempre, infelizmente não foi o mesmo caso da carne.

Diagnosticado com câncer de pulmão em 2015, Johan via os efeitos do seu vício de longa data no cigarro cobrar o preço. Apesar da dura batalha, essa partida ele não foi capaz de vencer. Em 24 de março de 2016, Hendrik Johannes Cruijff faleceu aos 68 anos. 

Foto: Lluis Gene/Getty

Em 2017, o Ajax anunciou que faria a maior das homenagens ao maior ídolo de sua história. Hoje, quem vai ver os amsterdammers jogar em seus domínios, pode olhar para cima e ver o imponente nome que batiza o local: Johan Cruijff Arena, além de sua estátua na entrada do estádio.

Em 2019, o Barcelona inaugurou um novo estádio, que serviria como a casa dos jovens que sonham em se tornar jogador do clube principal dos blaugranas e também do espetacular time feminino dos culés. Esse novo estádio ganhou o nome de Estadi Johan Cruyff, em homenagem ao homem que mudou para sempre a história do Barça. E na frente do Camp Nou também tem uma estátua de Cruyff.

Mesmo após tantos anos de sua morte, é difícil não ouvir ou ler sobre ele de vez em quando, tamanha é sua importância e peso para o maior esporte do mundo até hoje. Não importa quantos anos se passem, a marca que Johan Cruyff deixou no futebol é infinita – jamais será apagada e muito menos esquecida. Mesmo após sua morte, o espírito de Johan vive para sempre através do jogo que ele tanto amou e, assim, o icônico jogador camisa 14 e professor revolucionário pôde se tornar eterno.

Foto: Getty

Times Imortais: o Milan dos Holandeses

Esse artigo foi escrito originalmente como roteiro para o vídeo acima

Existe o Paris Saint Germain dos catarianos, tem o Manchester City dos árabes e um dia já teve o Milan dos Holandeses. Mas ele foi chamado assim porque algum bilionário holandês comprou o clube na época? Não. Os holandeses donos do Milan não vestiam terno e gravata, mas sim chuteira e uniforme.

Hoje a história é de um time imortal: o histórico Milan dos Holandeses, responsável por mudar para sempre o patamar daquele que hoje é considerado um dos maiores clubes da história do futebol. 

1980 – A Queda

Foto: Divulgação

Para contar essa história precisamos voltar lá na década de 80, ela mesmo que acabaria de uma forma mágica para o Milan, mas que teve um início desesperador.

Quem conhece o escândalo de manipulação de resultados que rebaixou a Juventus em 2006 sabe como isso lá na Itália tende a ter sérias punições, e foi justamente o que aconteceu com o Milan naquela época.

Em 1980, os rossoneri foram rebaixados para a Serie B Italiana devido ao estouro de um caso de manipulação de partidas – um enorme baque para um clube tão importante do futebol italiano. E se o caso que rebaixou a Juventus ganhou o nome de Calciopoli, esse não foi diferente: marcado para sempre nos livros do futebol italiano com o nome de Totonero, esse escândalo rebaixou não apenas o Milan, como também a Lazio e causou uma punição de -5 pontos na tabela para as outras equipes envolvidas, que foram o Avellino, Bologna, Perugia, Palermo e o Taranto.

Os cartolas não saíram impunes: o presidente do Bologna à época, Tommaso Fabretti, recebeu 1 ano de suspensão e o presidente do Milan, principal clube de todo esse esquema, Felice Colombo foi expulso do futebol italiano definitivamente. 

1986 – O Início da Era Berlusconi

Foto: Franco Origlia/Getty

Foi o início de anos sombrios no lado rossonero de Milão, porque mesmo o clube conseguindo voltar para a Serie A sem tantas dificuldades, não conseguia ser um clube poderoso no país e acabou tendo alguns anos melancólicos na primeira metade da década de 80.

Na temporada 1981-82, o Milan foi mais uma vez rebaixado, dessa pelo desempenho dentro de campo. Mais uma vez, voltou a Serie A e mais uma vez seguiu sem forças pra brigar por títulos. Para dar uma ideia, o time chegou a ser eliminado da Copa da UEFA pelo Zulte-Waregem, um clube extremamente modesto da Bélgica.

Todas esses seguidos fracassos esportivos e administrativos fizeram com que o Milan entrasse numa enorme crise financeira, e o fundo do poço parecia ser questão de tempo. Mas em 1986 ocorreu um fato que mudou completamente os rumos da história do Diavolo: Silvio Berlusconi, um conhecido empresário mega poderoso da Itália, comprou o Milan e prometia trazer o clube rossonero de volta ao topo.

A primeira atitude dele a frente do clube foi uma que surpreendeu a muita gente, pois ele não foi atrás de um técnico super badalado e à velha moda italiana para comandar o seu projeto a beira do campo, mas sim de um cara com um DNA diferente, que na época comandava o modesto Parma: um tal de Arrigo Sacchi.  

Foto: Alessandro Sabattini/Getty

Ao começar a montagem do time, Sacchi e Berlusconi tinham que lidar com uma regra que, hoje em dia, parece algo completamente fora da realidade e inimaginável: a regra de que só poderiam haver 3 jogadores estrangeiros por clube.

Pense você agora, imagina se o Real Madrid, o Manchester City, o PSG ou qualquer outro desses clubes poderosos do futebol atual pudessem ter apenas 3 jogadores estrangeiros no time. O fato dessa regra não existir mais é o que faz com que clubes bilionários consigam montar seleções globais, trazendo os melhores jogadores de vários países e continentes do mundo inteiro.

Mas o Milan não tinha essa colher de chá. Ao escolher os três estrangeiros que iriam vestir a camisa do clube eles precisavam ser cirúrgicos, não dava pra fazer qualquer aposta, tinha que ser um negócio muito bem pensado. Mas no fim das contas, o que ocorreu é que esses três estrangeiros seriam uma aposta que daria muito certo, e os três eram ainda da mesma nação.

1987 – A Chegada de Gullit e van Basten 

Foto: Getty Images

O craque holandês Ruud Gullit vivia a sua ascensão quando chegou a dividir os gramados com Johan Cruyff em seus últimos anos de carreira, lá no Feyenoord.

Gullit ainda teria uma passagem pelo PSV Eindhoven, onde chamou a atenção da Europa inteira marcando 53 gols pelo clube. Assim, o Milan decidiu investir no homem e em 1987 pagou 6,75 milhões de euros ao PSV – valores estimados e convertidos afinal o Euro só foi adotado em 1999 – para contar com o atacante.

O holandês era um jogador marcado pela sua absurda capacidade multifuncional, sendo um verdadeiro coringa, capaz de jogar em quase todas as posições de linha, da zaga e até de centroavante.

Ele era alto, forte, rápido, muito inteligente, e tinha um faro de gol como poucos atacantes do mundo naquela época. Todas essas características faziam com que ele fosse o jogador dos sonhos para Arrigo Sacchi, como um cara que chegava pra mudar o patamar do Milan e que naquele mesmo ano foi eleito o Bola de Ouro pela France Football. 

Foto: Etsuo Hara/Getty

Quem também jogou com Johan Cruyff, esse no Ajax, foi o matador Marco van Basten, centroavante revelado nas categorias de base do maior clube holandês e que não demorou para se tornar unanimidade em seu time e na seleção de seu país.

Van Basten era um artilheiro, mas ele não era só um artilheiro que ficava na área empurrando a bola, o cara tinha uma qualidade técnica absurda pra iludir os defensores, conduzir e proteger a bola, além de muita técnica pra finalizar, mandava pancada de fora da área, driblava e tudo. Dá pra cravar facilmente que ele foi um dos centroavantes mais plásticos da história do futebol.

Em 1985-86, fez até então a sua melhor temporada na carreira, aparecendo pra Europa inteira com 37 gols na Eredivisie, números que lhe deram a Chuteira de Ouro naquele ano. Quem viu isso e ficou encantado foi o Milan, que escolhia com cautela os seus estrangeiros para montar o time e viu em van Basten o nome ideal para ser a referência do ataque.

Assim, o clube rossonero pagou a bagatela de 1,13 milhões de euros – aproximadamente e convertendo os valores – ao Ajax para tirar Marco de lá e levá-lo pra Itália em 1987.

1988 – A Reconquista da Itália

Foto: Divulgação

O Milan de fato viveu um momento complicado: 1984-85 ficou apenas em 6º lugar na tabela. Na temporada seguinte, em 1985-86 foi pior, terminou em 7º. Em 1986-87, nada mudou: um medíocre 6º lugar. O Milan parecia estar virando aquele time que está sempre ali fingindo que vai brigar por algo mas nunca conseguia realmente.

Antes mesmo do trio estar completo, o Milan de Arrigo Sacchi já pôde conseguir o primeiro título daquela era vitoriosa: o Campeonato Italiano de 1987-88. Um feito que já representava a revolução iniciada no time rossonero, quando dos 30 jogos da Serie A o Milan perdeu apenas 2 e venceu 17. Já se destacando pela defesa, que hoje é lembrada por ter alguns dos maiores defensores de todos os tempos – como Baresi e Maldini – o Milan sofreu apenas 14 gols na campanha.

O que torna a conquista ainda mais especial é o adversário principal daquela era, um dos times mais lendários da Itália: o Napoli de Maradona e Careca – que inclusive era o atual campeão.

Individualmente, Maradona continuava sendo o melhor jogador da Serie A, sendo o artilheiro da edição 1987-88 com 15 gols. Mas como conjunto, o Diavolo já começava a se distanciar dos demais.

Aquele foi o primeiro título italiano do Milan em 9 anos, o primeiro indício de que a Era Berlusconi seria um marco no clube.

1988 – Rijkaard Completa o Tridente

Foto: Sepia Times/Getty

Em 1987, o craque holandês Frank Rijkaard decidiu pôr um fim a sua época no Ajax, clube que o revelou e onde se sagrou multicampeão. O motivo foi uma treta com ninguém menos do que o Cruyff, que é praticamente Deus lá e nessa época já era treinador do clube, então não tinha muito o que fazer.

O próximo passo de Rijkaard era, ou pelo menos ele achava que seria, no Sporting de Portugal – mas calma que essa história é mais complicada.

Em 23 de outubro de 1987, Frank Rijkaard assinou contrato com o Sporting e já começou a treinar com os seus novos companheiros de clube, só à espera da regularização do negócio para que ele pudesse estrear como atleta dos Leões. Só que aí o presidente do Sporting na época, Jorge Gonçalves, demorou demais para conseguir fechar o negócio com o Ajax. e por conta disso o período de inscrição de novos atletas em Portugal acabou e o Rijkaard simplesmente não pôde jogar pelo clube com o qual ele tinha assinado contrato.

Sem solução, o craque foi emprestado ao Real Zaragoza da Espanha, afinal não dava pro cara ficar parado por meses só treinando. Com uma temporada completamente esquecível no pequeno clube da Espanha, Rijkaard teria seu destino mudado para sempre quando assinou com o Milan no final desse empréstimo, em 1988. O clube italiano pagou 3 milhões de euros ao Sporting para tirar o seu jogador – que sequer chegou a jogar pelo Leão.   

Foto: Etsuo Hara/Getty

É incrível essa história porque se tivesse conseguido jogar no Sporting o Rijkaard tinha tudo pra dar certo lá porque ele simplesmente era bom demais. Rijkaard era capaz de jogar tanto como volante quanto como zagueiro. Ele era alto, tinha boa mobilidade e era bom em tudo que fazia. Pense em um volante forte, bom marcador e bom no jogo aéreo, tipo o Casemiro. Agora pense em um volante extremamente técnico, com controle de bola e passe refinado, como o Busquets. Agora pense num que é as duas coisas: esse era o Frank Rijkaard

Em 1988, antes mesmo de se unirem no Milan, Gullit, Rijkaard e van Basten foram campeões continentais, levando a Eurocopa para a Holanda após um torneio simplesmente fenomenal dos três, com destaque para o Marco van Basten que marcou um dos gols mais antológicos da história do futebol na final da competição.

Foto: Alessandro Sabattini/Getty

O Trio estava formado. Uma combinação impressionante, e os três chegavam na Itália para começar a temporada 1988-89 já campeões e já conhecidos Europa afora.

Berlusconi e Sacchi haviam feito a melhor escolha possível dos três estrangeiros que podiam jogar no Milan – três craques geracionais de uma mesma nação, que se conhecem e se entendem como poucos vestindo a camisa do seu país e que beberam da fonte do gênio Johan Cruyff.

Só que esses três caras não chegavam pra se juntar a alguns jogadores mais ou menos pra carregarem o time. O Milan montava uma verdadeira constelação de craques que ficariam marcados como alguns dos maiores jogadores italianos de todos os tempos, como Paolo Maldini, Franco Baresi, Roberto Donadoni, Carlo Ancelotti, Costacurta e outros. 

Mas no meio de todas essas estrelas, aqueles três caras roubaram a cena e fizeram um time italiano ser lembrado por outra nacionalidade.

Assim, estava finalmente formado o Milan dos Holandeses. Sob o comando de Arrigo Sacchi, eles começaram a conquista da Europa e do Mundo, a começar por um certo prêmio individual. No fim de 1988, Marco van Basten foi eleito o Bola de Ouro da France Football, com Ruud Gullit ficando em 2º e Frank Rijkaard ficando em 3º – um feito histórico para os holandeses do Milan, que monopolizaram o principal prêmio individual do mundo. 

O Milan dos Holandeses

Numa época em que a Champions League – na época Copa dos Campeões – levava demais a sério o seu nome, apenas os campeões podiam brigar pela taça. Como o atual campeão da Itália, o Milan voltou todas as suas forças pra disputa da Champions, porque se hoje você conhece o Milan como o segundo maior campeão dela com sete taças, naquela época o clube estava muito mais carente de títulos europeus, tendo vencido apenas duas vezes a maior taça de clubes da Europa, sendo que a última tinha sido lá em 1968-69, eram vinte anos de jejum!

Como consequência, os rossoneri não conseguiram brigar pelo título italiano novamente, que mesmo com um van Basten fatal, sendo vice-artilheiro da competição com 19 gols, teve vitória avassaladora da Internazionale.

Mas na Champions o Milan avançava a todo vapor. Na primeira eliminatória, bateu o Vitosha, da Bulgária. Na seguinte, mandou pra casa o Estrela Vermelha, da Iugoslávia. Na terceira, derrubou o alemão Werder Bremen.

Aí chegou a hora de separar os homens dos meninos, porque na semifinal o adversário seria nada mais nada menos do que o Real Madrid, numa semifinal com cara de final antecipada, pois na outra chave jogavam dois clubes mais modestos: o Steua Bucareste e o Galatasaray. Naquele confronto, o Milan fez um anúncio pro continente inteiro ouvir: “a partir de hoje, a Europa é nossa”.

Após empate no Santiago Bernabéu em 1×1, o Milan recebeu o Real Madrid no San Siro para mais de 73 mil pessoas, e entregou uma das maiores exibições da história da UEFA Champions League, ao vencer os merengues por 5×0 – com todos os gols sendo marcados por jogadores diferentes: um golaço absurdo de Ancelotti, Donadoni e o tridente holandês Gullit, Rijkaard e van Basten

Foto: Simon Bruty/Getty

Após amassar o Real Madrid o Milan foi à grande decisão, com sede no Camp Nou. Os comandados de Arrigo Sacchi enfrentaram o Steaua Bucareste, clube romeno que já havia batido o Barcelona numa final de Champions League em 1986. Mas quando sentiram a mão pesada do Diavolo, a coisa foi diferente. 

A escalação do Milan para a final teve Galli, Tassotti, Baresi, Costacurta e Maldini; Rijkaard, Ancelotti, Colombo e Donadoni; e a dupla de ataque Gullit e van Basten – completando o 4-4-2 mortal de Sacchi

A dupla de ataque simplesmente não permitiu que houvesse jogo, porque o que se viu no Camp Nou foi mais um massacre dos holandeses: 4×0, com dois gols de Gullit e dois gols de van Basten

Foto: Kazuhiro Nogi/Getty

Após dois rebaixamentos e anos melancólicos do Milan na primeira metade da década de 80, o clube atingia a glória máxima: tinha se tornado tricampeão da Champions League e ainda iria por mais, porque o Mundial aguardava no Japão.

O adversário foi o Atlético Nacional da Colômbia, time do lendário goleiro René Higuita, que fez jogo duro e só foi derrotado com um gol de falta do reserva Evani na prorrogação. Agora, a conquista tinha atingido todos os degraus – a Itália, a Europa e o Mundo. Mas ainda não era o suficiente, porque o Milan dos Holandeses queria mais. 

No fim de 1989, mais uma vez o Milan foi o dono da premiação da Bola de Ouro, com Marco van Basten vencendo pelo segundo ano seguido, agora com Franco Baresi em 2º lugar e Frank Rijkaard mais uma vez em 3º. 

1990 – A Segunda Coroa da Europa e do Mundo 

Foto: Neal Simpson/Getty

Para a temporada 1989-90, o Milan mais uma vez focou todas as suas forças na briga pela Champions League, enquanto viu o Napoli do gênio Maradona conquistar a Serie A, que teve van Basten mais uma vez como artilheiro com 19 gols. 

Mas na Europa não tinha jeito: quem mandava era o Milan. Na primeira eliminatória, despachou o Helsinki, da Finlândia. Na próxima fase, pegou logo o Real Madrid e mais uma vez mandou o gigante espanhol de volta para capital com as mãos abanando. Chegando às quartas de final, foi a vez do Mechelen, da Bélgica, ser derrubado pela equipe de Arrigo Sacchi. Na semifinal, viria a maior batalha daquela campanha: o rival era o poderoso Bayern de Munique, num embate entre dois tricampeões da Champions, que no fim foi vencido pelo Milan – suado, graças à regra do gol fora de casa. 

Na grande decisão no Praterstadion o adversário foi o Benfica, que seguia na sua sina de tentar voltar a ser campeão europeu depois da Era de Eusébio. A final foi duríssima, mas o Milan tinha um holandês na manga: Frank Rijkaard recebeu de van Basten e marcou o único gol da partida, que deu o tetracampeonato europeu ao Diavolo. Detalhe que na competição inteira tomou apenas 2 gols, ambos do Bayern.

No Mundial, teve pela frente o Olimpia do Paraguai e não tomou conhecimento: enfiou um 3×0, com direito a três gols de Rijkaard e se tornou o primeiro clube europeu a vencer o mundo três vezes. 

1991 – O Fim da Era Sacchi

Foto: imago images/Buzzi

O Milan dos Holandeses havia atingido o seu apogeu e como todo mundo sabe, quando se atinge o topo não existe outro caminho que não seja a descida. Na temporada 1990-91, o Milan mais uma vez não conseguiu vencer a Serie A e foi eliminado da Champions League nas quartas de final, vendo o sonho do tri seguido escapar ali.

Pra completar, o comandante Arrigo Sacchi deixou o clube ao fim da época, indo treinar a Seleção da Itália. Era o fim do Milan mais encantador de todos os tempos e um dos maiores times a pisarem num gramado de futebol em toda a história.

1992 – Os Invencíveis 

Foto: Onze/Getty

Os holandeses seguiram e ainda tiveram mais anos de glória. Sob o comando de Fabio Capello, se tornaram campeões invictos da Serie A na temporada 1991-92, numa campanha épica que fez a defesa com Maldini, Baresi, Costacurta e cia se tornarem ainda mais lendários. Naquela campanha, o artilheiro foi o homem gol de sempre: Marco van Basten com 25 bolas na rede – desempenho que levou o craque a sua 3ª conquista da Bola de Ouro, se tornando o maior vencedor na época, empatado com Johan Cruyff e Michel Platini

1993 – Adeus aos Holandeses

Foto: Alessandro Sabattini/Getty

O domínio nacional se estendeu por mais dois anos: o Milan de Capello fechou um tricampeonato italiano com os scudettos de 1992-93 e 1993-94. Só que pouco a pouco, o Milan foi deixando de ser dos holandeses. 

Ruud Gullit começou a cair de rendimento e foi perdendo espaço na equipe titular – o que o fez se transferir para a Sampdoria no meio de 93.

Van Basten começou a sofrer com sérias lesões no tornozelo. Todo mundo sabia que era o fim da era deles, mas ainda assim, houve mais uma final de Champions pela frente, contra o Olympique de Marseille na temporada 1992-93. Com apenas 2 dos 3 holandeses em campo, o Milan não era mais a força que conquistou o bicampeonato em 89 e 90 e assim foi derrotado pelos franceses por 1×0.

Essa partida marcou o adeus de Marco van Basten dos gramados, que atormentado pelas lesões ficaria 2 anos tentando se recuperar até anunciar a aposentadoria em 95.

No fim da temporada, Frank Rijkaard também deu adeus e voltou à Holanda pra mais uma vez vestir a camisa do Ajax, onde encerraria a carreira. 

O Milan dos Holandeses encantou a Itália, a Europa e o Mundo, e uniu o futebol arte com a tática e a vitória. No fim, se tornou eternizado para sempre como um time italiano, mas com adjetivo pátrio de outra nação. E acima de tudo: um Time Imortal.

O caminho para a destruição do Barcelona

Esse artigo foi originalmente escrito como roteiro para o vídeo acima lançado no dia 21 de Agosto de 2021.

Como que o gigante Barcelona, que encantou todo mundo com Ronaldinho, Messi, o time do tiki-taka e depois até do trio MSN, conseguiu cair tanto e ter tantos problemas? Hoje vamos passar pelos principais motivos que levaram à destruição do Barcelona que ocasionou na saída do Messi do clube.

O começo da destruição

Foto: David Ramos/Getty

Ninguém sabe de todos os mínimos detalhes do que aconteceu nos bastidores do clube, mas dá pra ter uma noção pelos setoristas e jornalistas que cobriram o Barcelona todos esses anos e tinham fontes internas, e segundo por tudo que já foi divulgado e falado publicamente por ex-funcionários e jogadores do Barça.

Com isso em mente, quando a gente pensa no principal culpado por levar o time à essa situação, tem um nome que tá na ponta da língua: Josep Maria Bartomeu, conselheiro do clube de 2003 até 2005, depois vice-presidente a partir de 2010, e enfim presidente do clube a partir de 2014 e até 2020. E se a gente traçar uma linha do tempo e acompanhar a trajetória dele no comando do Barcelona, dá pra ter uma imagem bastante clara do que ele fez para colocar o clube nessa situação.

A decaída do Barcelona começa com a contratação do Neymar em Junho de 2013. É claro que o Neymar como jogador não tem nada a ver com isso, foi muito bem e participou de umas melhores gerações do clube, o problema foi na parte financeira de sua contratação, extremamente conturbada.

A polêmica envolve um grupo de investidores que se sentiu trapaceado financeiramente pelo Santos, o próprio Santos que se sentiu enganado pelo Barcelona por não terem realizado um amistoso previsto no contrato, e especialmente pelo paradeiro do dinheiro que o Barça pagou para o Santos.

Começa no valor da transferência, que segundo o Barcelona foi de 57.1 milhões de euros, mas o Santos só teria recebido 17.1 milhões, enquanto grande parte dessa grana teria ido para uma empresa do pai do Neymar, e o resto para aquele fundo de investidores. Só que além disso, houve uma acusação de que o valor teria sido de 95 milhões de euros, e que o presidente na época, Sandro Rosell, não teria declarado esse dinheiro para poder fugir dos impostos e ainda teria usado ele como parte dos salários do Neymar.

Quem tem que decidir o que aconteceu ou não é o judiciário espanhol, e depois de longa investigação o Sandro Rosell até chegou a ser inocentado, mas o impacto disso na época foi muito grande e a pressão do conselho “obrigou” o presidente a pedir demissão: assim, o vice-presidente Bartomeu assumiu o comando.

A era Bartomeu

Foto: Gonzalo Arroyo Moreno

Já em 2014 com o Bartomeu presidente, começa o primeiro desafio: acontece que a compra de alguns jovens jogadores pelo Barcelona entre 2009 e 2013 foi investigada pela FIFA e considerada como exploração dos atletas, e com isso o Barça foi punido e impedido de contratar por duas janelas de transferências. Era para já entrar em vigor em 2014, mas o clube recorreu à justiça e a punição foi adiada só para o ano seguinte, com o clube podendo então fazer ainda algumas contratações.

Essa janela do Barça foi controversa, mas de maneira geral vista com bons olhos. O técnico Luis Enrique foi contratado, ídolo do clube como jogador, e isso agradou a torcida. Dois goleiros também chegaram, Claudio Bravo e o Ter Stegen. Com a saída de jogadores como Alexis Sánchez e Fábregas, o clube supriu com as chegadas de Luis Suárez e do meia Rakitić, os dois que jogaram muito bem pelo clube.

Além deles, a chegada de três jogadores já dava um gostinho do que seriam as más decisões do Bartomeu: O defensor Mathieu de 30 anos, e também o zagueiro Vermaelen, de 28, que viveu uma carreira cheia de lesões, vieram por pouco mais de 20 milhões de euros cada, e a decisão em trazer jogadores mais velhos por esse valor não foi bem vista. E mais bizarro ainda o lateral direito Douglas, vindo do São Paulo, que foi uma contratação que ninguém entendeu e nem entende hoje o motivo, que ocupava na reserva o lugar que algum jogador da base poderia ter ocupado. Essa inclusive que se tornará reclamação frequente nos mandatos do Bartomeu, que contratava jogadores que a torcida considerava medíocres para o banco de reservas, ao invés de dar oportunidade para jogadores da base que acabavam saindo.

O trio MSN

Foto: David Ramos/Getty

Essa temporada foi muito marcante para o clube, especialmente pelo contraste entre o desempenho em campo com o tumulto interno do Barcelona. Muito devido à punição que o time sofreu, o diretor de futebol e ex-jogador Zubizarreta foi demitido, e com ele seu assistente, o já aposentado Puyol, também pediu demissão. Eles eram vistos com bastante carinho por alguns jogadores – como o Messi – e a saída deles não pegou muito bem.

Só que em campo os reforços deram certo e o time estava muito bem, e assim foi nessa temporada 2014/2015 que surge o trio MSN e o Barça consegue a tríplice coroa na temporada, a mais vitoriosa do clube desde então. Logo após a conquista há uma eleição para presidente do clube e o Bartomeu, que atuava como interino, vence por grande margem e se garante no comando do clube por mais alguns anos.

Lembra que o Barcelona tinha sofrido uma punição e não poderia contratar? Então, mesmo sabendo que eles só poderiam ser registrados em 2016, o clube resolveu ainda assim contratar alguns jogadores: o lateral-direito Aleix Vidal por um total de 22 milhões de euros, e o meia Arda Turan, por um valor que podia chegar até  41 milhões.

O maior problema disso tudo foi justamente a punição que o clube cumpria, que deixou os dois só podendo treinar pela metade da temporada, e depois quando finalmente puderam jogar e ganhar ritmo de jogo já era o meio de 2016 com a temporada acabando, então não tinha muito o que fazer. Eles nunca renderam no time e principalmente o Turan foi alvo de muitas críticas, já que nunca conseguiu repetir o desempenho do Atlético de Madrid, enquanto ganhava um salário muito alto para apenas esquentar o banco

Foto: Cesar Manso/Getty

Se isso não bastasse, a temporada 2016/2017 já começava com uma janela de transferências bastante questionável: um “chapéu” no Real Madrid para contratar o meia português André Gomes, com valores que poderiam chegar até 55 milhões de euros, 30 milhões no atacante Paco Alcácer, 13 milhões no goleiro Cilessen, e 16 milhões e meio no lateral-esquerdo Lucas Digne.

É muito dinheiro para nenhum dos reforços dar certo no clube. André Gomes foi visto como uma piada de tão mal que jogou, e o valor alto pago nele não ajudou em nada. Paco Alcácer veio para ser reserva do Suárez e por isso não jogou tanto, assim como o Cilessen que chegou para o banco. A contratação do Lucas Digne, que veio para ser reserva do Jordi Alba na lateral esquerda estranhou a muitos, já que o time não tinha ninguém de nível para assumir a direita. Essa janela já começava a mostrar a falta de planejamento do clube.

Mesmo com más contratações e a bagunça interna, o Barcelona ainda estava longe de ser ruim: é verdade que nessa temporada ganhou apenas a Copa do Rei e a Supercopa da Espanha, mas esse foi o ano da remontada sobre o PSG, na histórica virada para vencer o time francês na Champions por 6×1 e avançar para as quartas de final. Só que já nas quartas foi eliminado para a Juventus, e terminou a temporada em segundo lugar na La Liga, o que para aquele timaço foi pouco. No final dessa temporada o treinador Luis Enrique anunciou sua saída do clube – nesse caso nada indica que foi briga com o presidente, mas ainda assim a decisão chocou o vestiário que gostava bastante dele.

Ernesto Valverde e o “toca pro Messi”

Foto: David Ramos/Getty

A remontada ajudou muito a dar uma moral pro clube, mas nessa temporada 2017/2018 o ânimo do time ia por água abaixo mesmo ganhando a liga espanhola. O Barcelona anuncia o técnico Ernesto Valverde para o comando do clube, o que gera opiniões mistas: ele vinha de um bom trabalho no Athletic Bilbao e o seu começo foi bom, especialmente na parte defensiva, mas existiam críticas a maneira “chata” que o time jogava e também da dependência de quase sempre ter que depender do Messi pro time criar alguma chance.

Mas o que deu o que falar nessa temporada não foi o técnico e sim a saída de Neymar para o Paris Saint-Germain, que surpreendeu até a seus companheiros de time. Não tinha o que o presidente fazer, afinal o PSG pagou a multa rescisória de 222 milhões de euros, mas é mais um ponto ali que enfraqueceu o vestiário, já que ele era muito amigo do Messi e do Suárez.

Com todo esse dinheiro e com algumas lacunas para serem preenchidas no time, o Barcelona resolveu contratar alguns jogadores. Primeiro, já pra ser o substituto do Neymar, o Barça contrata o Ousmane Dembélé, por um valor que poderia chegar a 135 milhões de euros, mais da metade do dinheiro que eles tinham acabado de receber pelo Neymar.

O clube também contratou o lateral-direito Nelson Semedo por 35,7 milhões de euros que não deu certo e já nem está mais no time. Chegou também o Deulofeu, que era jogador das categorias de base do Barcelona, não foi aproveitado, saiu, e agora tinha sido contratado de novo. E adivinha? Quase não teve chance e eventualmente foi vendido mais uma vez.

A principal contratação foi a de Philippe Coutinho por 130 milhões de euros mais variáveis. Foi o resto do “dinheiro do Neymar” digamos assim, porque saiu até mais caro, mas a tentativa era de trazer alguém de peso para dividir o protagonismo com o Messi. Funcionou? Não…

Foto: David Ramos/Getty

A última e mais bizarra das principais contratações foi o volante Paulinho, por 40 milhões de euros, vindo do clube chinês Guangzhou Evergrande. Esse valor por um jogador com o estilo completamente diferente do Barcelona, ainda vindo de uma liga muito inferior como a China levantou muitos questionamentos por parte da imprensa e da torcida. Mas por mais estranho que fosse, na sua única temporada ele jogou bem, ganhou a La Liga com o Barcelona, e viu o time perder pouquíssimas vezes: justamente o 3×0 da Roma contra o Barça, eliminando o time catalão depois de um 4×1 em casa, visto como um enorme vexame na época.

Os jogadores, e o Messi incluso, não pareciam mais ter confiança no trabalho do treinador ou da diretoria, que foi muito mal no mercado e falhou em trazer um cara pra dividir a responsa com o Messi. Tudo indicava uma mudança… 

Mas não aconteceu, porque o Valverde permaneceu no comando do clube e chegou até a ter seu contrato renovado. Então para a temporada 2018/2019 tivemos ainda mais mexidas no time que de novo não deram resultado. Pra começar o Paulinho, que depois da boa temporada finalmente convenceu a torcida, foi emprestado de volta para o Guangzhou com opção de compra em 42 milhões de euros, e todo mundo ficou sem entender nada do que aconteceu.   

E as vindas dessa janela são uma combinação de azar com mau planejamento: o Malcom veio do Bordeaux por 41 milhões de euros, o zagueiro Lenglet por 35.9 milhões, o meio campista Arthur, vindo do Grêmio por 31 milhões, e o Arturo Vidal, por 18 milhões do Bayern. E ainda teve a chegada do Kevin PrinceBoateng, mais uma extremamente questionável.

Foto: Chris Brunskill/Getty

Nenhum deles deu certo: O Vidal nunca conseguiu se encaixar com o estilo do time e eventualmente saiu de graça, e o Malcom no Barcelona não conseguiu mostrar seu futebol. O Arthur tinha o “DNA do Barça” mas isso não adiantou de nada e ele também não rendeu o que se esperava. O Lenglet veio como um zagueiro promissor, e depois chegou a ser considerado o pior do elenco, com a torcida pegando muito no pé dele por causa de falhas como penaltis e gols contra.

Ainda assim o time venceu a La Liga muito por causa de um cara chamado Lionel Messi que marcou 36 gols e deu 13 assistências na competição – líder em ambas – mas a sua liderança não foi o bastante para evitar mais um vexame: depois de um 3×0 em casa contra o Liverpool pela semi-final da Champions, perde fora de casa por 4×0, naquele famoso jogo do escanteio curto cobrado pelo Alexander-Arnold, de um time claramente desfocado e sem concentração.

Começava então a temporada 2019/2020 e mais uma vez a estratégia do Bartomeu era sair contratando jogadores fizesse sentido ou não. Eles contratam o goleiro Neto do Valencia enquanto o Valencia compra o Cilessen, no que pareceu muito uma troca mas oficialmente não foi – já que foi uma manobra para burlar o fair play financeiro. O Coutinho, que não vinha sendo aproveitado, foi emprestado para o Bayern.

Também teve a contratação do Junior Firpo para ser o lateral esquerdo reserva, e a dos meias Pedri por 5 milhões de euros – que passou ainda mais uma temporada no Las Palmas – e do Frenkie de Jong, por 86 milhões de euros, o que é muita grana, mas dá até pra dizer que valeu a pena. Também teve a contratação do Griezmann por 120 milhões de euros, em mais uma tentativa frustrada de achar um novo companheiro pro Messi. Teve a chegada do Braithwaite, que veio fora da janela como uma “contratação de emergência” devido à lesão grave do Dembélé.

Setién e a troca de passes

Foto: David Ramos/Getty

O time não ia bem e o Bartomeu resolve fazer uma mudança: demite o Valverde no meio da temporada para a contratação de Quique Setién, que logo impressionou por um time que não parava de trocar passes e mais passes como nos velhos tempos de tiki-taka. Mas mesmo tendo a posse de bola todo jogo, o time ia de mal a pior e continuava com a mesma estratégia de sempre: deixa que o Messi resolve.

Mas não é sempre que ele consegue resolver, e além de não ganharem a La Liga, sofrem o terceiro vexame seguido na Champions, dessa vez de longe o pior de todos: derrota por 8×2 para o Bayern de Munique, com direito a sal na ferida porque contou também com dois gols do Coutinho, que pertencia ainda ao Barcelona.

Nisso, o Setién foi demitido e o diretor de futebol, o ex-jogador Abidal, também. O clima era o pior possível e o Messi teria inclusive pedido para sair por causa desse ambiente péssimo.

Só não aconteceu porque ele tinha contrato, o Bartomeu não queria deixar ele sair – o que deixou o clima entre eles o pior possível – e sua multa rescisória era de 600 milhões de euros: ainda mais no meio da pandemia, nenhum clube tinha condição de pagar essa grana, e mesmo contra a sua vontade, ele ficou para o que seria sua última temporada no Barcelona.

O clima pesado acabou se tornando criminoso quando uma investigação foi feita ao Bartomeu sobre supostas campanhas online que ele teria financiado, com o dinheiro do clube, com o objetivo de difamar o candidato à presidência Laporta e até alguns jogadores, como o Piqué e o Messi.

Ronald Koeman e mais do mesmo

Foto: David Ramos/Getty

Só que enquanto isso acontecia a temporada 2020/2021 ia começando, e com ela novamente o ciclo das contratações: o técnico Ronald Koeman é anunciado, e o clube contrata o meia Pjanić por 60 milhões de euros, o ponta português Trincão por 31 milhões, e Sergiño Dest, mais uma tentativa de achar um lateral-direito que não funcionou.

Nenhum deles na verdade, já que o Trincão nunca conseguiu se provar enquanto o Pjanić também não teve tantas chances como titular e quando teve, não foi bem.

Vale lembrar também que isso tudo aconteceu em época de pandemia, quando o Barcelona pediu para que seus jogadores reduzissem 70% dos seus salários devido aos problemas financeiros que o clube passava. Aí os jogadores aceitam, e no dia seguinte o Bartomeu usa o dinheiro que economizou para várias contratações e seus salários. Não bastasse isso, o time também anuncia a saída do ídolo Luisito Suárez por 7 milhões de euros para o Atlético de Madrid.

Imagina o Messi nesse momento: pediu para sair, o presidente não deixou, aí aceitou reduzir em mais da metade o seu salário só para o clube usar esse dinheiro para trazer mais jogadores. E ainda por cima um dos seus melhores amigos no clube é vendido a preço de banana… se ele estava chateado foi com total razão, e essa rixa só chegou ao fim quando o Bartomeu anuncia sua demissão do clube, e alguns meses depois Joan Laporta é eleito o novo presidente.

Laporta e a esperança de um futuro melhor

Foto: Lluis Gene/Getty

Só que esportivamente tem mais um vexame, e o time é eliminado da Champions pelo PSG nas oitavas de final, com direito a um 4×1 em Barcelona. E também a pior colocação na La Liga desde a temporada 2007/2008, ficando em terceiro lugar. O pior? Quem vence é o Atlético de Madrid, novo time do Suárez.

Mesmo assim, o Laporta começou a janela de transferências de maneira muito mais conservadora que seu antecessor, e anunciou para a temporada 2021/2022 o Memphis Depay e o Agüero, ambos vindos de graça para o clube. O Agüero que é muito amigo do Messi, e sem dúvida foi uma contratação que também serviu pra agradar ele, que parecia cada vez mais que ficaria no clube.

Até que no dia 5 de Agosto de 2021, que sem dúvida ficará marcado para sempre na história do futebol, o Barcelona anuncia em seu perfil oficial que o Messi vai sair do Barcelona e pega todo mundo de surpresa.

A saída do ídolo

Foto: Paul Barrena/Getty

O problema acabou sendo mesmo financeiro, e a má gestão do clube por quase uma década foi o bastante para acabar com a estadia do maior ídolo da sua história.

A cada janela era uma contratação atrás da outra, a maioria sem cabimento, e de jogadores que acabavam saindo depois de graça ou por um preço muito menor sem nunca dar retorno esportivo. Uma hora a conta chega, e infelizmente para o futebol, chegou na hora de renovar com o Messi.

O Laporta no dia seguinte ao anúncio deu uma coletiva explicando que tanto o clube quanto o Messi queriam renovar, mas a crise financeira impediu. Basicamente existia uma escolha que o presidente poderia fazer, que era entrar em um acordo com a La Liga e um fundo de investimentos para receber 270 milhões de euros, o que ajudaria com a renovação do Messi e outros problemas salariais, mas que teriam que ceder os direitos de televisão do clube por 50 anos. Então entre o clube e o jogador, escolheu o Barcelona, e a história dos dois chegou ao fim.

Tudo isso explica o declínio do Barcelona nesses últimos anos até a saída do Messi. O que vai acontecer agora a gente não sabe, mas tem muita coisa ainda pra acontecer: tanto com o Messi como com o Barcelona, mas agora cada um em seu caminho.

Esse texto foi escrito em Agosto de 2021.

Bury FC: O time que foi vendido por uma libra

Esse artigo foi escrito originalmente como roteiro para o vídeo acima

O ano é 2019 e você é torcedor de um time histórico da Inglaterra, recém promovido para a terceira divisão do campeonato inglês, já pensando na possibilidade de quem sabe um dia voltar ao primeiro escalão nacional e às glórias do passado… e depois de só 4 meses de todo esse sonho, seu clube decreta falência. Essa é a história do Bury FC, que não atua oficialmente desde 2019, e arrisca deixar de existir a qualquer momento.

Foto: Cristopher Furlong

O time é local da cidade de Bury, próxima a Manchester, e foi fundado em 1885 por Aiden Arrowsmith, numa fusão entre o Bury Wesleyans e o Bury Unitarians Football Club, dois times de igrejas da cidade.

Nessa época era muito comum times amadores ou semi-profissionais se unirem e formarem um clube maior, e não foi diferente com os shakers, clube que tem esse apelido desde 1892 quando o presidente e técnico do clube J.T. Ingham profere para a imprensa, antes de um jogo contra o Blackburn: “We shall shake ’em, in fact, we are the Shakers”, algo como “Nós iremos sacudí-los, na verdade, nós somos os sacudidores”.

Ao se profissionalizar, o clube ingressou à Football Association e teve muitos anos prósperos pela frente, ganhando a FA Cup de 1900 e especialmente pela incrível campanha da FA Cup de 1903, quando ganhou a competição sem sofrer sequer um gol, contra adversários como o WolverhamptonAston Villa e Sheffield United, culminando na goleada por 6×0 sobre o Derby County na final da competição.

Para dar uma noção do tamanho desse feito, esse recorde não foi superado até hoje, apenas sendo igualado pelo Manchester City na final da FA Cup de 2019, em vitória por também 6×0 sobre o Watford.

Os nomes marcantes da conquista do Bury foram George Ross, capitão da equipe e marcador do primeiro gol da final; Joe Leeming, que marcou um doblete neste jogo; e Jack Plant, jovem jogador eventualmente convocado para a seleção inglesa.

Vale lembrar como era maluco o futebol nessa época: após o primeiro gol, o goleiro do Derby se machucou e teve que sair de campo. Como não podia-se fazer substituições até então, o lateral da equipe teve que entrar no gol, deixando o time com um a menos e o que talvez explique melhor a goleada sofrida.

Os anos seguintes foram os mais significativos da história do clube, mas sem nunca alcançar o auge da conquista da FA Cup. Oscilou entre as três primeiras divisões da Inglaterra, chegou a ser o quarto colocado da primeira divisão na temporada 1925/26, porém foi rebaixado novamente em 1929, e desde então não figura no primeiro escalão do país.

É interessante pensar em quantos times importantes da Inglaterra nunca tiveram uma história muito grande na primeira divisão, mas ainda assim são fundamentais para entender o futebol no país, especialmente pelo amor da torcida por esses clubes.

No século XX o clube teve altos e baixos, já que ora ganhava a terceira divisão, ora figurava entre os melhores times da segundona mas sem nunca voltar para a primeira: só os dois melhores times eram promovidos nessa época, e a melhor posição do Bury foi em terceiro lugar da segunda divisão, tendo passado o restante do século sem grandes conquistas ou feitos.

Avançando bastante, já em 2001, o clube passava pelo começo dos seus perrengues, quando quase decretou falência depois que um dinheiro esperado de televisão não foi recebido e o clube não conseguiu pagar alguns empréstimos que recebeu. E é aqui que a linda história do Bury FC com a torcida ganhou um novo capítulo, quando seus fãs fizeram uma vaquinha pelo clube, o bastante para ele continuar existindo.

Porém, nem tudo são flores. Após más campanhas nos anos seguintes, os torcedores cansaram, e a média de público no estádio Gigg Lane era cada vez mais baixa, gerando menos e menos receita a cada ano que passava. Em 2012, o clube recebeu uma punição que o impedia de contratar jogadores, o que levou o time a ser rebaixado novamente, lidando nos próximos anos com rebaixamentos e mais e mais dívidas. Até que pouco antes de 2019 começava o capítulo mais triste da história do clube.

O time que foi vendido por uma libra

Em dezembro de 2018, o empresário Steve Dale compra o Bury por uma bagatela de uma libra.

O valor, claro, é simbólico, e representa apenas a troca de bastão de um dono para o outro, que tem agora que arcar com as divídas do clube e tocar o barco, nesse caso um que tá quase afundando.

Poderia ser o recomeço que o clube precisava, mas infelizmente não foi: poucos meses depois o prejuízo continuava, e os jogadores já estavam sem receber seus salários.

A partir desse momento, a Liga de Futebol Inglesa (EFL) impôs diversas restrições ao clube e fez um ultimato: os shakers seriam expulsos da federação se não resolvessem seus problemas financeiros até 27 de Agosto de 2019.

Steve Dale, o novo chefe, chegou até a rejeitar propostas de compra alegando que o valor era baixo, esperando a oferta perfeita. O problema é: quem muito quer, nada tem. Uma desistência de última hora fez com que o clube ficasse sem comprador: No mesmo dia, Bury FC deixava de existir oficialmente aos olhos da Liga Inglesa.

O dia foi marcado por tremenda tristeza por fãs de futebol do mundo inteiro, mas especialmente para os torcedores dos shakers. Os fãs se reuniram no estádio, com placas e camisas, chorando e celebrando o time que deixara de existir, tendo até uma torcedora se algemando na entrada do estádio e um torcedor que levou um caixão. E assim se encerrava a história do Bury FC, que até hoje não vê possível retorno aos gramados, e não poderá dar continuidade a sua trajetória…

Bury FC renasce das cinzas

Mas no futebol, se tem que algo que não morre nunca é a paixão dos torcedores. A gente tem que entender que o clube hoje é uma empresa e pode falir, mas como você vai explicar isso pro torcedor?

Com essa ideia em mente, a torcida do Bury resolveu fundar o Bury Association Football Club, ou Bury AFC, fazendo seu time do coração ressurgir das cinzas de volta aos gramados.

Fundado em 2019, o novo Bury manda seus jogos no Stainton Park, em Radcliffe. O lema do clube não poderia ser outro: “Pelos fãs, para os fãs”, tendo sido criado por mais de 300 sócios que torciam para o time. Agora, o Bury AFC disputa a décima liga da Inglaterra, longe do escalão que estava, mas recebe ao menos uma chance de manter sua história viva.

Em 2021, a situação do clube não é das melhores. A pandemia afeitou a receita de todos os clubes, e aqueles que mais dependem dela para sobreviver têm enfrentado sérios problemas durante esse período. É possível que o Bury não jogue mais nenhuma partida, mas no que depender da torcida, o clube jamais deixará de existir.

Essse texto foi originalmente escrito como roteiro para o vídeo “A história do clube vendido por 7 REAIS! — Bury FC

Ajax FC: a competência segue a coerência

Existem diversos motivos para apontar o Ajax como um clube modelo para todos os outros do mundo. Mas além de detalhes de infraestrutura e gestão, é notável um elemento mais “superficial” e ainda de extrema importância: a coerência na contratação e utilização do seu elenco.

Seria mais fácil ver os melhores momentos recentes dessa equipe — como na Champions da temporada 18/19 e nessa temporada atual 20/21 — como lampejos, mas a verdade é que em quase toda peça do seu elenco existe um planejamento, uma contratação que foi pautada em motivos pré-estabelecidos e que são seguidos à risca pela diretoria.

Planejo aqui apenas, de maneira rasa, analisar algumas dessas facetas:

1. Jong Ajax e a utilização da base

A primeira é a característica mais relacionada ao Ajax: a formação de atletas. Um estudo recente mostra o Ajax liderando a lista de jogadores das 31 principais ligas europeias formados em sua base (81) e ainda em 15º no ranking que leva em consideração apenas as cinco principais ligas (20). Essa posição mais baixa não deve surpreender, afinal a liga holandesa não é considerada uma das cinco, e é justamente lá onde estão concentrados os jogadores da base do Ajax.

Dos 11 titulares da campanha de 18/19, seis deles foram formados no clube: De LigtBlindMazraouiDe Jongvan de Beek Onana, que fez quase toda sua base no Barcelona, mas se tornou profissional na Holanda.

Por mais que seja hoje um clube vendedor, a formação passa também por colocá-los em situações de alta competitividade desde cedo, e esse estímulo é essencial para seu desenvolvimento. Desses, o De Ligt saiu para a Juventusde Jong para o Barcelona van de Beek para o Manchester United, todos por grandes valores.

Então eles vão torrar esse dinheiro em estrelas, certo? No lugar do zagueiro De Ligt, hoje joga o jovem Timber. No lugar do de JongGravenberch, ambos da baseA fábrica de meninos continua, e se engana quem pensa que as reposições não são à altura.

2. O mercado norte e sul-americano

E quando tem que contratar, a solução acaba muitas vezes vindo do mercado americano, com soluções baratas e normalmente promissoras em jogadores que chegam para já fazer a diferença.

Em 18/19, o elenco contava com o Tagliafico — recém contratado do Independiente da Argentina — além do David Neres, jóia da base do São Paulo, onde se destacou antes de ir para a Holanda.

Hoje, tem Lisando Martínez que veio do Defensa y Justicia, Edson Alvárez do América do MéxicoAntony, outro jogador da base do São Paulo.

A coerência é tanta que dá pra combinar facetas em algumas delas: o jovem Danilo, que estava na base do Santos, foi contratado pelo Ajax para terminar lá sua formação, e hoje é mais uma promessa revelada pelo time. Assim como Sergiño Dest, jogador norte-americano que foi para o Ajax bastante jovem, revelado pelo time e hoje no Barcelona.

Nota-se também que o mercado americano não é uma regra: hoje os jovens Daramy Kudus, vindos da liga dinamarquesa, fogem à ela mas seguem os mesmos princípios.

3. O grande da Holanda

É nessa hora que vale salientar que as excelente estratégias do Ajax não são utilizadas como um “recurso emergencial” ou algo do tipo. O Ajax é o maior vencedor holandês e portanto um dos clubes com maior atrativo no país, e a terceira faceta parte da contratação de jogadores que se destacam na própria Eredivisie.

Do time de 18/19, o volante Schöne havia vindo do NEC Nijmegen, enquanto Hakim Ziyech foi contratado depois de se destacar pelo Twente.

Hoje, têm o goleiro Pasveer vindo do Vitesse Steven Berghuis que se destacou no Feyenoord antes de chegar ao time.

Alguns outros jogadores também entram nessa faceta (como Labyad), porém tentei focar em jogadores com ampla minutagem ou titulares em potencial.

4. Negócios de oportunidade

Todo time contrata jogadores por oportunidade de mercado, e o Ajax não é exceção. O mais impressionante, pra mim, é como elas são sempre pautadas pela coerência.

Antes da temporada 18/19, a principal contratação havia sido a de Dusan Tadic, vindo do Southampton. Precisando de uma estrela, o Ajax poderia ter tentado repatriar Cristian Eriksen ou outro jogador que viria de um clube rico e custaria caro. Pelas circunstâncias do time inglês, Tadic custou apenas 13 milhões e 700 mil euros: pouco para quem se tornou o líder técnico e hoje é capitão do time.

E aqui a lógica: antes dos SaintsTadic se destacou pelo Twente, quando foi artilheiro e levou o time à terceira colocação do campeonato holandês, com o Ajax ficando de olho nele desde então. Quando houve a oportunidade, foi fácil decidir.

O outro é Sebastian Haller, um dos artilheiros da equipe. Foi oportunismo pois ele foi para o West Ham por 50 milhões de euros, não foi bem, e depois de apenas uma temporada e meia saiu para o Ajax por 22 milhões e meio de euros: menos da metade do valor!

“Mas a contratação foi só por isso?” Não! Assim como o Tadic, seu primeiro destaque veio também na Liga Holandesa, em três ótimas temporadas pelo FC Utrecth. De novo a coerência.

Conclusão

Pera aí, não daria tecnicamente pra pegar todo clube de futebol, colocar quatro facetas e dizer que é coerência? Bem, acredito que não. Vamos pegar o Barcelona. Usa a base, mas recentemente deixou muitos jovens irem embora enquanto contratava jogadores medíocres para suprí-los. Quando recebeu o dinheiro do Neymar, as contratações imediatas foram caras, pautadas pelo “temos dinheiro, vamos gastar”. Hoje, quebrado, suas contratações baratas não são estratégia, e sim “não temos dinheiro, então não vamos gastar”.

Então voltando ao Ajax, seguindo essas características TODA contratação dará certo? Não, mas os sinais são muito positivos e a taxa de acerto do clube é muito, muito alta mesmo, e a engrenagem do Ajax não dá sinais de parar.

De onde vem o dinheiro dos “novos gigantes” da Europa?

Esse artigo foi originalmente escrito como roteiro para o vídeo acima

Hoje em dia o futebol tem “novos gigantes”: times como o ChelseaManchester City e PSG, que não possuem a história dos clubes mais tradicionais e mesmo assim ano após ano disputam as principais competições europeias: afinal de contas, têm o dinheiro para seduzir os melhores jogadores do mundo. Mas de onde vem toda essa grana?

Manchester City

Fundado em 1880, o Manchester City é sem dúvida um time antigo no futebol, mas até então longe de ser glorioso: mesmo com algumas conquistas no século passado, o clube não era conhecido pelo mundo afora, sendo ofuscado pelo mais tradicional time da cidade, o Manchester United.

Isso tudo mudou no dia 1º de Setembro de 2008, quando o grupo Abu Dhabi United Group anuncia a compra do time inglês, mudando para sempre sua história. No mesmo dia, o clube também anunciou a compra de Robinho, vindo do Real Madrid, por 32,5 milhões de libras: valor recorde que o clube nunca teria condições de arcar antes de ser comprado. O grupo pertence ao Sheikh Mansour bin Zayed Al Nahyan, que desde então “manda” nos citizens, e é o responsável por essa bolada toda.

O motivo de sua riqueza pode ser explicado: o Sheikh é membro da família real de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes, capital que controla 95% das reservas de petróleo do país. Além disso, preside a IPIC — International Petroleum Investment Company — de Abu Dhabi, sem contar na fortuna pessoal vinda da herança que recebeu de sua família.

Desde então, o patamar do Manchester City é o mesmo dos gigantes da europa. Com contratações milionárias como as de Aguero, David Silva, De Bruyne e principalmente do técnico Pep Guardiola, que levou o time à três conquistas da Premier League, além de chegar na primeira final de Champions League da história do City.

Chelsea

Outro antigo clube inglês que só se tornou grande recentemente é o Chelsea. Fundado em 1905, os leões azuis também só ganharam fama internacional no século atual, quando o clube foi comprado em 2003 pelo bilionário russo Roman Abramovich.

Assim que comprou o time, o empresário investiu pesado para ganhar títulos, e a aposta funcionou: entre as contratações, nomes como Hernan Crespo, Makelele, Petr Cech, Robben e Drogba, além do “special one”, o técnico José Mourinho, elevaram o clube de patamar, que ganhou o primeiro título inglês em 50 anos com a conquista da liga na temporada 2003–2004, além do repeteco em 2004–2005. Desde então, o novo dono já investiu mais de 2 bilhões de euros no time inglês, entre técnicos e reforços.

Mas de onde o Abramovich tirou todo esse dinheiro? O magnata russo é cheio de controvérsias na carreira, antes e depois de investir no Chelsea. O empresário é uma das figuras mais influentes da Rússia, tendo sido governador e até ligado a possíveis conexões com a máfia russa, o que o levou a ser preso por um período. A relação com nomes poderosos na Rússia, mais seu forte investimento no mercado financeiro, colocam o dono do Chelsea como uma das pessoas mais ricas do mundo, com fortuna estimada em 14 bilhões e meio de dólares.

Quase vinte anos no comando do clube, e desde então ainda mais jogadores importantes foram adquiridos, como Kai Havertz, Kanté, Fabregas, Fernando Torres, Hazard, Salah, de Bruyne, entre muitos, muitos outros: alguns que deram certo, enquantos outros não tiveram o rendimento esperado.

Paris Saint-Germain

O mais novinho dos clubes nessa lista é o Paris Saint-Germain. O time francês foi fundado em 1970, numa fusão entre os clubes Paris FC e Stade Saint-German. Ele nunca foi tradicional na europa, mas as conquistas vieram antes do dinheiro do Catar: em 1991, o conglomerado de televisão Canal+ comprou o clube, dando início a primeira fase vitoriosa de sua história.

Com o investimento, algumas contratações importantes: nomes como Valdo, David Ginola, George Weah e Raí levaram o time a uma década bem-sucedida, ganhando nove títulos entre conquistas da liga, copas nacionais e a UEFA Winners Cup, torneio disputado pelos times vencedores das principais ligas da europa. Tudo parecia bem, mas o time ainda não tinha o necessário para ser um dos melhores do mundo.

Em 2011, o capítulo mais vitorioso da história do PSG tinha seu início: o grupo Qatar Sports Investments (QSI) anuncia a compra do clube, fazendo seu CEO, Nasser Al-Khelaifi também se tornar o presidente do time de Paris. Sob nova direção, o que não faltou foram contratações: nomes importantes como Ibrahimovic, Cavani e Thiago Silva mudaram o patamar do clube, que brigava novamente entre os grandes.

Diferentemente do dono do City, a fortuna de Nasser Al-Khelaifi não veio da família: nascido em Doha, o catariano é filho de uma humilde família de pescadores. O hoje presidente do PSG foi tenista profissional, inclusive representando seu país em competições oficiais: assim, conheceu figuras importantes do Catar e começou a trilhar seu caminho como empresário. Tal caminho rendeu a ele a posição de presidente do QSI, e eventualmente a do clube francês.

Apesar do sucesso nacional, o time de Paris ainda não tinha se consolidado no cenário europeu. Buscando mudar ainda mais o patamar do clube, a contratação de Neymar em 2017 — quebrando o recorde de transferências, por 222 milhões de euros — e de Mbappe renderam frutos, com a dupla ajudando o time a chegar na sua primeira final de Champions League da história, na temporada 2019–2020, porém sem ainda ganhar a competição.

E se eles vão ganhar não sabemos, mas a verdade é que dinheiro não falta para o PSG contratar e continuar buscando a tão desejada “orelhuda”, e o mesmo pode ser dito para o Chelsea Manchester City, que vão continuar investindo e se separando dos demais times com muito mais história, mas sem a capacidade financeira de bater com os “novos gigantes”. Esse é o futebol de hoje, onde o dinheiro sempre — ou quase sempre — vence.

Esse artigo foi escrito em Março de 2021. Desde então passaram por mudanças, como por exemplo o Chelsea que tem um novo dono.